Influências do Processo de Bolonha na Universidade brasileira

Rogério Duarte Fernandes dos Passos

Versão final do trabalho apresentado no VIII Seminário de Teses e Dissertações em Andamento (2012), da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Linha de pesquisa: Políticas, Administração e Sistemas Educacionais

Resumo: Objetiva-se com o presente texto, após uma rápida descrição dos documentos que estruturaram esse verdadeiro movimento de reforma universitária em curso no Continente Europeu, analisar brevemente possíveis influências do chamado “Processo de Bolonha” na Universidade brasileira, notadamente na proposta chamada “Universidade Nova”, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e, igualmente, no projeto pedagógico da Universidade Federal do ABC (UFABC) – alicerçados no Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) –, identificando, em guisa de conclusão, se há ou não uma tendência na trajetória histórica da instituição universitária, contemplando no presente momento valores relacionados à preparação dos estudantes para o atendimento a exigências do mercado, especificamente do mercado de trabalho, que a distanciam ou não dos préstimos que estruturaram o ideal de Universidade humboldtiana. Da mesma forma, o texto reflete a intenção de investigar se o Processo de Bolonha contribui ou não para a realização da cidadania europeia enquanto valor enunciado nos diferentes tratados que estruturaram a atual União Europeia – notadamente o Tratado de Lisboa, de 2007, o Tratado de Roma, de 1957, que instituiu a Comunidade Europeia (renomeado pelo último como Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), Tratado de Maastricht, de 1992, Tratado de Amsterdã, de 1997, e Tratado de Nice, de 2001 –, no que, em nosso trabalho, iniciaremos a exposição apresentando o tema a partir de uma introdução capaz de reconstruir a trajetória de todo o escopo abordado, bem como a base teórica ilustrada pela pesquisa bibliográfica apta a demonstrar nossos objetivos e metodologia empregada, partindo, em seguida, para um cotejo acerca dos possíveis resultados a serem obtidos nessa e noutras possíveis pesquisas e as considerações finais sublinhadas pelas referências.

1. Introdução.

1.1. O Processo de Bolonha.

O chamado “Processo de Bolonha” representa verdadeiro movimento de reforma da educação superior no âmbito da União Europeia (UE), e, atualmente, está configurado pelos valores da certificação e comparabilidade de diplomas – incluindo-se o suplemento dele, com a descrição da formação realizada e cumprida, bem como os objetivos e resultados alcançados –, além da garantia da qualidade, transparência, mobilidade de estudantes, professores e pessoal administrativo, aprendizado de línguas, inovação, empreendedorismo e empregabilidade.

Um significativo marco para a sua realização se deu com a edição da Magna Charta Universitatum, documento subscrito por 388 reitores de diferentes Universidades em 18 de Setembro de 1988 ao longo da celebração do 900º aniversário da Universidade de Bolonha, cujo item nº 2 do preâmbulo, que destacamos para o presente trabalho, enuncia que

que a tarefa de difusão dos conhecimentos que a Universidade deve assumir para com as novas gerações implica hoje que ela se dirija igualmente ao conjunto da sociedade – cujo futuro cultural, social e econômico exige, nomeadamente, um considerável esforço de formação permanente.

Seguiram-se outros documentos de relevância, como o advindo da reunião de ministros responsáveis pela educação superior, pesquisa, ciência e tecnologia de Alemanha, França, Grã-Bretanha e Itália, de 25 de Maio de 1998, intitulado Declaração Conjunta sobre a Harmonização da Arquitetura do Sistema de Educação Superior Europeu, quando da passagem dos 800 anos da Universidade Sorbonne – no que ficou conhecida simplesmente como “Declaração de Sorbonne” –, pugnando o reconhecimento mútuo de créditos e o estabelecimento de dois ciclos de estudos, representados em graduação e pós-graduação.

