O presente artigo tem como objetivo analisar o crime de Infanticídio, dando ênfase ao estado puerperal, ao qual a mulher deve estar submetida para que o referido crime seja consumado, considerando que o estado puerperal não se confunde com o puerpério.

Define-se o puerpério como sendo o período que se inicia no parto, através das transformações fisiológicas (dequitação placentária), e que se estende até o retorno à completa normalidade dos órgãos genitais da parturiente. Ou seja, é o tempo que o corpo da mãe leva para voltar ao normal após o parto. É comum e normal a todas parturientes.

Enquanto que, o puerperal é o conjunto de perturbações psicológicas e físicas que acometem à mulher em razão do parto, de maneira que, após o parto, a mãe pode ou não vir a sofrer. É necessário para configurar o nexo causal e consumar o crime.

Em nosso ordenamento, o crime de infanticídio está situado no Capítulo (I) Dos crimes contra a vida e é descrito no Artigo 123 do Código Penal, contendo a seguinte redação: “Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após”.

Assim, assemelha-se ao crime de homicídio, porém, recebe especial tratamento em virtude da associação a elementos fisicopsicológicos, motivados pelo estado puerperal.

Em razão do estado puerperal, o Infanticídio é tipificado pela legislação brasileira como um delito de natureza privilegiada, cominando-lhe uma pena mais branda quando comparado ao crime de homicídio.

A análise do tipo penal do Infanticídio constitui fatores controversos decorrentes da oscilação de valores durante o tempo, desde quando o Infanticídio não era considerado crime, até a sua punição máxima, por meio da qual era cruelmente reprimido.

No ordenamento brasileiro, as mudanças também foram significantes, uma vez que o elemento necessário para configurar o crime de infanticídio era baseado no critério psicológico ou socioeconômico, por meio do qual, a mulher matava o seu próprio filho para defender sua honra, até que hoje, o referido tipo penal é considerado em razão da influência do estado puerperal, ao qual a parturiente deve estar submetida, para que o crime seja configurado.

Há, também, controvérsias a respeito da coautoria do crime, em relação a qual, ilustríssimo doutrinador Nelson Hungria alterou sua tese, entendendo que o a circunstância personalíssima da alteração psicofísica trazida pelo estado puerperal para mãe infanticida, também deve ser conferida ao seu partícipe e coautor do crime.

Não obstante, frisam-se as divergências doutrinárias quanto ao estado puerperal que diminui a capacidade de compreensão e discernimento da parturiente, pois do ponto de vista obstétrico, há quem entenda que este período inclui a própria gravidez, o parto e o tempo necessário para involução clínica do útero.

Em razão das divergências abrangidas ao tratamento jurídico dado ao crime de Infanticídio, faz se necessária minuciosa pesquisa sobre o tema. Por isso, o presente trabalho tem como objetivo instigar o pensamento referente à análise da tipificação do crime de Infanticídio e apresentar as razões principais para diferenciar o estado puerperal do puerpério.

Durante o processo de colonização do Brasil, poucos foram os documentos ou legislações que definissem o crime de infanticídio. Quando finalmente o reconhecimento do infanticídio se consolidou, a legislação penal brasileira iniciou o processo de desenvolvimento desse tema.

Durante o período Brasil- colônia, as leis que vigoravam no país eram as chamadas Ordenações do Reino, as quais equiparavam o crime, em sentido estrito, com a ofensa moral e o pecado. Suas penas eram cruéis e visavam implementar o temor pelo castigo.

Após o Brasil ter deixado de ser colônia de Portugal, a primeira legislação penal foi o Código Criminal do Império, sancionado em 16 de setembro de 1830, seguindo a orientação doutrinária em voga na época, qual seja, o da reação em favor da mãe infanticida. O infanticídio passou então a ser considerado como figura excepcional, passando a cominar-se a ele pena sensivelmente mais amena e mitigada.

Foram então criadas duas figuras distintas de infanticídio. Em seu art. 197 dispunha-se como crime “matar alguém recém-nascido: Pena – de 3 a 12 anos de prisão simples e multa correspondente a metade desse tempo...”. Já em seu art. 198, o Código Criminal do Império de 1830 determinava que: "Se a própria mãe matar o filho recém-nascido para ocultar a sua desonra: Pena – prisão com trabalho de 1 (um) a 3 (três) anos...". Verifica-se aqui um crime que pode então ser praticado por estranhos ou parentes da vítima por motivos diversos, bem como outro que só poderia ser praticado pela mãe e por motivo de honra.

