CENTRO UNIVERSITARIO DE BELO HORIZONTE UNI-BH

DCBAS

CURSO DE GEOGRAFIA E ANALISE AMBIENTAL

ALAN TEODOSIO DA SILVA SANTOS[1]

VALERIA DE OLIVEIRA ROQUE ASCENÇÃO[2]

INFLUÊNCIA DA PEDAGOGIA TECNICISTA NO ENSINO DE GEOGRAFIA

RESUMO

Este trabalho buscou identificar a presença de elementos associados à pedagogia tecnicista, no ensino de Geografia na década de 1970 e 1980. O estudo terá por base pesquisas bibliográficas sobre o ensino de Geografia e sobre a pedagogia tecnicista, assim como, a sistematização e análise dos dados levantados em livros didáticos de Geografia referentes ao período citado.

Palavras Chaves: Ensino de geografia; Pedagogia Tecnicista

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos muito se tem debatido na comunidade cientifica sobre o ensino da Geografia escolar, sendo que vários autores como, por exemplo, Cavalcante (1998); Gebran (2002) e Marques (2008) vêm realizando pesquisas sobre novas concepções para o ensino dessa disciplina, a fim de se desenvolver novas abordagens didáticas para o ensino da Geografia. Essas mobilizações visam o distanciamento de práticas pedagógicas centradas na memorização, elemento ainda comum ao trabalho nessa disciplina escolar (CAVALCANTE, 1998).

Embora se identifique trabalhos diversos que discutem novas abordagens pedagógicas para a Geografia Escolar, considera-se que por vezes não fique claro ao professor de Geografia o que caracteriza um trabalho assentado na memorização de informações sobre o espaço. Essa falta de clareza pode favorecer a manutenção de antigas tradições pedagógicas, as quais podem levar os alunos ao total desinteresse pelas aulas de Geografia.

Para identificar a presença da pedagogia tecnicista no ensino de Geografia, assumiu-se como necessário descrever o processo de implementação e consolidação do ensino de Geografia Escolar no Brasil; apresentar as principais características da pedagogia tecnicista no Brasil; identificar, em livros didáticos da década de 1970, características dessa abordagem pedagógica no ensino de Geografia.

A metodologia se baseia em pesquisas bibliográficas sobre o ensino de Geografia e sobre a pedagogia tecnicista, analise e sistematização dos dados referentes à livros didáticos de Geografia, referente ao ano de 1970 a 1980, pois nessa época se pode observar uma maior influência das propostas tecnicistas nas escolas e possíveis influencias desta pedagogia na abordagem dessa disciplina. Vale ressaltar a dificuldade para aquisição de fontes de pesquisas, visto que não existe em Belo Horizonte (local de realização do trabalho) um espaço onde estejam arquivados livros didáticos de Geografia, referentes ao período contemplado neste trabalho.

O ENSINO DE GEOGRAFIA NO BRASIL

Para se compreender como se deu a influência da pedagogia tecnicista no ensino de Geografia no Brasil é preciso voltar-se para a forma que se deu a introdução do ensino da Geografia escolar aqui no Brasil.

Segundo Gebran (2002), o marco principal para o inicio do ensino da Geografia escolar foi a fundação do colégio Pedro II, na cidade do Rio de Janeiro com a inclusão da Geografia como disciplina escolar em 1837, tendo como o professor Delgado de Carvalho quem garantiu a Geografia um espaço no campo do saber escolar e principalmente com a criação das leis orgânicas do ensino primário e secundário presentes na Reforma Francisco Campos (1931) e na Reforma Capanema (1942).

A Reforma Francisco Campos foi a primeira reforma educacional de caráter nacional, realizada no início da Era Vargas (1930-1945), sob o comando do ministro da educação e saúde Francisco Campos. As orientações nela contidas foram marcadas pela articulação com os ideários do governo autoritário de Getúlio Vargas e seu projeto político ideológico, implantado sob a ditadura conhecida como "Estado Novo".