Nesse ínterim, vem à tona a Declaração de Bolonha, de 19 de junho de 1999, enunciando a “Europa do Conhecimento” como condição necessária ao crescimento social e humano e à consolidação e enriquecimento da cidadania europeia, e, igualmente, materializando o European Credit Transfer and Accumulation System (ECTS) – sistema transferível de créditos já existente nos moldes do Esquema de Ação Regional Europeia para a Mobilidade de Estudantes Universitários (Programa ERASMUS), criado em 1987 –, rumo à efetiva criação do Espaço Europeu de Ensino Superior (EEES) até o ano de 2010, isto é, um espaço apto à realização dos valores enunciados no primeiro parágrafo de nosso trabalho, onde a mobilidade de estudantes, professores e pessoal administrativo no interior das diferentes instituições de ensino e países, efetive uma dimensão europeia à educação superior, à pesquisa, à inovação e à empregabilidade, com correspectivo aumento da atratividade e competitividade da Europa nesse setor.

A Declaração de Bolonha ainda estabelece que a cada 2 anos sejam estabelecidos encontros para avaliação e revisão de todo o processo. Cumprindo este desiderato, sucedem-se reuniões em Praga, no ano de 2001, em Berlim, em 2003, Bergen, 2005, Londres, 2007, Lovaina, 2009, Budapeste e Viena, 2010, e a mais recente, em Bucareste, no mês de Abril de 2012, simbolicamente representando a intenção do Processo de Bolonha de estreitar relações com o Leste Europeu, onde, em cada uma delas, são produzidos comunicados conjuntos, registrando-se, ao longo desse desenvolvimento a adesão de países de diferentes matrizes culturais.

Como nos anotam Passos & Pereira (2011, p. 5), a Declaração de Bolonha – diferentemente do que é afirmado por muitos autores – não se trata de um tratado como costumeiramente se vê no bojo do Direito Internacional Público, pois, não trazendo consigo a forma e força do pacta sunt servanda, traz conteúdo propositivo de relevante compromisso político – ainda que representando, em realidade, soft law –, e, já no momento em que vem à tona, têm a concordância em seu conteúdo de Alemanha, Áustria, Bélgica (comunidades flamenga e francófona), Bulgária, Dinamarca, Eslovênia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Islândia, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Noruega, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Eslovaca, República Tcheca, Romênia, Suécia e Suíça. A partir da reunião de Praga, aderem Chipre, Croácia, Liechtenstein e Turquia, seguindo-se no encontro de Berlim a anuência de Albânia, Andorra, Bósnia-Herzegovina, ex-república iugoslava da Macedônia (Former Yugoslav Republic of Macedonia, FYROM), Rússia, Sérvia e Montenegro (unidas entre 2003 e 2006) e Santa Sé. Já na reunião de Bergen unem-se ao propósito Armênia, Azerbaijão, Geórgia, Moldávia e Ucrânia –, e, finalmente, na de Budapeste e Viena, o Cazaquistão, perfazendo um total de 47 participantes.

O próximo encontro está agendado para acontecer em Yerevan, na Armênia, no ano de 2015.

Ao final de toda essa arquitetura, o EEES – ainda não totalmente concretizado por conta dos diferentes andamentos entre os Estados e sujeitos de direito internacional envolvidos, entre eles a Comissão Europeia, verdadeiro executivo da União Europeia (UE) –, apresenta um primeiro ciclo de formação com a duração mínima de 3 anos apto à condução para o mercado de trabalho – chamado de bacharelado ou licenciatura –, um segundo ciclo – equivalente ao mestrado –, e um terceiro ciclo – que guinda ao doutorado e que intenciona, sobretudo, a investigação em dimensões europeias –, em um itinerário de 3 anos + 2 anos + 3 anos (estrutura 3 + 2 + 3), onde a mobilidade, então, poderá permitir um percurso formativo que acumule créditos em ambientes não formais e não escolares (que inclusive permitam o acúmulo da carga de trabalho do estudante), em diferentes países, sociedades e Universidades participantes, com o aprendizado de línguas europeias, desenvolvimento de novos currículos, modernização das instituições de ensino superior, equivalência de graus, homologação de títulos, uso de critérios e metodologias comparáveis – embora com reconhecimento que a diversidade europeia é a maior riqueza do sistema –, e avaliação da qualidade, no que se adiciona o intento de desenvolvimento de programas integrados de estudo, formação e pesquisa.   