Assim, nota-se que a sanção penal tornou-se mais branda que a imposta ao homicídio, causando a seguinte contradição: O legislador considerava infanticídio o fato (homicídio) cometido por terceiros e sem o motivo de honra, impondo a pena de 3 (três) a 12 (doze) anos, enquanto que, o homicídio simples possuía sanção mais severa, atingindo até a pena de morte. Para os estudiosos da época, estaria assim o agente sendo desproporcionalmente beneficiado, pois, causando a morte de um adulto, geralmente em condições físicas para a capacidade defensiva, estaria incurso no crime de homicídio, cuja pena cominada era no máximo a de morte, no médio, a de galés perpétuas e no mínimo vinte anos de prisão de trabalho.

Após a proclamação da República em 15 de novembro de 1889, foi editado o primeiro Código Penal da Republica Federativa do Brasil que, sancionado em 11 de outubro de 1890, deu o seguinte tratamento jurídico ao infanticídio no caput do artigo 298:

Matar recém-nascido, isto é, infante, nos sete primeiros dias de seu nascimento, quer empregando meios diretos e ativos, quer recusando à vítima os cuidados necessários à manutenção da vida e a impedir sua morte.

Para este delito, a pena passou então a ser de 6 (seis) a 24 (vinte e quatro) anos de prisão celular caso fosse cometido por estranhos ou parentes da vítima, e de 3 (três) a 9 (nove) anos de prisão celular caso fosse cometido pela mãe para ocultar desonra própria.

Nelson Hungria faz uma crítica essa legislação, pois não havia distinção entre o infanticídio e homicídio no tocante a sua punibilidade. O legislador de 1890 não percebeu que, com a adoção desse conceito genérico ou estrito, tornava injustificável a distinção entre infanticídio e homicídio para incorrer, em seguida, no chocante absurdo de cominar contra o primeiro, ainda quando não perpetrado "Honoris causa", somente a pena aplicável ao homicídio simples, isto é, seis a vinte quatro anos de prisão celular. Era, positivamente, o critério de dois pesos e duas medidas.

Além das leis citadas, vigoraram em nosso ordenamento alguns projetos que serviram posteriormente como fontes para o nosso Código Penal atual, entre eles: O Projeto Galdino Siqueira, O Projeto Sá Pereira e o Projeto Alcântara.

Em 1938, foi então organizada uma nova comissão, com o intuito de elaborar um novo projeto de Código Penal, sendo presidida por Alcântara Machado, cujos trabalhos foram concluídos em 1939, porém somente entrando em vigor no dia 1o de janeiro de 1942. Este Código ficou conhecido como o Código Penal de 1940, sendo criado pelo Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940, ainda vigorando alguns artigos de sua parte Especial, sofridas algumas modificações em alguns aspectos.

Com a elaboração desse novo Código Penal sob a influência do Código Penal Suíço de 1937, o infanticídio ganhou tratamento diverso de todos que já havia recebido nas legislações penais brasileiras anteriores, deixando de lado a fundamentação da pena no motivo de honra e passando a fundamentá-la no critério psicofisiológico do estado puerperal, ficando definido da seguinte forma no art. 123 do referido diploma legal brasileiro: "Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto, ou logo após: Pena – detenção de 2 (dois) a 6 (seis) anos".

Segundo Galdino Siqueira, a análise da evolução do crime de infanticídio no Brasil:

Analisando-se a evolução cultural exposta pelos mais diversos autores percebemos que o infanticídio passou por três períodos: No primeiro, denominado período de indiferença, era comum a sua prática sem que as leis ou os costumes a reprovassem. No segundo, ou período de reação em favor da vítima, eram impostas penas graves além da prática de crueldade, não se contentando apenas com a morte do autor do crime. O terceiro período, inaugurado sob a influência das idéias de Beccaria e Bentham, foi marcado pela reação em favor da mulher infanticida, sendo, na vigência desse período, elaborados nossos Códigos: Criminal de 1830 (Império), Penal de 1890 (República) e o vigente de 1940, os dois primeiros exagerando no benefício ao autor do crime, fosse ele quem fosse, e o de 1940 não considerando apenas a vítima, levando em conta também a figura do agente ativo.