Dentre algumas medidas da Reforma Francisco Campos, estava a criação do Conselho Nacional de Educação e organização do ensino secundário e comercial. Este último foi destinado à "formação do homem para todos os grandes setores da atividade nacional", construindo no seu espírito todo um "sistema de hábitos, atitudes e comportamentos." Dessa forma, Francisco Campos havia dividido o curso secundário em dois ciclos de cinco e dois anos, respectivamente, o primeiro fundamental, e o segundo complementar, orientado para as diferentes opções de carreira universitária. A lei de 1931 previa, ainda, a criação de um sistema nacional de inspeção do ensino secundário, a ser feito por uma rede de inspetores regionais. As universidades também sofreram uma nova orientação, voltada para a pesquisa, difusão da cultura e maior autonomia administrativa e pedagógica. (DALLABRIDA 2009; MENEZES 2002).

Observando o PCN de Geografia do ensino fundamental (BRASIL, 1998) a Geografia marcou seu ensino pela criação do curso superior paralelamente à fundação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP - Universidade de São Paulo - e do departamento de Geografia de 1934.

Segundo Cavalcante (1998), o principal objetivo de instituir tal ciência era contribuir na formação de cidadãos patriotas nos alunos através da difusão de ideologias nacionalistas. A autora cita Vlach para demonstrar como se deu esse processo através da citação abaixo:

Foi, indiscutivamente, sua presença significativa nas escolas primárias e secundárias da Europa no século XIX que a institucionalizou como ciência, dado o caráter nacionalista de sua proposta pedagógica em franca sintonia com os interesses políticos e econômicos dos vários Estados – nações. Em seu interior, havia interesses premência de se situar cada cidadão como patriota, e o ensino de geografia contribuiu decisivamente neste sentido, privilegiando a descrição do seu quadro natural. (VLACH apud CAVALCANTE, 1998 p.18).

Essa Geografia escolar foi marcada muito pela Geografia francesa, muitos professores oriundos da França, como por exemplo, Pierre Monbeig e Defroint, com forte influencia de Vidal de La Blache ( 1845 – 1918), com isso é imprrensidivel dizer que a Geografia aqui no Brasil teve forte influencia desses pensadores.

Dentro das idéias de Lacoste (1997), considera-se que a geografia francesa se baseava nas descrições regionais muitas vezes retomadas por tantas teses, cursos e manuais, conhecido como gênero de vida, como o próprio autor afirmar:

... Vidal de La Blache introduziu a idéia das descrições regionais aprofundadas, que são consideradas a forma, a mais fina, do pensamento geográfico. Ela mostra como as paisagens de uma "região" são resultado da superposição ao longo da história, das influências humanas e os dados naturais. Mas em suas descrições Vidal dá maior destaque para as permanências a tudo aquilo que é heranças duradoras dos fenômenos naturais ou de evoluções históricas antigas. (LACOSTE, 1997, p. 60)

Conforme o PCN (BRASIL, 1998), com fortes tendências desses estudos regionais, os estudos geográficos pautavam pela busca de explicações objetivas e quantitativas da realidade e tinha como meta abordar as relações do homem com a natureza de forma objetiva e elaborar monografias regionais para uma possível busca de regras que expliquem suas diferenças. Com isso considera-se a Geografia apresentava tendências de estudos de La Blache conhecido como gênero de vida como já referido anteriormente e essa tendência se desdobrou a partir da década de 60 do século passado na Geografia tradicional, que se baseava na descrição das paisagens e de sua memorarização:

A tendência Lablachiana da Geografia e as correntes que dela se desdobraram mais tarde, a partir dos anos 60, passaram a ser chamadas de Geografia Tradicional. Apesar de valorizar o papel do homem como sujeito histórico, propunha-se na análise da organização do espaço como lugar e território, estudar as relações entre o homem e a natureza muito mais como processos de adaptações, lembrando a idéia de uma física social. Estudavam-se as populações e os homens como coisas objetivas, nas quais a sociedade e o espaço emergiam das ações humanas desprovidas de quaisquer intencionalidades ou ideologias. (BRASIL, 1998, p. 20)

No ensino, essa geografia se traduziu (e muitas vezes ainda se traduz) pelo estudo descritivo das paisagens naturais e humanizadas, de forma dissociada dos sentimentos dos homens pelo espaço. Os procedimentos didáticos adotados promoviam principalmente a descrição e a memorização dos elementos que compõe as paisagens como dimensão observável do território e do lugar. Os alunos eram orientados a descrever, relacionar os fatos naturais e sociais, fazer analogias entre eles e elaborar suas generalizações ou sínteses. Explicá-las sim, porém evitando qualquer forma de compreensão ou subjetividade que confundissem o observador com o objeto de análise. Pretendia-se ensinar uma Geografia neutra. Essa perspectiva marcou também a produção dos livros didáticos até meados da década de 70 e muitos ainda apresentam em seu corpo idéias, interpretações ou até mesmo expectativas de aprendizagem defendidas pela geografia tradicional. (BRASIL, 1998, p. 21)