Tendo atenção para temas como o envelhecimento da população europeia, inclusão de populações em situação de vulnerabilidade e a crise econômica e financeira que vive o Continente Europeu, enfatiza-se a necessidade de reavivá-lo como espaço atrativo à educação, cultura e produção de conhecimento, promovendo coesão social no bojo de uma sociedade tolerante e democrática.

Embora pelos documentos do Processo de Bolonha sejam enunciados valores de relevante conteúdo humanístico, são percebidas várias tensões no seu interior, no que destacamos a existência de uma vertente mais próxima dos valores de mercado – mencionando préstimos relacionados à garantia da qualidade, à diversidade de financiamento para as Universidades, inovação, empreendedorismo e aptidão para o mercado de trabalho –, e outra, mais social, pugnando pela edificação ou reforço de uma cidadania europeia, e, também, em perspectiva aliada ao incremento do ensino e pesquisa – em um viés inclusive mais próximo ao ideal de Universidade humboldtiana – e à assunção do ensino superior como uma responsabilidade pública. As tensões alcançam o tecido social, de maneira que estudantes europeus, em Dezembro de 2008, na Grécia, e, mais recentemente, em Novembro de 2012, na Espanha – países que igualmente são centros irradiadores da crise econômica e financeira europeia –, protestaram contra o Processo de Bolonha, aduzindo uma pauta deveras abrangente, incluindo manifestações contra a UE e privatização das Universidades, igualmente clamando por maior coesão dos alunos universitários acerca de um posicionamento face ao EEES.

E, em título de fecho neste item, como afirmamos em outro trabalho (Passos, 2012), acresça-se que

A diversidade europeia é a sua grande riqueza no campo da educação superior, muito embora estejam subjacentes a essa integração e reforma do ensino superior europeu as questões acerca de modelos de desenvolvimento – influenciados por propostas neoliberais e de redução do Estado –, bem como questões atinentes às soberanias nacionais, à economia, à política e as relacionadas às próprias universidades e à sua autonomia, fortemente marcadas pelas novas tecnologias e um paradigma – no caso europeu – de um modelo emergente baseado na certificação e na centralidade da aprendizagem tendo como foco o aluno, que, em última análise, coloca em discussão o papel das próprias universidades no contexto do atual concerto continental.

2. A cidadania europeia.       

Tendo o atual edifício da UE sido arquitetado com o auxílio de instrumentos do Direito Internacional Público e do Direito Comunitário, como se vê a partir do Tratado de Paris de 1951 – que inaugurou a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço –, a evolução institucional do bloco culminou no estágio de união econômica e monetária a partir de 1999 com a progressiva adoção do Euro enquanto moeda. No que tange à cidadania europeia – um de nossos focos de interesse –, o Tratado de Maastricht, de 1992, já em seu preâmbulo, enuncia que os chefes de Estado signatários resolvem instituir uma cidadania comum aos nacionais dos seus países, sendo que no artigo B do Título I, se tem o reforço da defesa dos direitos e dos interesses dos nacionais dos seus Estados-membros, mediante a instituição de uma cidadania da União, com a ressalva do nº 3 do artigo 6º, em que a própria UE deva respeitar as identidades nacionais desses seus Estados-Membros.

No nº 1 do artigo 8º do mesmo Tratado de Maastricht, ainda tem-se que qualquer pessoa que tenha uma das nacionalidades de um dos países membros terá a cidadania da União.