 Assim, sobre essa nova legislação, o jurista Damásio E. de Jesus diz que:

O CP de 1940 adotou critério diverso, acatando a natureza psicofisiológica da influência do estado puerperal. A conduta que se encerra no tipo vem contida no preceito primário do art. 123: "Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena – detenção de 2 a 6 anos". Assim, o infanticídio, em face de legislação penal vigente, não constitui mais forma típica privilegiada de homicídio, mas delito autônomo com denominação jurídica própria.

 De acordo com o dicionário de Língua Portuguesa Aurélio[1], infanticídio significa: ”1. Assassínio de recém-nascido ou de criança. 2. Jur. Morte do próprio filho, sob a influência do estado puerperal, durante o parto ou logo depois”.

A palavra infanticídio deriva do latim, infans e coedere, que significa “o que mata uma criança recém-nascida”, e, etimologicamente, o termo infanticídio significa “a morte de um infante ou criança que ainda não fala”.

O infanticídio está previsto no artigo 123 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, atual Código Penal, e é versado como delito tal qual a genitora mata o filho sob circunstâncias do estado puerperal, durante ou logo em seguida ao parto, imputando à autora pena de detenção variável entre 2 (dois) a 6 (seis) anos, conforme vejamos:

Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após:

Pena - detenção, de dois a seis anos.

É qualificado como crime próprio por exigir qualidade específica do sujeito ativo, ou seja, o agente ativo deve ser especificamente a mãe.

O ordenamento jurídico brasileiro, refletido especificamenteem nosso Código Penal, manifesta entendimento em consonância de o estado puerperal ter a possibilidade de ocasionar perturbação psíquica na parturiente, diminuindo a capacidade de discernimento desta.

Nesse sentido, a parturiente deve ser subjugada à exame de competência, também chamada perícia, para que se comprove TAC diminuição de capacidade de discernimento, e assim caracterizar o estado puerperal.

Restando comprovada a capacidade do agente, caracteriza-se o crime como infanticídio. Caso contrário, o crime é caracterizado como homicídio, com pena de reclusão que varia entre 6 (seis) a 30 (trinta) anos, dependendo do caso.

Noronha E. Magalhães[2] afirma:

O infanticídio é o crime da genitora, da puérpera. É, portanto a mãe que se acha sob a influência do estado puerperal e atua contra vida de seu filho.

De acordo com a legislação Brasileira, para se caracterizar o crime de

infanticídio são indispensáveis, a priori, três requisitos:

1.      que a vítima seja feto nascente ou infante recém-nascido;

2.      que a conduta da autora seja intencional;

3.      que tenha havido vida extrauterina.

Para Damásio E. de Jesus[3], há três critérios de conceituação do crime de infanticídio, sendo estes o psicológico, o fisiopsicológico e o misto. A seguir, ele especifica cada um:

De acordo com o critério psicológico, o infanticídio é descrito tendo em vista o motivo de honra. Ocorre quando o fato é cometido pela mãe a fim de ocultar desonra própria. Era o critério adotado pelo Código Penal de 1969.

Nos termos do critério fisiopsicológico, não é levada em consideração a honoris causa, isto é, motivo de preservação da honra, mas sim a influência do estado puerperal. É o critério de nossa legislação penal vigente.

De acordo com o conceito misto, também chamado composto, leva-se em consideração, a um tempo, influência do estado puerperal e o motivo de honra. Era o critério adotado no Anteprojeto de Código Penal de Nélson Hungria (1963).

O desenvolvimento do conceito de infanticídio e de seu tratamento pelo legislador brasileiro será apresentado a fundo a seguir.

Vale evidenciar ainda que, segundo o Código Penal em vigor, deve-se comprovar que o estado puerperal ocasionou danos psíquicos à autora do crime, não bastando somente que seja comprovado o estado puerperal. Ainda nesse sentido, se o crime for consumado antes do parto do nascituro não incorre em infanticídio, mas sim aborto.

A partir deste ponto será definido o puerpério, que vem de puer (criança) e parere (parir). É o nome dado à fase pós-parto, em que a mulher experimenta modificações físicas e psíquicas, tendendo a voltar ao estado que a caracterizava antes da gravidez.

O puerpério inicia-se no momento em que cessa a interação hormonal entre o feto e o organismo materno. Geralmente isto ocorre quando termina o descolamento da placenta, logo depois do nascimento do bebê, embora possa também ocorrer com a placenta ainda inserida, se houver morte do feto e cessar a síntese de hormônios.