Com isso observa-se como foi introduzido o ensino de Geografia no Brasil, marcado pela memorarização dos fatos e não pelas interpretações dos acontecimentos. Assim sendo ficou fardado a Geografia simplesmente decorar nome de rios, capitais, países, etc, tornando assim uma espécie de sofrimento para o aluno, pois para se aprender a Geografia bastava simplesmente ao aluno ter uma boa memorarização das coisas, deixando de lado o estabelecimento de relações e a explicações e desvelamento dos fenômenos geográficos. Lacoste (1997, p21) mostra qual era a visão que muitos tinham ou talvez ainda continuam tendo da geografia:

Uma disciplina maçante, mas antes de tudo simplória, pois, como qualquer um sabe, "em Geografia nada há para entender, mais é preciso ter memória..." De qualquer forma, após alguns anos, os alunos não querem mais ouvir falar dessas aulas que enumeram, para cada região ou para cada país, o relevo – clima – vegetação – população – agricultura – cidades – indústrias.

Gebran (2008), por exemplo, analisa que o conhecimento geográfico se vê reduzido a diferentes ângulos e aspectos, por exemplo: Redução em termos da construção de noções/conceitos geográficos básicos, Redução do conhecimento pela não contextualização do aluno, Redução ao tempo de consideração do conhecimento, em especial nas séries iniciais do ensino fundamental.

A partir da década de 1950 surgiram varias criticas a tal modelo de ensino (ALTOÉ, 2005), esses métodos e teorias da Geografia tradicional tornaram-se insuficientes para aprender a complexidade que acontece no "espaço geográfico". O país passava por grande desenvolvimento e que isso estaria diretamente ligado a formação de profissionais técnicos, para o manuseio das novas maquinas do desenvolvimento. Neste contexto surgiu uma nova proposta educacional que passou a ser denominado processo tecnicista ou pedagogia tecnicista. Segundo Libâneo (2001), viu-se a necessidade de preparar mão de obra qualificada para atenderessa crescente industrialização, com isso a escola passa a ser vista como esse local para tal preparação.

PEDAGOGIA TECNICISTA

Segundo Aranha (1996) a educação tecnicista, cuja base filosófica dessa pedagogia é inspirada especialmente na teoria behaviorista, foi uma corrente comportamentalista organizada por Skinner (1904-1990). Surgida nos EUA, foi desenvolvida no Brasil a partir da década de 1960, uma vez que se propunha que a escola só se tornaria eficaz caso adotasse o modelo empresarial, preparando dessa forma mão-de-obra para ser aproveitada pelo mercado de trabalho, além do mais, tinha por interesse defender e atender aos anseios da sociedade capitalista e tem como característica principal o controle rígido das atividades pedagógicas, conforme citação abaixo:

...Á partir da década de 60 surgem propostas de inspirações tecnicista, baseadas na convicção de que a escola só se tornaria eficaz se adotasse o modelo empresarial. Isso significa aplicar na escola o modelo empresarial. Isso significa aplicar na escola o modelo de recionalizaçõ típico do sistema de produção capitalista. (ARANHA, 1996, p.175).

Essa fala de Aranha pode ser comprovada pelos artigos 1º e 2º da Lei nº 5692, de 11 de agosto de 1971, onde fica bem claro a qualificação para o trabalho no ensino nas escolas. Essas leis criadas por burocratas que viviam distantes da realidade dos professores e da escola. Revelando assim o quanto a escola teria dificuldades de se encaixar nas idéias vigentes desse sistema de ensino vigente, trazendo dessa forma um choque tanto para o professor quanto para o aluno, como se observa na citação abaixo:

A escola é ela mesma um local de trabalho e, como tal, oferece serviços acoletividade; nesse sentido, pertence ao setor terciário e sofre as influências das sociedades em que está inserida. Por exemplo, a escola transmite idéias e valores que justificam as práticas sociais vigentes e, na medida em que não consegue assimilar extensos segmentos de possíveis estudantes, acaba excluindo-os da apropriação da herança cultural. (ARANHA, 1996, P.26)

Para se entender o tecnicismo é preciso voltar ao contexto histórico onde essa pedagogia foi criada. Por volta das décadas de 1920 e 1930, novos sistemas de trabalho estão presentes na nova sociedade industrial. Henry Ford introduz o sistema de linha de montagem na indústria automobilística, com isso se da a agravante introdução do sistema parcelado de produção, tornando a execução do trabalho mais fragmentado e parcelado, sendo que Taylor expressa essa teoria onde cada trabalhador passou a exercer uma atividade específica no sistema industrial, a organização foi hierarquizada e sistematizada, e o tempo de produção passou a ser cronometrado.