No âmbito dos direitos políticos, os números 1 e 2 do artigo 8º-B nos expõe o seguinte:

1. Qualquer cidadão da União residente num Estado-membro que não seja o da sua nacionalidade goza do direito de eleger e de ser eleito nas eleições municipais do Estado-membro de residência, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado. Esse direito será exercido sem prejuízo das modalidades a adotar, até 31 de Dezembro de 1994, pelo Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, e após consulta do Parlamento Europeu; essas regras podem prever disposições derrogatórias, sempre que problemas específicos de um Estado-membro o justifiquem.

2. Sem prejuízo do disposto no nº 3 do artigo 138º e das disposições adotadas em sua aplicação, qualquer cidadão da União residente num Estado-membro que não seja o da sua nacionalidade, goza do direito de eleger e de ser eleito nas eleições para o Parlamento Europeu no Estado-membro de residência, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado. Esse direito será exercido sem prejuízo das modalidades a adotar, até 31 de Dezembro de 1993, pelo Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, e após consulta do Parlamento Europeu; essas regras podem prever disposições derrogatórias, sempre que problemas específicos de um Estado-membro o justifiquem.

Já no Tratado de Amsterdã de 1997, reitera que a cidadania da União é complementar da cidadania nacional e não a substitui, e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de 2001, no artigo 39º, reafirma que os cidadãos da União podem eleger e serem eleitos para o Parlamento Europeu no Estado-Membro de residência em igualdade de condições às nele existentes, de maneira que o artigo 40º, da mesma forma, permite a candidatura para os pleitos municipais. O Tratado de Nice, de 2001, por sua vez, no nº 3 de seu artigo 2º, alterando o Tratado de Roma, de 1957 (Tratado da Comunidade Europeia, TCE) – e que o Tratado de Lisboa, de 2007, emendando o de Maastricht e o TCE, renomeou este último para Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) –, modificou neste a redação do artigo 18º, cujo nº 1, dispõe, reiterando a ideia de um mercado comum, que qualquer cidadão da União goza do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros, sem prejuízo das limitações e condições previstas no presente Tratado e nas disposições adotadas em sua aplicação

No ano de 2004, tem-se a frustrada tentativa do Tratado que Estabelece uma Constituição para a Europa, que, necessitando da aprovação de pelo menos vinte e cinco Estados para vigorar, embora aprovado pelos eleitores de Alemanha, Áustria, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Grécia, Hungria, Itália e Lituânia, tem o processo de consulta popular suspenso no Reino Unido após levantamentos de opinião sugerirem a rejeição na Dinamarca, Luxemburgo, Polônia e Portugal, no que, então, finalmente, não é colocado sob a apreciação eleitoral na Dinamarca, Irlanda, Polônia, Portugal, República Tcheca e Suécia. Nesse texto, resgate-se, sem maiores novidades, que o tema da cidadania europeia vinha enunciado nos artigos II-99º e II-100º, in verbis:

Artigo II-99.o

Direito de eleger e de ser eleito nas eleições para o Parlamento Europeu

1. Todos os cidadãos da União gozam do direito de eleger e de serem eleitos para o Parlamento Europeu no Estado-Membro de residência, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado.

2. Os membros do Parlamento Europeu são eleitos por sufrágio universal direto, livre e secreto.

Artigo II-100.o

Direito de eleger e de ser eleito nas eleições municipais

Todos os cidadãos da União gozam do direito de eleger e de serem eleitos nas eleições municipais do Estado-Membro de residência, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado.

O Tratado de Lisboa (chamado de Tratado Reformador), celebrado em 2007 – e com vigência a partir de 1º de Dezembro de 2009 –, reafirma na parte final do artigo 9º o caráter complementar dessa cidadania, vedando, na primeira parte do artigo 18º qualquer discriminação por conta da nacionalidade de algum dos países membros.