O momento do término do puerpério é impreciso, aceitando-se, em geral, que ele termina quando retorna a ovulação e a função reprodutiva da mulher. Nas puérperas que não amamentam poderá ocorrer a primeira ovulação após 6 (seis) a 8 (oito) semanas do parto. Nas que estão amamentando, a ovulação retornará em momento praticamente imprevisível. Poderá demorar até 6 a 8 meses, a depender da freqüência das mamadas. Isto impõe, entre outras medidas, a adoção de método anticoncepcional adequado.

O puerpério é dividido em três fases: 1) Puerpério imediato – do primeiro ao décimo dia; 2) Puerpério tardio – do décimo ao quadragésimo quinto dia; e 3) Puerpério remoto – além do quadragésimo quinto dia, até retornar a função reprodutiva da mulher.

O puerpério é definido como o lapso temporal que vai do deslocamento e expulsão da placenta até a volta do organismo materno às condições pré-gravídicas. Por outro lado, o estado puerperal atinge também a gravidez, o parto e a volta clínica do útero.

Ademais, valem as considerações constantes de Deocleciano Torrieri Guimarães:

Há divergência na comunicabilidade das circunstâncias pessoais no crime de infanticídio: matar, sob a influência de estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após (art. 123 do CP). Uma corrente entende que as circunstâncias de qualidade de mães e do estado puerperal comunicam-se ao coautor ou partícipe, por serem elementares do crime, respondendo todos, portanto, por infanticídio. Outro ensinamento entende que a comunicação da circunstância pessoal privilegiadora só ocorre em relação ao partícipe e não ao coautor.

 Assim, nota-se, que o tema é controvertido, de modo que não existe entendimento pacífico na doutrina, que traz entendimentos distintos.

Além disso, no artigo 123 do Código Penal, o legislador não limitou ou definiu especificamente o alcance do puerpério, dando margem às discussões doutrinárias. Essas discussões objetivam definir se o puerpério é válido, além do período imediatamente posterior ao parto, como também no período anterior a este.

Nesse sentido, Deocleciano Torrieri Guimarães esclarece também que:

Infanticídio – Crime que consiste em a própria mãe matar o filho recém-nascido, durante o parto ou logo após esse, sob a influência do estado puerperal. Fora da influência desse estado, o crime é de homicídio.

 Dessa forma, no estado puerperal a mãe comete o crime de infanticídio, conforme se depreende da transcrição do artigo 123 do Código Penal no item anterior.

Como já mencionado em diversos momentos, o Infanticídio é um crime próprio, pois o sujeito ativo do crime só pode ser a mãe esta deve estar sob influência do estado puerperal, durante o parto ou logo após.

Diante disso, podemos observar que o estado puerperal é elemento fundamental para configurar o crime exatamente pelo seu fator psicológico determinante. Assim, coube ao Legislador encontrar uma maneira de punir o crime sem equipará-lo ao homicídio.

Sendo assim, a solução encontrada foi a aplicação de uma pena mais branda para direcionar àquelas mães em estado psicológico diferenciado no momento do crime.

Em breve análise do Código Penal Brasileiro, vemos que o estado puerperal é tratado como uma perturbação psíquica que ocorre durante o parto ou após ele. Quando ocorre, esta perturbação psíquica diminui a capacidade de discernimento da parturiente, podendo causar falha da atenção, percepção sensória deficiente, memória de fixação e de evocação escassas, dificuldade em diferenciar o subjetivo do objetivo, juízo crítico concreto e abstrato enfraquecidos, discernimento inibido implicando na incapacidade de avaliação entre o lícito e o ilícito, inadaptação temporária e desorientação afetivo-emocional.

Portanto, reitera-se que o crime de infanticídio se pauta no estado puerperal exatamente por se tratar de uma perturbação psíquica que atinge tão somente a mãe, ou seja, condiciona de maneira objetiva a execução do crime. E mais, por se tratar de um estado psíquico, há a necessidade de perícia médica para comprovar ou não a existência deste transtorno mental, fortalecendo ainda mais a exclusividade do crime.

O estado puerperal deve ser compreendido com base no conceito de puerpério, entretanto, há sim diferenças relevantes entre os dois conceitos, e eles devem ser apontados, a fim de excluir a possibilidade de um erro tão comum entre os juristas que simplesmente dispensam os exames periciais por entenderem de maneira equivocada que o estado puerperal sempre ocorrerá após o parto.

O conceito de puerpério se dá pelo ciclo natural do organismo da mãe que sofreu alterações em função da gravidez. Já o estado puerperal, que é um estado especial e anômalo, não ocorrerá obrigatoriamente.

