1. 1.                  TÍTULO:

 INFRAÇÕES PENAIS: IGUALDADE ONTOLÓGICA ENTRE CRIMES E CONTRAVENÇÕES

 

  1. 2.                 AUTOR: Elano Aragão Pereira. Graduado em direito pela Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA. Pós-graduando em Direito Penal pela Faculdade Integrada de Jacarepaguá - FIJ.

 

  1. 3.                  RESUMO:

 

Este trabalho está voltado para a fomentação e incentivo àqueles que iniciaram o estudo científico na matéria de direito penal. Não é objetivo deste artigo, dissecar em toda a sua inteireza as diferenças entre crimes e contravenções, mas debater os principais aspectos das espécies de infrações penais, tais como conceituação, competências, espécies de penas, entre outras.

Concluída a incessante pesquisa doutrinária, legal e jurisprudencial, apesar do tratamento díspar conferido as duas espécies, percebe-se que, ontologicamente, não haveria uma diferença entre crime e contravenção. Sendo apenas uma escolha, por questões de política-criminal do legislador, em optar por um tratamento ou outro dado às infrações, conforme a valoração recebida por cada uma.

Buscou-se demonstrar a igualdade material das mesmas apesar do menor grau de potencialidade lesiva das contravenções.

 

  1. 4.                  ABSTRACT:

 

This work is focused on fostering and encouragement those who began the scientific study of the criminal law. There is purpose of this article, dissect in all its completeness the differences between felonies and misdemeanors, but discuss the main aspects of the species of criminal offenses, such as concepts, skills, types of feathers, among others.

After the incessant search doctrinal, legal and court decisions, despite the disparate treatment given the two species, one realizes that, ontologically, there is no difference between a crime and misdemeanor. Being only one choice, for reasons of criminal policy of the legislature to opt for a given treatment or other infractions, according to the valuation received by each.

We sought to demonstrate the equality of the same material despite the lower degree of potential undermining of misdemeanors.

 

  1. 5.                  PALAVRAS-CHAVE:

 

Crime. Contravenção. Infração. Igualdade. Dualista. Ontologia. 

 

6.         CONTEÚDO:

 

6.1.      INTRODUÇÃO:

 

Não raras vezes se escuta em salas de aula o professor dizer que o ordenamento brasileiro adotou a teoria dualista, levando o leitor desavisado a crer que crimes e contravenções são duas coisas totalmente distintas.

Bem se sabe que esta afirmativa não procede. Razão pela qual este trabalho visa demonstrar ao leitor as principais características diferenciadoras destas espécies e ao mesmo tempo demonstrar que, ontologicamente, não há qualquer distinção entre as mesmas, tratando-se simplesmente de uma opção de política-criminal.

Este trabalho foi metodologicamente desenvolvido a base de pesquisa legal e jurisprudencial, com raras buscas doutrinárias, haja vista as distinções estarem normativamente estabelecidas, sendo raras as divergências doutrinárias, com, por exemplo, a competência para julgamento de contravenções conexas a crimes da alçada federal.

Como antes dito, este artigo, além de buscar o incentivo ao desenvolvimento de artigos científicos, busca levar ao iniciante do estudo na disciplina as principais distinções existentes entre crime e contravenção além de demonstrar a igualdade ontológica dos mesmos.

 

6.2.      DESENVOLVIMENTO:

 

A República Federativa do Brasil adotou o sistema dualista (bipartido ou dicotômico[1]), dando tratamento diverso às infrações penais, conforme trate de crimes (delitos) ou contravenções penais (crime anão, delito liliputiano, crime vagabundo).

Ontologicamente não há distinção entre as duas espécies, sendo apenas uma qualidade de grau e não quanto ao significado, já que são infrações penais, sofrendo tratamento distinto em decorrência do grau de ofensividade e de potencialidade lesiva a bens de maior ou menor importância. A diferença é apenas axiológica.