No entanto, é preciso aduzir as considerações de Thomas Richter & Rainer Schmidt (2011, p. 15), nas quais temos o alvorecer de um conceito de cidadania não exclusivamente apoiado nos Estados nacionais como unidade de análise, e, igualmente, sem a configuração plena de seu formato jurídico e institucional, visto que

Através da múltipla e grande mobilidade adquirida pelos cidadãos, produtos, finanças e comunicações, fronteiras nacionais decompuseram-se como únicos limites compulsórios. Em seu lugar, entram outras, múltiplas e por vezes sobrepostas às áreas políticas, que não permitem clara delimitação das fronteiras. A mobilidade do homem moderno corresponde tão pouco às velhas ideias e realidades da cidadania quanto às da nacionalidade. A isso, a União Europeia e outras instituições supranacionais reagiram com a confecção de um código global de direitos do homem e do cidadão. Especialmente os direitos sociais e os direitos negativos de defesa – como aspectos importantes da cidadania moderna – deixaram-se efetivar plenamente no plano europeu. No entanto, permanece completamente confusa em que medida os direitos políticos de participação podem levar a uma democratização da União Europeia. Assim, surgem no plano internacional inúmeros aspectos da normatização e positivação, porém, como os cidadãos podem entrar em ação nessas novas coletividades não está nem um pouco claro.

3. Processo de Bolonha, Programa de Apoio aos Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), projeto da Universidade Nova da Universidade Federal da Bahia e o projeto pedagógico da Universidade Federal do ABC

3.1. No Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI)

Lembremos no Brasil o recente Decreto nº 6096, de 24 de Abril de 2007, que institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), cujos incisos II e III, respectivamente, do artigo 2º, dispõem, acerca de:

II - ampliação da mobilidade estudantil, com a implantação de regimes curriculares e sistemas de títulos que possibilitem a construção de itinerários formativos, mediante o aproveitamento de créditos e a circulação de estudantes entre instituições, cursos e programas de educação superior;

III - revisão da estrutura acadêmica, com reorganização dos cursos de graduação e atualização de metodologias de ensino-aprendizagem, buscando a constante elevação da qualidade;

No que, observe-se nesse esteio, que os temas da mobilidade estudantil aptos a contribuir com o itinerário formativo do estudante – e aliados a novas metodologias de ensino-aprendizagem com vistas à elevação da qualidade –, estão diretamente ligados com os objetivos do Processo de Bolonha, sugerindo o início de tentativa de um diálogo ou reconhecimento de influência entre a trajetória da Universidade brasileira – especialmente a pública – com os acontecimentos da cena universitária do velho continente.

3.2. O programa Universidade Nova, da Universidade Federal da Bahia e o projeto pedagógico da Universidade Federal do ABC

Viabilizado em conjunto à edição do Decreto nº 6096/2007, o programa Universidade Nova, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), dentre outros temas, tem em seu conteúdo a criação de um bacharelado interdisciplinar, com duração de 3 anos e em 4 áreas do conhecimento (Humanidades, Artes, Tecnologias e Ciências, Saúde), e, a partir do projeto pedagógico da UFBA, em um texto de referência sobre o tema, Ricardo Rossato (2011, p. 199-200) menciona a tentativa de construção de um modelo que declara-se compatível com o norte-americano e com o unificado europeu (afeto ao Processo de Bolonha), sem que haja a submissão a qualquer um deles, havendo, igualmente, 3 ciclos de estudos, cujo primeiro (o já referido bacharelado interdisciplinar) contempla a formação geral e se conforma como pré-requisito para acesso ao segundo – apto para a formação profissional através de licenciaturas ou carreiras específicas –, e o terceiro – em nível de pós-graduação, com formação científica, artística e profissional –.

Os 3 ciclos de formação, evidentemente, são parte da construção do edifício europeu na educação superior e aqui, encontram-se na proposta do projeto Universidade Nova enquanto pauta de reforma e reestruturação.