 Nesse aspecto, cabem as palavras de Irene Batista Muakad sobre o puerpério:

O puerpério é um quadro fisiológico comum a todas as mulheres que dão à luz, com início, meio a fim, não se confundindo com o estado puerperal, que não é comum e presumido em todos os partos, como vem sendo considerado normalmente. Algumas vezes, dependendo do caso, o puerpério pode causar alterações no psiquismo da puérpera, com duração e gravidade variadas; todavia, são alterações de fácil percepção por meio de diagnóstico médico, clínico e laboratorial, não se enquadrando nos moldes do artigo 123 do Código Penal.

Assim sendo, o puerpério não caracteriza de maneira única uma perturbação psíquica e consequentemente a condição para a prática do infanticídio. Deve-se provar que houve a influência do estado puerperal para caracterização do crime e que este tenha sobrevindo em consequência, da diminuição da capacidade de entendimento ou de auto-inibição da parturiente.

Concluindo, o presente artigo buscou examinar o instituto do infanticídio de forma aprofundada e abrangente, incitando o pensamento jurídico com base na análise histórica e reflexiva do tema, sem, todavia, a pretensão de esgotá-lo, dada a sua relevância no nosso ordenamento jurídico.

Ficou amplamente evidenciada a ambigüidade que existe em diversos aspectos deste tema. E essa ambigüidade tornou-se latente, quando da busca pela definição do estado puerperal, ao passo que há grande divergência doutrinária sobre o tema, principalmente quanto à existência no plano jurídico deste fenômeno.

Muito debatido entre médicos e juristas, verificou-se que foi criada área especializada na medicina que levanta a bandeira de que o estado puerperal sequer existe, não passando de mera ficção jurídica. Esta afirmação é muito polêmica e traz verdadeira inquietação aos legalistas, pois, cogita a possibilidade de defender uma situação que não existe, permitindo o Estado beneficiar agentes que traz no bojo de sua conduta, inafastável reprovabilidade social.

A indagação que se faz necessária é que se ainda que comprovado a influência do estado puerperal sobre a mulher, com redução da sua capacidade de discernimento em razão do grave transtorno emocional, este seria incisivo o suficiente para fazer com que mãe retire a vida do seu próprio filho? O Código Penal, em seu artigo 26, no seu parágrafo único prevê que a redução de pena para o agente que em razão de perturbação da saúde mental não é capaz de entender o caráter ilícito da sua conduta, in verbis:

Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

 Em outras palavras, cabe dizer que se o agente tem sua capacidade de discernimento comprovadamente debilitada, ele deveria responder nos termos da sua imputabilidade, ou semi-imputabilidade penal, em congruência com o preceituado no artigo 26 do supracitado Código.

Nesta esteira, a mãe, agente no crime de infanticídio deveria ser considerada inimputável, ao passo que preenche os requisitos estabelecidos em lei, e em razão disso, deriva-se a ideia de defendida por muitos doutrinadores que o infanticídio deveria ser abolido da lei criminal.

Ocorre que um número razoável de doutrinadores sustentam que o infanticídio é conseqüência de uma gravidez indesejada, ou ainda, ilegítima, tal como nos casos em que a parturiente com o escopo de preservar a sua dignidade para com sua família e sociedade. Tanto assim o é, que nossa legislação pretérita estabelecia o infanticídio como um crime praticado em razão da honra, onde a mãe mata o próprio filho para ocultar sua desonra.

Neste diapasão, entende-se que a mulher planeja e busca uma forma de se livrar do fruto indesejado, e mesmo sem antecedentes psicopáticos, a conduta é praticada como uma solução para o “problema” criado, observando com detalhes como ocultar a prática, de forma que não haja nenhuma suspeita.

Destarte, ao analisar os caracteres de agentes que praticaram o crime de infanticídio, conclui-se que a situação socioeconômica é um dos principais motivos que dão causa ao cometimento deste crime, cujo enquadramento nem sempre leva em conta a prova pericial do estado puerperal.

Considerando que os fatores internos são decisivos para o diagnostico dessa conduta, estes se revelam mais complexos, ao passo que exigem estudos mais profundos, sobretudo, no campo da psiquiatria.

Derivam desses estudos, grandes divergências acerca das conseqüências possíveis em decorrência das alterações hormonais da parturiente.

Por sua vez, as questões externas; tais como, sociais, financeiras, entrelaçam-se com questões relativas à ética e a honra e estão sendo objeto de estudo como causas do crime de infanticídio já há muito.