Rodrigo Lennaco, Promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais, em artigo publicado no site Direito Penal Virtual, com a maestria que lhe é peculiar, assevera que “Crime e contravenção não são, pois, institutos que se possam distinguir ontologicamente, senão axiologicamente, de acordo com a menção do legislador quanto ao grau de reprovação da conduta, realizado ex ante.[2]

O legislador ordinário, diante deste contexto valorativo, entendeu por bem dar tratamento diferenciado às contravenções. Características que as diferenciam dos crimes propriamente ditos. Eis o que reza o texto original da Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal:

Ficou decidido, desde o início do trabalho de revisão, excluir do Código Penal as contravenções, que seriam objeto de lei à parte. Foi, assim, rejeitado o critério inicialmente proposto pelo professor Alcântara Machado, de abolir-se qualquer distinção entre crimes e contravenções. Quando se misturam coisas de somenos importância com outras de maior valor, correm estas o risco de serem amesquinhadas. Não é que exista diversidade ontológica entre crime e contravenção; embora sendo apenas de grau ou quantidade a diferença entre as duas espécies de ilícito penal, pareceu-nos de toda conveniência excluir do Código Penal a matéria tão miúda, tão vária e tão versátil das contravenções, dificilmente subordinável a um espírito de sistema e adstrita a critérios oportunísticos ou meramente convencionais e, assim, permitir que o Código Penal se furtasse, na medida do possível, pelo menos àquelas contingências do tempo a que não devem estar sujeitas as obras destinadas a maior duração.

A lei de coordenação, cujo projeto terei ocasião de submeter proximamente à apreciação de Vossa Excelência, dará o critério prático para distinguir-se entre crime e contravenção. (PINTO, A.L.D.T., WINDT, M. C. V. D.S., CÉSPEDES, L., 2011, p. 561/562)

Desde já se percebe o tratamento singular dado às contravenções penais diante do seu caráter ínfimo, da menor importância das condutas tipificadas se comparadas aos delitos, demonstrando a menor ofensividade das contravenções e consequentemente o tratamento brando aplicado. Trata-se de consequência do princípio da intervenção mínima do direito penal e da lesividade.

A primeira grande diferença está na conceituação de tais institutos. Conceitos previstos legalmente, não havendo, portanto, espaço à interferência do doutrinador. Eis o que reza o artigo 1º da lei de Introdução ao Código Penal:

Art 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente. (PINTO, A.L.D.T., WINDT, M. C. V. D.S., CÉSPEDES, L., 2011, p. 551)

De imediato percebe-se tratar de um conceito puramente objetivo, não abrindo espaço a discussões e questionamentos. Observa-se que a própria lei resumiu as principais distinções entre crime e delito lilipudiano.

Reza o artigo em apreço que ao crime será cominada pena de reclusão ou de detenção[3], quer isolada ou cumulativamente a pena de multa. Ao passo que às contravenções aplica-se a pena de prisão simples[4] ou de multa, alternativa ou cumulativamente.

Outra característica capaz de demonstrar a peculiaridade das infrações penais é o tipo de ação penal impulsionadora da atividade jurisdicional, o remédio capaz de exigir a devida tutela do estado-juiz em caso de condutas previamente tipificadas no ordenamento jurídico e ofensivo a bens que mereçam a atenção do Estado conforme o critério político adotado em suas escolhas.

O instrumento impulsionador da maquina judiciária, no caso de crimes, será a ação penal pública, incondicionada ou condicionada à representação do ofendido ou à requisição do Ministro da Justiça, cuja competência será do Ministério Público, ou ação penal privada, a qual incube o manuseio ao ofendido, situações em que o estado transfere ao particular a legitimidade para demandar a persecução penal. Já no que diz as contravenções penais, o decreto-lei nº 3.688/1941, mais precisamente no artigo 17, deixou claro ao rezar que a “ação penal é pública, devendo a autoridade proceder de ofício”[5], ou seja,  de forma incondicionada.

Outra distinção é a punibilidade ou não das espécies tentadas. A tentativa de crime é perfeitamente punível, conforme se depreende pelo inciso II do artigo 14 do código penal brasileiro. Diferentemente, por critério meramente político, entendeu por bem o legislador não punir a tentativa de crime anão. Isso não quer dizer que não exista tentativa nesses delitos de menor potencial ofensivo. É perfeitamente cabível, porém não “é punível a tentativa de contravenção”[6].

No que diz respeito a extraterritorialidade, princípio o qual preocupa-se com a aplicação da lei brasileira às infrações penais cometidas além de nossas fronteiras, em países estrangeiros, terá plena aplicabilidade aos crimes, porém de nenhuma serventia às contravenções penais, pois a lei brasileira somente terá aplicação em crime anão praticado no território nacional[7], entendido também nesse o território ficto ou por extensão. Aplica-se às contravenções o princípio da territorialidade.  