Da mesma forma, em análise do Projeto Pedagógico da Universidade Federal do ABC, Rossato (2011, p. 195-197) destaca como palavras-chaves a flexibilização da Universidade ante ao novo mundo do trabalho, e flexibilização da matriz curricular e individualização parcial do currículo para a construção da formação profissional, que são temas que aproximam a jovem Universidade – instituída a partir da Lei nº 11.145, de 26 de Julho de 2005 – ao ideário lançado pela Declaração de Bolonha de 19 de Junho de 1999.

Segundo Flávia Bemfica (2009), estando presente na Conferência de Lovaina, de 2009 – evento bianual do Processo de Bolonha –, a Profa. Dra. Paula Dallari Bucci, então secretária de educação superior do Ministério da Educação do Brasil (MEC), opinou que não existem consequências diretas do que ocorre na Europa para o contexto brasileiro, em exemplo da “fuga de cérebros” (brain drain), uma vez que já ocorre um programa de reestruturação no país, no que, se faz necessário desenvolver mais a mobilidade interna e rever a questão atinente aos créditos.

Esses, então, são alguns pontos para discussão e atenta leitura, aptos a lançar os pesquisadores em análises que se aprofundem em compreender a conjuntura mundial na educação superior e que, paralelamente, estabeleçam interfaces e possíveis repercussões e influências do Processo de Bolonha na Universidade brasileira, norteando a possível coleta de dados e obtenção de resultados.

4. Considerações finais.

Algumas das palavras e expressões chaves dos documentos que estruturam o Processo de Bolonha já se fazem presentes na agenda educacional universitária brasileira, no que destacamos que temas relacionados com a modernização das estruturas, com o ensino à distância, aproveitamento de créditos, preocupação da elevação das taxas de conclusão, estabelecimento de itinerários formativos diversificados através da flexibilidade da matriz curricular e de ciclos de estudos, aliados à mobilidade estudantil alicerçada pela individualização do trabalho do estudante e aprendizagem ao longo da vida – em ambientes não necessariamente formais e escolares de educação –, além de uma nova concepção pedagógica centrada na aprendizagem do aluno e acadêmico-administrativa capaz de ir além do modelo de Universidade humboldtiana – própria a aliar ensino e investigação –, se constituem em referências significativas para se pensar o papel da instituição universitária neste início de Século XXI, cada vez mais chamada a responder aos desafios de um panorama de conjuntura mundial.

Por certo, esses desafios de uma conjuntura enunciada mundialmente exigem respostas relacionadas com a formação geral, com o estabelecimento de uma cidadania de amplas dimensões e com a preparação de mão de obra qualificada para o mercado de trabalho.

A partir daí então poderão se localizar diferentes pesquisas que terão a oportunidade de analisar a Universidade brasileira tentando inserir-se em um panorama mundial, tendo como estratégia – ou não – a sua inserção nesse contexto através de algumas das características enunciadas pelo Processo de Bolonha.

No que tange especificamente ao Processo de Bolonha, a sua arquitetura institucional trabalha implicitamente para a constituição de uma ideia de cidadania europeia, cuja novidade reside no fato da mesma não restar alicerçada na ideia de Estado nacional, mas apoiada no trabalho de outras unidades políticas, como a UE, e, mesmo, no trabalho das Universidades do velho continente. Igualmente, pode-se aduzir que um novo olhar se edifica sobre a Universidade e sua trajetória, seja na tentativa de reforma que culmine na construção de um novo modelo, capaz de manter os ideais da Universidade humboldtiana, mas, também, compatível com exigências sociais e do mercado, revelando, inclusive, meios e alternativas de superação da grave crise que se abateu sobre a Zona do Euro. 