Aranha (1996) nos mostra que com o processo de alienação que a sociedade capitalista empunha na época a escola também estava sujeita a esse processo, como se pode perceber:

Como o trabalhador não realiza ele mesmo a reflexão sobre o seu fazer, acolhe sem criticar as formas de pensar vigentes na sociedade, elaboradapor sua vez pelos grupos que detêm o controle das instituições e cujas atividades são predominante diretivas. Essas idéias dizem respeito principalmente aos conhecimentos, valores, normas de ação e são disseminadas pelos meios mais diversos – inclusive a escola – e aceita pela maioria. (ARANHA, 1996, P.23)

Rossignol (1971) destaca que até então os diretores de escolas do ensino acadêmico enfrentavam verdadeiros dramas, pois eles viam que aos alunos dessas escolas era impossível prosseguir os estudos meramente acadêmicos e não tinham também possibilidade de ingressar numa escola profissional, nem estavam preparados suficientemente para se integrarem na força de trabalho.

Com isso podemos analisar que na tentativa de entender as exigências do trabalho da sociedade da época, muitos autores consideram que a abordagem tecnicista buscou planejar a educação de modo a dotá-la de uma organização racional capaz de minimizar as interferências que pudessem pôr em risco sua eficiência. Sendo que a característica predominante dessa pedagogia é o parcelamento do trabalho pedagógico cujas funções eram de responsabilidade no sistema de ensino, de técnicos e especialistas das mais diferentes áreas.

Devido a esses acontecimentos tanto o professor como o estudante passaram a assumir a condição de simples executores do processo cujo o planejamento, coordenação e controle das atividades pedagógicas ficaram a cargo de especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos e imparciais. Nesse pensamento a função da educação foi transmitir conhecimentos, comportamentos éticos, práticas sociais, habilidades consideradas básicas para a manutenção e controle do ambiente cultural e social. (ALTOÉ, 2005).

Saviani (2005), explica que a pedagogia tecnicista advogou a reordenação do processo educativo de maneira a torná-lo objetivo e operacional, concluindo que se na pedagogia tradicional a iniciativa cabia ao professor e se na nova pedagogia a iniciativa deslocou-se para o aluno, na pedagogia tecnicista o elemento principal passou a ser a organização racional dos meios, ocupando o professor e o aluno posição secundária. Para essa tendência o ensino é um processo de condicionamento através do uso de reforço das propostas que se quer obter, sendo o conteúdo as informações objetivas que possam proporcionar ao fim do processo a adequada adaptação do individuo ao trabalho, dirigida de forma mecânica, automática, repetitiva e programada.

Com isso se vê a verdadeira função da escola tecnicista que é a preparação de pessoas qualificadas para o mercado de trabalho. Não se pensava na época de prepara essa mão-de-obra em cidadãos consciente de sua realidade, pois não interessava os burocratas que até então controlavam a escola. Vale lembrar que tal concepção pedagógica se fazia necessária devido ao fato que o sistema educacional até então vigente não tinha condições de preparar recurso humano qualificado para o mercado.

Algo fundamental para instalação do tecnicismo no Brasil foram os acordos MEC – USAID (firmado entre o Ministério da Educação e Cultura e United States Agengy for International Development), conhecido como PABAAE (Programa de Assistência Brasileira Americana ao Ensino Elementar). Esse acordo visava estabelecer convênios de assistência técnica e cooperação financeira à educação brasileira. Entre junho de 1964 e janeiro de 1968, período de maior intensidade nos acordos, foram firmados 12, abrangendo desde a educação primária (atual ensino fundamental) ao ensino superior. O último dos acordos firmados foi no ano de 1976. E mais, nesse contexto, a "ajuda externa" para a educação tinha por objetivo fornecer as diretrizes políticas e técnicas para uma reorientação do sistema educacional brasileiro, à luz das necessidades do desenvolvimento capitalista internacional. Os técnicos norte-americanos que aqui desembarcaram muito mais do que preocupados com a educação brasileira, estavam ocupados em garantir a adequação de tal sistema de ensino aos desígnios da economia internacional, sobretudo aos interesses das grandes corporações norte-americanas. (SANTOS, 1981).