Distinção importante é a determinação do órgão judiciário competente à instrução e julgamento destas infrações. Os crimes, a depender dos sujeitos envolvidos na conduta delitiva e do bem jurídico a ser protegido, serão da competência da Justiça Federal, nos termos do artigo 109 e incisos da Carta Cidadã – numerus clausus -, ou subsidiariamente da Justiça Estadual, sem esquecer da competência da Justiça Eleitoral e Militar.

As contravenções serão julgadas pela Justiça Estadual ainda que em detrimento de bens, serviços ou interesses da União e de suas entidades[8], haja vista a própria Carta Magna ter excluído da esfera de apreciação da Justiça Federal as condutas configuradoras de delito lilipudiano. Exceção a essa regra será o contraventor detentor de foro por prerrogativa de função, a exemplo do juiz federal, o qual será julgado perante o Tribunal Regional Federal.

Questão que gera discussão é o caso de contravenções conexas a crimes da jurisdição federal. Pergunta-se se o crime federal tem capacidade de prorrogar a competência da justiça federal para o julgamento das contravenções conexas. Há uma forte divergência dentro da jurisprudência e da doutrina. Porém prevalece o entendimento de que, apesar da conexão, diante do princípio da taxatividade que norteia a enumeração da competência da Justiça Federal, haverá uma cisão de processos, continuando o crime federal sob a competência daquela enquanto que a contravenção será remetida para julgamento da Justiça Estadual competente.

Eis o julgado do Tribunal Regional federal da 3ª Região:

PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA. CONTRAVENÇÕES. CONEXÃO. CONTRAVENÇÃO. CRIME. JUSTIÇA DO ESTADO. JUSTIÇA FEDERAL. ROUBO. QUADRILHA. PORTE ILEGAL DE ARMA. CONCURSO MATERIAL. CONTINUIDADE. BIS IN IDEM.

1. As contravenções foram expressamente excluídas da competência da Justiça Federal pelo inciso IV do art. 109 da Constituição da República e a súmula n. 38 do Superior Tribunal de Justiça estabelece que, na vigência desta, compete à Justiça Estadual Comum processar e julgar tais delitos, ainda que praticados em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades.

2. Não há prorrogação da competência da Justiça Federal para julgar as contravenções em virtude de conexão entre semelhante delito e crime de sua competência, à míngua de fundamento constitucional.(...)(TRF3 - ACR 7486 SP 2001.61.08.007486-2 Rel. JUIZ ANDRE NEKATSCHALOW. Julgado em 15/12/2003. Encontrado em:<http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/2128169/apelacao-criminal-12580-acr-7486-sp-20016108007486-2-trf3>.

Se de modo diverso entendêssemos estaríamos corroborando com uma inconstitucionalidade material, pois a própria carta cidadã exclui os delitos lilipudianos da competência federal, não podendo lei infraconstitucional afrontá-la e descrever tal permissivo legal.

Finalizando essa diferenciação axiológica entre as espécies de infrações, existem dois outros critérios objetivos capazes de distingui-las, o limite das penas aplicadas e o período de prova do sursis (suspensão condicional da pena). Aos crimes o código repressor dispõe que a pena máxima privativa de liberdade a ser cumprida será de 30 (trinta) anos[9]. Já no que diz ao crime “vagabundo” a pena máxima será de 05 (cinco) anos[10]. Na Suspensão Condicional do Processo, em regra geral, aos crimes será de 02 (dois) a 04 (quatro) anos, enquanto que às outras infrações será de 01 (hum) à 03 (três) anos.

 Apesar do tratamento ensejado às contravenções e o que expõe a comissão elaboradora do código repressor, percebe-se que não há diferenciação ontológica entre aquelas e os delitos. Trata-se apenas de uma maior ou menor valoração a condutas ofensivas a bens jurídicos mais ou menos importantes.

As contravenções ficaram encarregadas de tipificar condutas ofensivas a bens de menor repercussão e importância. Infrações tão miúdas que mereceram tratamento diferenciado pelo legislador. Trata-se simplesmente de uma atuação valorativa por parte deste, dando tratamento diferenciado àquelas.

Apesar deste cuidado e tratamento díspar, em obediência ao princípio da fragmentariedade, da intervenção mínima e da subsidiariedade, o legislador perdeu a grande oportunidade de consubstanciar tais princípios e deixar o crime anão à margem do direito fragmentário, para que o mesmo sofresse a incidência de outros ramos do direito, como o administrativo e o civil. Os quais tratariam de dar efetividade ao sistema normativo, consagrando o bem comum, e dando uma maior credibilidade a justiça frente a cidadãos que esperam apenas a aplicação da lei.

 

6.3.      CONCLUSÃO:

 

O sistema dá fortes indícios de que crime e contravenção são espécies de infrações penais totalmente distintas. Conceitos previstos na Lei de Introdução ao Código Penal são capazes de levar o leitor menos avisado a erros interpretativos.

Apesar do tratamento dispendido pelo sistema legal, com conceitos e tratamentos distintos, seja a determinação da competência, a espécie de pena privativa de liberdade aplicada, crime e contravenção são institutos ontologicamente iguais. São figuras normativas, onde preveem condutas capazes de lesionar ou ameaçar bens supostamente merecedores da proteção penal.

O que há na verdade é uma maior ou menor valoração por parte do legislador no momento de enquadrar determinada conduta capaz de ofender bens jurídicos como uma contravenção ou crime. Trata-se apenas de uma diferença axiológica.

Delito e crime lilipudiano são espécies de infrações penais que recebem tratamento diferenciado diante da maior ou menor potencialidade lesiva, mas que se igualam quando analisado em seu aspecto ontológico.

 

  1. 7.                  REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BRASIL. Decreto-lei nº 3.914 de dezembro de 1941. Acessado em <http://www.planalto.gov.br/ccivil/Decreto-Lei/Del3914.htm>, no dia 21/06/11.

BRASIL. Decreto-lei nº 3.688 de outubro de 1941. Acessado em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3688.htm>, no dia 20/08/2011.

PINTO, A.L.D.T., WINDT, M. C. V. D.S., CÉSPEDES, L. Vade Mecum. 11ª ed. Atual e ampl. São Paulo: Saraiva. 2011.

GRECO, R. Curso de Direito Penal. 10ª Edição. Rio de Janeiro: Impetus, 2008.

< http://www.direitopenalvirtual.com.br/artigos/leiamais/default.asp?id=6>. Acessado em 15 de dezembro de 2011.

  



[1]                      GRECO, Rogério. Curso de direito penal, p. 50.

[2]                              < http://www.direitopenalvirtual.com.br/artigos/leiamais/default.asp?id=6>

[3]                      O código penal assumiu a responsabilidade de definir quais crimes serão punidos com detenção ou reclusão. Há apenas uma única distinção entre essas espécies de pena privativa de liberdade, o regime que pode ser determinado na sentença condenatória. Na reclusão admite-se os regimes fechado, semi-aberto e aberto, ao passo que na detenção apenas os regimes semi-aberto e aberto, conforme artigo 33 do CP brasileiro.

[4]                      Prisão simples é a pena cumprida sem rigor penitenciário em estabelecimento especial ou seção especial de prisão comum, em regime aberto ou semi-aberto, jamis em regime fechado, nem mesmo por regressão. O contraventor deverá cumprir pena em sela separada dos condenados á reclusão e detenção. Trata-se de pena aplicada em face de contravenção penal (Lei das Contravenções Penais - Decreto Lei nº3.688/1941), que por sua vez é infração penal de menor potencial ofensivo.

[5]                      Art. 17. A ação penal é pública, devendo a autoridade proceder de ofício. (PINTO, A.L.D.T., WINDT, M. C. V. D.S., CÉSPEDES, L., 2011, p. 644)

[6]                      Art. 4º Não é punível a tentativa de contravenção. (PINTO, A.L.D.T., WINDT, M. C. V. D.S., CÉSPEDES, L., 2011, P. 643)

[7]                      Art. 2º A lei brasileira só é aplicável à contravenção praticada no território nacional. (PINTO, A.L.D.T., WINDT, M. C. V. D.S., CÉSPEDES, L., 2011, P. 643)

[8]                      Súmula 38 do STJ - Compete à Justiça Estadual Comum, na vigência da Constituição de 1988, o processo por contravenção penal, ainda que praticada em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades.

[9]                      Art. 75 - O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos. (PINTO, A.L.D.T., WINDT, M. C. V. D.S., CÉSPEDES, L., 2011, p. 586)

[10]                     Art. 10. A duração da pena de prisão simples não pode, em caso algum, ser superior a cinco anos, nem a importância das multas ultrapassar cinquenta contos.