Importante assinalar que o sujeito passivo do crime de infanticídio é um ser completamente indefeso, o que impões necessária racionalidade e lógica quando do julgamento de crime tão cruel.

Seria de extrema importância que aqueles que estão diante de um fato concreto tivessem o discernimento necessário para escolher qual dos bens jurídicos é o mais valioso: o valor social ou o valor de uma vida.

Entretanto, hodiernamente o julgador não deve mais levar em conta a honoris causa, haja vista que o Código Penal vigente bem como toda legislação criminal não prevê condição social como excludente de ilicitude.

Se assim o fosse, a conduta poderia ser transferida para o artigo 121, parágrafo primeiro do Código Penal, onde o crime seria matar alguém impelido por motivo de relevante valor social ou moral.

Em razão disso, torna-se razoável a ideia de que a parturiente que mata o próprio filho apenas em razão de preocupação ligada à sua honra, deveria responder pelo crime de homicídio e não nas benesses tipificado pelo infanticídio.

O infanticídio, embora tenha sido enquadrado no atual ordenamento jurídico como delito autônomo, com denominação jurídica própria, atualmente não deixa de ser uma forma privilegiada de homicídio, onde se leva em conta a situação peculiar da mulher que decide por matar o próprio filho.

Há duas saídas para esta prática delituosa. Se for comprovado que a agente estava realmente sob influência do estado puerperal no momento do crime, seria possível interpretar esta conduta como sendo a de uma pessoa inimputável, pois não compreendia o que estava fazendo ao praticar a conduta, ou compreendia, mas não conseguia se autodeterminar. Esta seria, então, uma hipótese de exclusão da imputabilidade, onde não há aptidão da agente para ser penalmente punível. Neste caso, deveria haver a descriminalização do Infanticídio.

Por outro lado, onde não houver comprovada a existência da influência do estado puerperal e o crime tiver sido cometido por motivo de honra, onde a mãe opta por matar um ser completamente indefeso e desprotegido, muitas vezes de forma cruel e calculada, contrariando todos os seus instintos naturais, lhe faltando qualquer sentimento de proteção, afeto ou amor, resta claro que o valor de uma vida deveria ser mais importante que o valor social. Neste caso, o Infanticídio não deveria ser uma forma privilegiada de homicídio, e sim, uma forma qualificada. É neste ponto que o nosso Código Penal abrange um grande contrassenso.

Destarte, conclui-se que se faz imperiosa a necessidade de alteração do artigo 123 do Código Penal e de questionamento com o Poder Público e a sociedade para avaliar se a legislação vigente tem prestado a sua função social.

Ao passo que cristalino o entendimento de que os fatores socioeconômicos são os motivos essenciais para a aceitação do infanticídio, pois, são estes os que de fato influenciam na consumação da conduta delituosa.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA JÚNIOR, A. F. de. Aborto e Infanticídio. Revista Forense. Rio de Janeiro. Volume 91. n. 470/471, p. 37-45, ago./set.1942.

ANDREUCCI, Ricardo Antunes. Estudos e Pareceres de Direito Penal. Revista dos Tribunais. São Paulo. 1981.

BALESTRA, Andrés Augusto. “Infanticídio – Impropriedade de uma Figura Autônoma”, Dissertação apresentada na Faculdade de Direito da USP, p. 76. São Paulo. 1978.

BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e Das Penas. Ed. Martins Fontes. São Paulo. 1997.

Dicionário Técnico Jurídico, organizado por Deocleciano Torrieri Guimarães, 13ª Edição, São Paulo, Editora Rideel, pág. 327.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. “Dicionário da língua portuguesa”. Rio de Janeiro, 1993. Editora Nova Fronteira

FRANÇA, Genival Veloso. Medicina Legal. Guanabara Koogan. 6ª edição.

HUNGRIA, Nelson Hoffbauer. Comentários ao Código Penal. 5ª. Ed. Forense. 1977.

JESUS, Damásio E. de . Direito Penal – Parte Especial. 17ª. Ed. São Paulo. Saraiva. 1998.

MUAKAD, Irene Batista. O Infanticídio: Análise da doutrina médico-legal e da prática judiciária. 3ª. Ed. São Paulo. Ed. Mackenzie. 2002.

SIQUEIRA, Galdino. Direito Penal Brasileiro. Parte Especial. Rio de Janeiro. Ribeiro Santos. 1924.