Ainda de acordo com o autor acima o PABAEE procurava fazer da escola uma agênciaformadora dos recursos humanos necessários ao desenvolvimento do país. Para cumprir este papel, a escola deveria imprimir maior racionalidade ao seu trabalho, utilizando para isso os subsídios da economia e das ciências administrativas, além de um enfoque psicológico mais pratico. O PABAEE inicia um processo de superação do ideário escolanovista, que marcava a formação dos educadores no Estado e introduz as primeiras ações visando imprimir orientação tecnicista ao trabalho desenvolvido nas escolas.

Paiva (2008) destaca que a orientação tecnicista não supõe descontinuidade do campo do pensamento e da prática na escola primária dos anos 1950, podendo-se admitir que o PABAEE trouxe propostas metodológicas mais modernas, mais sistematizadas num conjunto de ações que tinha o sistema de ensino como objetivo.

É importante destacar na LDB 5692/71 a inclusão, através do artigo 7º, da Educação Moral e Cívica, no primeiro grau e da disciplina Organização Social e Política Brasileira (OSPB) no segundo grau. Segundo Marques (2008) a criação de tais disciplinas se deve ao fato da Geografia não colaborar para a realização dos objetivos políticos e ideológicos daquele momento, pretendidos e ratificados na LBD de 1971. Além disso, a 5692/71 criou a disciplina de Estudos sociais, visando a substituição das disciplinas de Geografia e História no ensino primário.

A introdução de tais disciplinas no currículo das escolas tinha como principal objetivo a formação política nos educandos, entretanto o que se pode perceber é que a introdução de tais disciplinas nas escolas do Brasil trouxe um prejuízo muito grande, pois a Geografia e a História ficaram vinculadas ao civismo e as datas comemorativas, conforme citação abaixo:

Assim, com a junção dos componentes curriculares houve um esvaziamento dos conteúdos de Geografia e História, dessa forma a identificação de quais são os conteúdos geográficos e qual importância desse componente curricular para essa faixa etária fica prejudicada, tornando-se uma dificuldade real para as professoras dessas séries. Com a permanência dos Estudos Sociais fica ainda mais difícil a compreensão de que a geografia trata do onde as coisas acontecem, sendo dessa forma vinculada com a compreensão da dinâmica existente no espaço, enquanto que a história está relacionada com o quando as coisas aconteceram, ou seja, com o tempo. (MARQUES, 2008, p. 03)

Cabe ressaltar que a sociedade a época passava por grandes transformações de ordem econômica, sociais, culturais e principalmente política. Entretanto, tais transformações não eram elemento de destaque na abordagem geográfica escolar.

Na atualidade, os textos referentes às recentes propostas para o Ensino de Geografia, são contundentes ao afirmarem a necessária articulação entre as demandas e os movimentos da sociedade, nas aulas dessa disciplina. .Gebran (2008) considera que as chamadas ciências humanas, Geografia e Historia, na época não acrescentavam as exigências da política da época, pois alem de tudo tais disciplinas poderiam formar nos alunos e na sociedade um espírito critico e acima de tudo contestador para o sistema vigente na época.

 

A PEDAGOGIA TECNICISTA NO LIVRO DIDATICO DE GEOGRAFIA

 

Analisando livros didáticos de 1º e 2º grau pode-se perceber como foi o processo da pedagogia tecnicista no ensino de Geografia.

Devido ao fato que através do livro didático se expressam visões e os significados do projeto dominante, ajudando a reforça-los a dar-lhes acolhida e como microtexto, como praticas de significações em sala de aula, pela escolha e maneira de trabalhar seus conteúdos pelos professores. (TONINI, 2003) a metodologia se baseia na pesquisa nos livros didáticos Geografia Ativa (da autora Zoraide Victorello Beltrame) e Geografia (Cloves Bitencourt Dottori).