Lembre-se que para as tarefas incutidas nessas possíveis pesquisas, o ferramental teórico poderá ser desenvolvido a partir de uma análise de todos os documentos aqui citados onde se pratica um princípio de contextualização, contemplando os entornos, ambientes donde surgiram e nos quais fazem sentido, configurando o modelo de abordagem crítico-dialética em educação, como enunciado por Sílvio Ancízar Sanchez Gamboa (2008, p. 114), construindo-se uma metodologia apoiada na revisão bibiográfica da literatura sobre a Universidade brasileira e, também, sobre o Processo de Bolonha, apta a revelar sentidos e perspectivas ante ao futuro que ora se constrói.

É certo que um paralelo entre a Universidade Brasileira e o Processo de Bolonha – e a possível influência deste sobre aquela – é item dessa discussão pela busca de respostas.

Por derradeiro, destacamos o texto de apresentação do VIII Seminário de Teses e Dissertações em Andamento da Associação de Pós-Graduandos da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas – que teve lugar entre 12 e 14 de Novembro de 2012 –, levantando problemas que não devem ficar sem reflexão e tentativa de resposta dos pesquisadores em seus trabalhos, sobretudo, os relacionados à padronização e adequação dos programas aos marcos estabelecidos por órgãos e agências de fomento, à produtividade dos professores, formação deles em menor tempo e produção de pesquisas que respondam demandas sem adequada formação em disciplinas básicas e conhecimentos teóricos basilares para a realização de trabalhos substanciosos.

5. Referências.

ASSOCIAÇÃO de Pós-Graduandos da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (2012). A Formação na Pós-Graduação em Educação: contestação necessária. Apresentação. Convidamos os pós-graduandos para o debate! In: VII Seminário de teses e dissertações em andamento. Campinas, 18 de Setembro. Disponível na rede mundial de computadores (Internet) no endereço eletrônico <http://viiiseminarioteses.blogspot.com.br/>. Acesso 18 Dez. 2012.

BEMFICA, Flávia. (2009). A nova ordem universitária. In: Jornal Extra Classe, Porto Alegre, nº 134, Junho, SINPRO – Rio Grande do Sul. Disponível na rede mundial de computadores (Internet) no endereço eletrônico <http://www.sinpro-rs.org.br/extraclasse/jun09/educacao_imp.htm>. Acesso 17 Dez. 2012.

PASSOS, Rogério Duarte Fernandes dos & PEREIRA, Elisabete Monteiro de Aguiar (2011). Notas sobre o Espaço Europeu de Ensino Superior através do Processo de Bolonha e breves considerações acerca de suas questões políticas. In: 10º Encontro de Pesquisa em Educação da Região Sudeste (Anpedinha), 2011, Rio de Janeiro. Anais (on-line). Disponível na rede mundial de computadores (Internet) no endereço eletrônico <http://www.fe.ufrj.br/anpedinha2011/trabalhos/UNICAMP__256.921.458-20_trabalho.pdf>. Acesso 07 Nov. 2012.

PASSOS, Rogério Duarte Fernandes dos (2012). Processo de Bolonha e Cidadania. In: WebArtigos, Blumenau. Disponível na rede mundial de computadores (Internet) no endereço eletrônico <http://www.webartigos.com/artigos/processo-de-bolonha-e-cidadania/92415/>. Acesso 12 Nov. 2012.

ROSSATO, Ricardo (2011). A Universidade Brasileira face ao Processo de Bolonha. In: PEREIRA, Elisabete Monteiro de Aguiar & ALMEIDA, Maria de Lourdes Pinto de (orgs.). Reforma Universitária e a Construção do Espaço Europeu de Educação Superior: análise de uma década do processo de Bolonha. Campinas: Mercado de Letras, p. 181-205, 227 p.

RICHTER, Thomas & SCHMIDT, Rainer (2011). Introdução. In: RICHTER, Thomas & SCHMIDT, Rainer (orgs.). Integração e Cidadania Europeia. São Paulo: Saraiva, p. 13-22, 616 p.

SÁNCHEZ-GAMBOA, Sílvio Ancízar (2008). Pesquisa em Educação: métodos e epistemologias. Chapecó: Argos, 1ª reimp., 193 p.