Beltrame (1979), mostra como foi esse ensino de Geografia na época. Seu livro foi dividido em diversos capítulos onde cada um tratava de um continente e cada um desses capítulos trabalhavam de forma bem descritiva, com alto grau de detalhamento do seu clima, vegetação, relevo, etc, o que lembra em muito as descrições regionais da Geografia Francesa e no final de cada um desses tópicos eram elaborados exercícios que os alunos tinham que memorizar todos os aspectos daquele continente.

Um outro ponto a se destacar na autora acima é a grande quantidade de gravuras com referência ao futuro, ela aborda muito a questão do homem no espaço já que na década de 1970 começavam as primeiras viagens do homem ao espaço, as novas tecnologias que estavam surgindo na época, como por exemplo o computador, etc.

Com relação ao ensino de Geografia no ensino médio, Dottori (1977) também mostra uma geografia muito memoritiva, seu livro também se encontra dividido em varias unidades ou capítulos que tratavam de todos os continentes da Terra. Novamente eram feitos detalhamento muito grande nos continentes, normalmente acompanhados por questionários do tipo qual era o tipo de clima daquele lugar, etc.

Um fato interessante para se observar é que em ambos os autores não se foi dado relevâncias nenhuma as questões cartográficas, principalmente o ultimo autor trabalha questões como, por exemplo, a climatologia sem ao mesmo mostra como acontece a dinâmica desse processo.

Com isso observa que os alunos eram simples maquinas de memorizar e no final eram contemplados aqueles que de alguma forma possuem a maior habilidade de memorizar mais, sendo que isso infelizmente tem sido a pratica de muitos professores de geografia nos dias atuais (GEBRAN, 2008).

Os alunos não eram levados a compreenderem o espaço em sua volta, daí o fato de muitos pensarem o porque de uma disciplina onde os alunos não fariam proveito nenhum para o seu dia a dia, sendo que o mesmo desinteresse que era observados em alguns alunos pela Geografia na pedagogia tradicional alguns autores consideravam que esse desinteresse também era observado na pedagogia tecnicista.

Talvez esse fato pode ser explicado, como já analisado anteriormente, a questão da imposição do regime militar imposto na época, a sociedade brasileira era afastada de toda e qualquer reflexões e considerações de certas questões sociais. Era a forma ditatorial da época que se preocupava somente em transmitir valores morais e políticos necessários para a consolidação do projeto econômico desenvolvimentista da época (GEBRAN, 2008).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Através desse estudo compreende-se que a pedagogia tecnicista surgiu para remodelar o ensino de uma forma geral aqui no Brasil, pois as mudanças técnicas-industriais que a sociedade brasileira passava era quase inaceitável que o sistema educacional continuasse da mesma forma.

A Geografia Escolar brasileira se desenvolveu com base na Geografia Francesa e essa geografia tinha como característica principal apresentar os elementos espaciais fragmentados, como por exemplo, o clima, relevo, vegetação, população, urbanização (BRASIL, 1998; LACOSTE, 1997). Aranha (1996) descreve que a pedagogia tecnicista veio para propor novos paradigmas na educação brasileira, entretanto o que se pode perceber foi que a Geografia escolar continuou se baseando em uma abordagem pedagógica através da memorização, sendo que a partir do final da década 1980 e inicio dos anos 90, novas abordagens acadêmicas reogarnizaram-se a fim de superar essa abordagem pedagógica.

Outro ponto importante a se destacar é que em nenhum momento a pedagogia tecnicista foi pensada no aluno, até então os técnicos educacionais responsáveis por tais transformações não levaram em conta que os alunos eram peças fundamentais nesse processo, simplesmente esses alunos foram deixados na função de telespectadores do processo indiferente o quanto seriam afetados.

Já no ensino de Geografia o que se observa é que não aconteceu mudança nenhuma em sua didática comparando com a pedagogia tradicional, acontecendo mesmo somente transformações na estrutura desse ensino. O que se pode perceber é que a pedagogia tecnicista reafirmou toda metodologia da pedagogia tradicional, metodologia essa que somente começou a ser rompida somente há algumas décadas depois, entretanto já no tecnicismo surgiram vários movimentos por uma nova geografia, graças a novos pensadores que buscavam romper essa geografia tradicional no final da década de 1970 e começo da década de 1980.

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[1] Graduado (Licenciatura e Bacharel) em Geografia e Analise Ambiental, pelo Centro Universitário de Belo Horizonte UNI-BH. Email: [email protected]

[2] Doutora em Geografia e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais.