Infanticídio, como prática muito antiga, origina-se da palavra infanticidium, uma junção de dois radicais em latim: infas (criança) e caedere (matar), desta forma é entendida como dar a morte a uma criança. Sob a ótica do ordenamento jurídico brasileiro, é o infanticídio uma figura típica do Código Penal Brasileiro de 1940, integrando o Titulo I - Dos Crimes Contra a Pessoa, sendo um crime contra a vida do nascente. Constitui: Artigo 123. Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena ? Detenção, de dois a seis anos. Diante do exposto antes de adentrarmos ao tema, é importante a análise de quatro aparatos imprescindíveis para o entendimento do delito declinado acima: o estado puerperal, o crime próprio, o bem jurídico a ser tutelado e o elemento subjetivo. Pois bem, a legislação brasileira em sua nova vertente vem adotar como questão atenuante um conceito fisiopsíquico, o chamado Estado Puerperal. O mesmo consiste em um conjunto de perturbações tanto físicas quanto psicológicas sofridas pela mulher em virtude de um parto sofrido e doloroso. No entanto o Estado Puerperal tem sido muito questionado por parte da doutrina brasileira, pois consiste em um período cronologicamente variável, momentâneo, de difícil precisão e como conseqüência torna-se complicado a sua constatação, mesmo em face da tecnologia que abrange a perícia médico-legal. Toda relação jurídica possui dois tipos de sujeito. O sujeito ativo do crime é aquele que pratica conduta descrita na lei, no caso em tela: "matar". Já o sujeito passivo é o titular do bem jurídico lesado ou ameaçado de lesão. Desta maneira, é o Infanticídio um crime próprio, exigindo qualidades especiais, pois somente a mãe pode ser a autora, ou seja, o sujeito ativo, da conduta descrita no tipo. Ainda, somente o nascente, o filho, é quem pode figurar como sujeito passivo. Já com relação ao Elemento Subjetivo, temos o dolo, que é entendido como a vontade de praticar a conduta típica descrita. No Infanticídio, o dolo pode ser admitido tanto na forma direta quanto na eventual. O primeiro diz respeito à vontade da mãe em causar a morte de seu filho. Já o segundo, é relativo à mãe assumir de maneira consciente um risco sendo que a ocorrência do resultado morte lhe é indiferente. Por último, o bem jurídico. O nascente e o neonato são os objetos materiais do delito, pois a conduta da parturiente é conduzida finalisticamente contra eles. Portanto, o bem jurídico a ser tutelado é a vida do nascente ou neonato. A junção da Medicina com o Direito inserindo novas facetas jurídicas: Um bem jurídico a ser tutelado, a vida de um menor impúbere. E a sensibilidade jurídica em tutelar a agente, assim o Código Penal, que até então tinha uma concepção invisível quanto à mulher, fazendo menção apenas em relação às questões preconceituosas que faziam referências à "honra" e "honestidade" feminina, busca, contemporaneamente entender o corpo e a mente desarmônica do gênero. 1.0. O Infanticídio como prática muito antiga: Intrigante é o estudo de um tipo penal que durante toda a história da humanidade foi coberto de diversas roupagens, variando suas formas de legalidade e de punição. De um extremo ao outro temos o Infanticídio à margem da impunidade até a severidade brutal das penas. Não se pode pensar que o mesmo sempre foi determinado como uma prática ilícita. Pois, embora praticado em todo o mundo e em sociedades de diferentes níveis de complexidade cultural, desde a antiguidade, em muitas regiões o Infanticídio foi uma prática aceita, não sendo encarado como um assassinato. Assim, até meados do século V a. C., o Infanticídio não era taxado como um crime. Comuns eram os rituais religiosos, onde sacrifícios dos filhos eram ofertados aos deuses. Como, na sociedade fenícia, onde os fenícios davam a vida de seus filhos ao Deus Moloch. Em Esparta, cidade-Estado grega, em que a cultura militarista reinava, os recém nascidos eram jogados do alto do Monte Taigeto, pois a finalidade do Estado era a formação de bons soldados. Na Roma de Rômulo, em épocas de oferta pequena de comida, era ordenada a morte dos recém nascidos. Em menção a sociedade romana antiga, o pater familias era o detentor da vida e da morte de seus filhos. Já no mundo árabe, antes de Maomé, existia o infanticídio seletivo de recém nascidos, oriundo do sexismo patriarcal, era comum a morte de crianças do sexo feminino. O ilícito nasce dentro da sociedade. Assim devido a seu mutatis mutandis, houve uma reação jurídica a partir do século V d. C. contra a prática infanticida. Com a influência do Cristianismo no Império Romano, o infanticídio passou a ser considerado crime gravíssimo, inclusive com pena de morte. Já na época medieval, a Carolina, ordenação de Carlos V, dizia que: [...] as mulheres que matam, secreta, voluntária, e perversamente os filhos, que delas receberam vida e membros, são enterradas vivas e empaladas, segundo o costume. Para que se evite o desespero, sejam estas malfeitoras afogadas, quando no lugar do julgamento houver para isso comodidade de água. Onde, porém, tais crimes se dão frequentemente, permitimos, para maior terror dessas mulheres perversas, que se observe o dito costume de enterrar e empalar, ou que, antes da submersão a malfeitora seja dilacerada com tenazes ardentes. (HUNGRIA; FRAGOSO, p. 240). Percebe-se que o crime de infanticídio era severamente punido, revestindo-se de aspectos extremamente perversos. A partir do século das luzes, foram apresentadas no campo jurídico, propostas para leis mais humanitárias, filósofos do jusnaturalismo impulsionavam novas idéias para o abrandamento das penas. De modo que, as legislações criadas a partir do século XVIII, trouxeram o infanticídio como modalidade de homicídio privilegiado, quando praticado pela mãe por motivo de honra. Beccaria utilizava justificativas como a pobreza e a honra em, Dos Delitos e das Penas: O infanticídio é ainda, o efeito quase inevitável da terrível alternativa em que se encontra uma desgraçada, que apenas cedeu por fraqueza, ou que sucumbiu aos esforços da violência. De um lado a infâmia, de outro a morte de um ente incapaz de avaliar a perda da existência: como não haveria de preferir essa última alternativa, que subtrai à vergonha, à miséria, juntamente com um infeliz filhinho? (BECCARIA, pág.92) Assim, os filósofos do Direito Natural, com argumentos relevantes para a época, conseguiram influenciar os legisladores. A pobreza, o conceito de honra, entre outros, contribuíram para o influxo de novas idéias em desfavor da pena de morte, defendendo o abrandamento das penas. A vida do recém nascido continuou protegida, sendo punido aquele que a tolhia. No entanto, o infanticídio a partir do século XVIII, enquanto tipo penal recebeu um novo tratamento passando a ser considerado como homicídio privilegiado, quando praticado por motivo de honra pela mãe ou por seus parentes. O primeiro Código Penal que inovou sua legislação foi o Austríaco de 1803. Bem mais tarde, veio a Lei de novembro de 1910, que diminuiu a pena do Infanticídio na França. A partir de então, outras legislações de variados países foram adotando estes critérios, inclusive o Código Criminal do Império, no Brasil, em 1930. 1.1 Breve análise sobre a história do Infanticídio no Direito Brasileiro: No Direito brasileiro, o Código Criminal de 1830 foi o primeiro a fazer menção ao crime de infanticídio, que recebeu muitas críticas em seu artigo 197, pois por ser genérico, protegia qualquer um que assassinasse um recém nascido. Assim, a sociedade repugnou-o por ter colocado a vida do infante bem menos valiosa do que a vida de um adulto. Já o Código de 1980, dizia no artigo 128: "matar, recém nascido, isto é infante nos sete primeiros dias de seu nascimento, quer empregando meios diretos e ativos quer recusando à vitima os cuidados necessários à manutenção da vida e a impedir a sua morte." Se o crime fosse perpetrado pela mãe, para ocultar a desonra própria, a pena era de 3 a 9 anos de prisão celular. Um fato peculiar é que se o delito fosse cometido por parentes da vítima ou estranhos a pena seria de seis a vinte e quatro anos de prisão celular. Percebe-se que até então, a fundamentação da pena era com base no motivo de honra da mulher, o honoris causae. Até surgir em 1940 um Código com influência no Código Penal da Suíça de 1937. Contrariando as legislações penais anteriores, o Infanticídio passa a ganhar o corpo de um delito autônomo ocupando espaço no artigo 123 do referido diploma legal que apregoa: "Matar alguém sob a influência do estado puerperal, tendo como objeto o nascente ou neonato, filho da parturiente, em certo lapso temporal, ou seja, durante o parto ou logo após". O Infanticídio na legislação penal vigente torna-se uma forma típica autônoma, mesmo que doutrinariamente seja considerado uma forma de homicídio privilegiado. Onde o legislador traz a consideração de uma situação particular da mulher com a atenuante baseada em um conceito biopsíquico, justificando-o como um delictum exceptum. 2. 0. Destrinchando o tipo autônomo: O Infanticídio é uma espécie particular de homicídio doloso privilegiado. O privilégio é concedido devido à influência do estado puerperal sob o qual se encontra a parturiente e é essencial para a configuração do delito, caso contrário, sem ele configurar-se-á outra espécie de delito v. g. o aborto ou homicídio O delito de Infanticídio é composto pelos seguintes elementos: matar próprio filho; durante ou logo após o parto; sob influência do estado puerperal. Os três últimos dados são inafastáveis da infração. Se por acaso, estes forem inexistentes, a figura típica deixará de existir, passando a existir um outro crime, é a chamada atipicidade relativa. Ou seja, se faltar qualquer elemento descrito no tipo, sujeito ativo (mãe), sujeito passivo (filho), conduta (matar), objeto material (vida), elementar normativa (estado puerperal), e elementar normativa temporal (durante o parto ou logo após), descaracterizado fica o crime de Infanticídio. Doutrinariamente, percebe-se um crime próprio, pois só poderá ser cometido pela genitora, sendo assim são expressamente determinados o sujeito ativo e o sujeito passivo, respectivamente, mãe e filho. Ainda, é crime simples e doloso, não se admitindo a forma culposa. Pode ser praticado por qualquer meio, comissivo ou omissivo impróprio, pois não se pode esquecer o status de garantidor do sujeito ativo. De dano, consumando-se com a efetiva lesão ao bem jurídico. Instantâneo, de efeito permanente, pois se contempla em um só momento. Convém não esquecer, que o Infanticídio visa proteger a vida humana, assim o bem juridicamente tutelado é a vida do nascente ou do neonato. Preocupa-se assim, o Estado em tutelar a vida do individuo desde o inicio de seu nascimento. Todavia, a orientação firmada no tipo penal supra, é motivo de várias controvérsias doutrinárias, recebendo críticas tanto na problemática da aplicação do artigo 30, quanto no que se refere à elementar normativa relacionada ao psíquico da mãe parturiente e até mesmo quanto ao limite temporal para que se possa caracterizá-lo, a serem descortinadas em outro momento. 2.0. O Estado puerperal: Como afirmado anteriormente, a Lei Penal, exige que a parturiente atue sob a influência do estado puerperal para o reconhecimento do infanticídio. Mas antes do seu estudo, convém fazer alusão a um período anterior: o puerpério, termo que vem da junção de puer (menino) com parere (parir), significando, parir criança. O Puerpério é um período de tempo em que a mulher normaliza o organismo, retornando às condições pré-gravídicas. Puerpério, sobreparto ou pós-parto, é o período cronologicamente variável, de âmbito impreciso, durante o qual se desenrolam todas as manifestações involutivas e de recuperação da genitália materna havidas após o parto. Há, contemporaneamente, importantes modificações gerais, que perduram até o retorno do organismo ás condições vigentes antes da prenhez. A relevância e a extensão desses processos são proporcionais ao vulto das transformações gestativas experimentadas, isto é, diretamente subordinadas à duração da gravidez. (RESENDE, p.373) O Puerpério é sobrejacente ao Estado Puerperal. Assim, os sintomas e efeitos provenientes desses dois estados são diferenciados. O puerpério é um estado biológico que vem se desenvolver em consequência do parto e sua existência não significa que venha acarretar uma perturbação psíquica, que é o que acontece no Estado Puerperal. A exposição de Motivos da parte especial do Código Penal, no item 40 esclarece: O infanticídio é considerado um delictum exceptum quando praticado pela parturiente sob a influência do estado puerperal. Esta cláusula, como é óbvio, não quer significar que o puerpério acarrete sempre uma perturbação psíquica: é preciso que fique averiguado ter esta realmente sobrevindo em consequência daquele, de modo a diminuir a capacidade de entendimento ou de auto-inibição da parturiente. Fora daí, não há por que distinguir entre infanticídio e homicídio. Ainda quando ocorra honoris causa [...], a pena aplicada é a de homicídio. Contudo, há de se registrar que o próprio judiciário faz confusão em relação à distinção entre esses dois períodos: O estado puerperal existe sempre, mas nem sempre ocasiona perturbações emocionais na mulher que o possam levar à morte do próprio filho. O processo do parto, com suas dores, a perda de sangue e o enorme esforço muscular pode determinar facilmente uma momentânea perturbação da consciência. É esse estado que torna a morte do próprio filho um homicídio privilegiado. É claro que essa perturbação pode ocorrer mais facilmente se tratar de mulher nervosa ou angustiada, ou que dê à luz filho ilegítimo. (TJPR, RT 462/403). O reconhecimento do estado puerperal deve ser interpretado de maneira suficientemente ampla, de modo a abranger o variável período do choque puerperal. A influência deste estado é efeito normal e corriqueiro de qualquer parto e, dada a sua grande freqüência, deve ser admitido sem maior dificuldade. (TACRIM-SP ? AC ? Rel. Fernandes Braga ? JUTACRIM 83/383). Sem dúvida a Jurisprudência citada acima, vem trazer um abrandamento ainda maior para a mãe que comete crime contra a vida de seu filho. Em razão de que, o Código requer de forma expressa a atuação sob a influência do estado puerperal, que será constatado através de perícia. No entanto, até mesmo esta perícia será feita de uma forma mais branda, bastando apenas o exame de corpo de delito, uma vez que colocando o estado puerperal como um efeito corriqueiro de qualquer parto, basta a mulher ter parido recentemente, ainda apresentando lesões em decorrência do parto, para que esta seja penalmente punida de acordo com o artigo 123. Este entendimento jurisprudencial é impertinente, pois desqualifica um critério que deve ser pautado tanto quanto à questão física; parto sofrido, quanto à questão psicológica; perturbações emocionais agudas em face do sofrimento no parto. Já que basta o fator físico, biológico, ou seja, o parto, e a ação desferida contra o recém nascido: a ocisão da vida extra-uterina, para que venha se configurar o estado puerperal, no caso em tela. 3. 1. O Estado Puerperal que decida? O Estado Puerperal é uma situação de alteração e transtorno advinda de um parto traumático, que altera temporariamente o psíquico da mulher, a ponto de levá-la a agir instintivamente de maneira violenta contra o próprio filho. Neste sentido, Greco (2008), interpreta da seguinte maneira: "A mulher, abalada pela dor obstétrica, fatigada, sacudida pela emoção, sofre um colapso do senso moral, uma liberação de instintos perversos, vindo a matar o próprio filho." (COSTA apud GRECO, p. 218) Porém a existência da influência do estado puerperal não é entendimento aceitável uniformemente na doutrina jurídica. As inúmeras críticas recebidas à adoção da elementar fazem surgir a cruel dúvida: O estado puerperal seria uma realidade ou uma mera ficção jurídica? Gomes (1997), diz que, "o estado puerperal é no mínimo pouco palpável, para não dizer virtual." (p.747). Segundo França (1998), "nada é mais fantasioso que o chamado estado puerperal [...]. O que acontece no infanticídio é uma gravidez ilegítima [...] pensa a mulher dia e noite em como se livrar do fruto de suas relações clandestinas e como maneira de solucionar seu problema pratica o crime [...]" (p.205). Ainda Fragoso (1981), traz que, "o estado puerperal jamais poderia, por si só, provocar na mulher tal agressividade contra o próprio filho [...]. Ou existe uma precedente situação de anomalia psíquica que a gravidez e o parto precipitam, ou existem fatores de ordem social." (p.248) A doutrina que rechaça circunstância elementar do Estado Puerperal ainda não apresentou argumentos suficientemente válidos. Primus porque, justificar o infanticídio como fruto de uma "gravidez ilegítima", a propósito uma expressão ultrapassada. Ou como consequência somente de fatores de ordem social, é afirmar uma postura retrógada fazendo alusão a uma época em que ser mãe solteira era socialmente reprovável, pois até mesmo no código penal, imbuído de preconceito, prevaleciam os conceitos de honra e mulher honesta. Secundus é uma postura discriminatória, por dar a idéia de ser o infanticídio um crime mais comum entre as mulheres de camadas mais pobres. Tertius, postura também negligenciadora, pois torna a relação entre delito e psiquismo do sujeito ativo, um mito. Ainda, verifica-se jurisprudencialmente o mesmo posicionamento doutrinário em relação ao infanticídio ser um delito influenciado ou não por fatores biopsiquicos, segundo a jurisprudência de São Paulo: "Só se admite e compreende o infanticídio como delictum exceptum, punido diversamente do homicídio comum e com pena mitigada, quando há motivo de honra e a vítima é o recém-nascido." (TJSP: RT 581/291). (sem grifo no original) Existe um senso comum arraigado também na doutrina que não defende o estado puerperal como fator relevante. Trazendo que o Infanticídio é sempre cometido por influência da causa da honra, alegando ser ainda isto justificável por questão deste delito ser mais comum entre as mulheres de camadas mais pobres da população, abandonadas pelo pai da criança, ou então que carregam no ventre o fruto de uma relação extraconjugal. Decerto, o Infanticídio é um delito social, fazendo jus a Durkheim quando afirma ser o crime um fenômeno social normal, sendo assim se o crime nasce na sociedade é inegável que este venha a ser influenciado pelos valores que a mesma prega. Todavia, apregoar que o infanticídio é uma modalidade que em quase toda a totalidade dos casos é cometida pelas camadas mais pobres, por mulheres solteiras, entre outras, é determinar que o Infanticídio é somente restrito a este enfoque. Isto é por demais discriminatório, pois sabe-se que nem mesmo existe um mapeamento para determinar quantos casos de infanticídio acontecem por ano no Brasil, quanto mais uma pesquisa brasileira para saber quais os motivos mais relevantes afetam o período pós-parto, levando a mulher a cometer este ato homicida. Por isto, mais sensato será a apreciação de cada caso concreto, para verificar quais foram as reais motivações influenciadoras no cometimento do delito. Assim reza o julgado, com clareza: "Apresenta-se de relativo valor probante a conclusão para verificação do estado puerperal, assumindo relevo também as demais circunstâncias que fazem gerar a forte presunção de delictum exceptum." (RT 506/362). 3.2. Um Estado puerperal comezinho: Claro é entendimento de Roberson Guimarães, que defende o estado puerperal como uma modalidade do Transtorno de Estresse Agudo, estabelecido na DSM-IV da Academia Americana de Psiquiatria. Segundo uma pesquisa norte-americana, revelou-se que é fator natural a queda súbita dos níveis hormonais desencadeada pela parturição, podendo vim a alterar, desta forma, o sistema nervoso central. Essa alteração possui características semelhantes as do Transtorno de Estresse Agudo. A pesquisa mostra dados de sintomas que são compatíveis com os sintomas do Estado Puerperal; sentimento subjetivo de anestesia, distanciamento ou ausência de resposta emocional, redução de consciência sobre aquilo que a cerca, desrealização, sendo estes geralmente temporários. Assim, uma mulher previamente sã, cometeria infanticídio quando estivesse em um período de recuperação da dequitação placentária, fazendo com que seu organismo com o tempo retornasse às condições pré-gravídicas, ou seja, estivesse no puerpério. E que, nessa recuperação, devido às quedas súbitas hormonais que viessem atacar seu sistema nervoso, seu senso moral entrasse em colapso, diminuindo a capacidade de entendimento e aflorando instintos agressivos contra seu filho. Esse colapso imediato seria o estado puerperal, um período de despersonalização das questões morais, perdendo a mulher o controle total sobre sua mente e seu corpo. Assim, o Infanticídio como forma abrandada, diminui sua pena para proteger quem se encontrava extremamente vulnerável à época da realização da conduta criminosa. 3.3 O Limite Temporal: Uma questão que emana divergências é em relação ao limite temporal. A lei não fixou prazo em relação à aplicabilidade do Infanticídio, apenas diz que incidirá sob comportamento que seja levado a efeito durante o parto ou logo após, certamente uma expressão muito ampla. Cogitando uma hipótese de morte do filho pela mãe, depois de três meses do parto. Poderia esta, ainda está sob a influência do estado puerperal? Segundo Greco (2008), a expressão logo após o parto deve ser entendida à luz do princípio da razoabilidade: A parturiente somente será beneficiada com o reconhecimento do infanticídio se entre o início do parto e a morte do seu próprio filho houver uma relação de proximidade, a ser analisada sob o enfoque do princípio da razoabilidade. Não estamos, aqui, almejando determinar o tempo máximo para a ocorrência do infanticídio, mas tão somente afastar situações aberrantes. Se a parturiente, contudo, vier a causar a morte de seu próprio filho, dado o estado prolongado do puerpério, cinco meses após o parto, por mais que queiramos entender como infanticídio, a expressão logo após, adotada razoavelmente, nos conduziria ao reconhecimento do homicídio. (p.223). Contudo, não seria a condição do estado puerperal sobrejacente a questão temporal? Noronha (1991) acredita que o período deve ser delimitado pelo estado puerperal: A lei não fixou prazo, como outrora alguns códigos faziam, porém não se lhe pode dar uma interpretação mesquinha, mas ampla, de modo que abranja o variável período do cheque puerperal. É essencial que a parturiente não haja entrado no período da bonança, em que predomina o instinto materno. Trata-se de circunstância de fato a ser averiguada pelos peritos médicos e mediante prova indireta. (p.43) Prado (2002), segue a mesma linha," o importante é que a parturiente não tenha ingressado na fase de quietação, isto é, no período em que se afirma o instinto maternal."(p.84) Portanto, mais razoável será analise do caso concreto. Por isto, para se reconhecer o infanticídio é imprescindível a prova pericial, a fim de evidenciar se a parturiente realmente agiu sob influência de fatores biopsiquicos, e qual causa levou a agir sobre estes fatores, se em face do estado puerperal ou não. 3.4 A perícia médico-legal, um fator essencial: Para que seja caracterizado o infanticídio, o papel da perícia médica é de suma importância, pois é outorgada pelo legislador, a tarefa dos médicos legistas de comprovar a existência dos elementos que constituem este delito. É papel da perícia saber se a mulher no momento do delito encontrava-se em estado puerperal. Se a mesma apresentou sinais de ter parido recentemente, se a criança recém nascida nasceu com vida, ou se sua morte foi resultado de causa criminosa. Constitui-se assim, um dos maiores desafios para a perícia médica, constatar a existência de tal delito, devido às minúcias. França afirma ser este delito, a crucis peritorum- a cruz dos peritos, devido o seu elevado grau de complexidade. 3.4.1 Pericia na mãe: Ab initio, é muito importante que seja feito o diagnóstico do parto e do puerpério para elucidar alegações de Infanticídio. Este será realizado através das provas de parto recente, em que se analisam sinais mais ou menos evidentes, como seios volumosos, secreção de colostro ou leite, corrimento de lóquios, abdome flácido, lesões no canal genital ou no períneo. Ou, nos casos de parto antigo, a presença de estrias ou abdome flácido, pigmentação das mamas, cicatrizes himenais, cicatrizes de fúrcula e períneo e do ósseo externo do colo uterino. 3.4.2 Perícia na criança: Imprescindível, é ainda saber sobre a vida do nascente ou neonato. Configura-se, pois, outra incumbência da perícia, provar se o feto estava vivo no momento em que foi alvo da violência física da puérpera. Para que se configure o Infanticídio, basta que ao começo do parto, se possa considerar o feto biologicamente vivo, ou seja, que exista o mínimo de atividades funcionais, já dispostas pelo feto antes de vim à luz, como a circulação sanguínea. Caso contrário, no nascente ou neonato não for constatado a vida, tratar-se á de um natimorto, pois se desprendeu já sem vida do corpo da mãe. Se tratando de um natimorto, estaríamos diante de um crime impossível, neste caso a conduta do agente é impunível, conforme o art. 17 do CP. Conforme Miguel Feu Rosa (1995): "constitui fator fundamental apurar-se se a criança nasceu viva, porque costuma acontecer que a mãe pensa que cometeu o crime, mas na realidade deu à luz um natimorto". (p.123) Neste sentido, a prova de vida é fator crucial, aponta Maranhão (1995) duas delas: Primeiro o tumor de parto e por ultimo a reação vital. Tumor de parto ? as compressões sofridas pela porção do organismo fetal que primeiro alcança as aberturas genitais da parturiente provocam edema local, que constitui tumor de parto. Geralmente se situa na cabeça, que chega a assumir aspecto assimétrico. Essa saliência se deve ao fato de haver circulação no organismo fetal. No feto morto antes do nascimento não há tumor de parto Reação Vital ? se a morte do feto nascente foi provocada, é claro que no início da parturição este estava vivo. Logo, as lesões encontradas no feto terão sido produzidas intra vitam. O perito, ao examinar o cadáver do feto, deverá colher material para fazer uma reação vital, pelas técnicas usuais (VERDERAUX apud MARANHÃO). (p.197-198) O tumor de parto desaparece em geral, em torno de um dia e meio. Quanto à reação vital, demonstra que a morte do feto proveio de lesões provenientes de violência desferida contra o corpo da vítima, evidenciam-se assim as reações vitais, pois agressões produzidas em um cadáver apresentariam características diversas, próprias de lesões post mortem. Existem também, as provas que procuram ter havido respiração, são as docimásias, que podem ser tanto respiratórias quanto não-respiratórias. As docimásias respiratórias tencionam provar a respiração anterior. São estas, a Radiográfica, de Bodas, a Diafragmática, de Casper, A hidrostática, de Galeno e a Epimicroscopia, de Veiga de Carvalho. Entre estas, a mais comum é Docimásia Hidrostática de Galeno, pois apresenta melhor interpretação de resultados. Esta docimásia, compõe-se de quatro fases distintas: a primeira consiste em se colocar os pulmões, a traquéia, a laringe, a língua, o timo e o coração em um recipiente com água. Se estes órgãos flutuam por inteiro ou à meia-água, fica provada a respiração autônoma do feto. Se não flutuam, passa-se à segunda fase, que consiste em separar-se os pulmões das demais vísceras. Se ele flutua por inteiro ou à meia-água e os outros órgãos continuam no fundo, está comprovada a respiração autônoma da criança. Se os pulmões permanecem no fundo, passa-se à terceira fase, em que são cortados, no interior do líquido, vários fragmentos de pulmão e observa-se seu comportamento. Se alguns fragmentos flutuam, a fase é considerada positiva, mas se todos os fragmentos continuam no fundo, a fase é negativa, passando-se, então à quarta e última fase, que consiste em se comprimir, com o dedo, alguns desses fragmentos que estão no fundo do vaso, contra as paredes do recipiente. Se ocorrer o desprendimento de finas bolhas gasosas misturadas com sangue, é esta fase considerada positiva. Caso contrário, é negativa. ( FRANÇA, p. 242) Além das docimásias respiratórias, também são utilizadas as docimásias não respiratórias. Podem ser a docimásia alimentar, uma pesquisa de traços de alimentos ou outras substâncias absorvidas pelo neonato, ou a docimásia auricular de Vedren, baseada na pesquisa de ar na caixa do tímpano, docimásia siálica, busca de saliva no estômago, entre outras. 3.4.3. Perícia e o estado puerperal: Em relação à perícia para a constatação do Estado puerperal, diz o julgado: INFANTICÍDIO. ESTADO PUERPERAL. PRESUNÇÃO - O fato de não ter sido constatado pelo exame pericial, por ter sido o crime conhecido muito tempo depois, não impede o reconhecimento do estado puerperal, que deve receber uma interpretação suficientemente ampla, de modo a abranger o variável período puerperal, que não é privativo da primípara. (TJSP - Rec., rei, Desembargador Bandeira de Mello, RT 531/318). Portanto a perícia realizada para se comprovar o ponto crucial, a existência ou não do estado puerperal na parturiente no momento da execução delito é um grande desafio. De forma que, a avaliação pericial ainda reveste-se, lamentavelmente, de grande dificuldade, pois devido à transitoriedade dos sintomas referentes ao transtorno do estado puerperal, muitas vezes no ato de execução pericial, os sintomas do mesmo já desapareceram. Tão desafiadora é esta questão, a ponto de muitas vezes, devido a não constatação sintomática, utilizar-se-á a justiça do in dúbio pro reu, em decorrência da dúvida quanto à comprovação da elementar, a fim de beneficiar a parturiente. 4.0. Sobre a imputabilidade: A capacidade de imputação ou o afastamento da culpabilidade são fatores interessantes. A doutrina costuma dividir o estado puerperal em três níveis, com intuito de se saber até onde vai incidir a culpabilidade da agente. São eles: o mínimo, médio e máximo. Quando a parturiente dar causa à morte de seu filho influenciada pelo estado puerperal em grau médio, efetivamente o delito é de Infanticídio. Não excluindo com tudo, a possibilidade de, se a parturiente, por estar afetada psicologicamente, não teve a total capacidade de entender o caráter ilícito, ser reconhecida como uma semi-imputável, aplicando-lhe a diminuição da pena. Assim dispõe Regis Prado (2002), "é possível o reconhecimento da influência do estado puerperal e também da inimputabilidade ou da semi-imputabilidade da parturiente, conforme for o caso." (p.216). Quanto ao grau máximo do estado puerperal da parturiente, se em virtude de perturbação psicológica intensa, provocar morte do seu filho poderá ser tratada como inimputável, afastando a culpabilidade e consequentemente a infração penal, de acordo com o artigo 26, caput do CP. Criticável é a postura de Greco (2008) ao afirmar: "Se a parturiente, embora em estado puerperal, considerado em grau mínimo, não atua, por essa razão influenciada por ele, e vem a causar a morte de seu filho, durante ou logo após o parto, deverá responder pelo delito de homicídio." (p.219). Afirma o autor, que o Código Penal adota a consideração do estado puerperal a partir do grau médio. O que é incompreensível, pois se existe uma perturbação, anormal, psicótica, provinda de um estado puerperal, mesmo que mínima, é o que conseguintemente levará a mãe a provocar um ato violento contra seu filho, por isto, claro que em benefício da agente caracterizar-se-á o Infanticídio. Porém, se a parturiente comete o assassinato de seu filho recém nascido, sem que tenha havido a importante influência do estado puerperal, agindo ou não, com crueldade e frieza de cálculo, não se pode pensar na aplicação do art. 123, pois se caracteriza o delito de homicídio, sendo aplicado o art. 121 do Código Penal. 4.1. A problemática da co-autoria: Existem casos em que o autor do crime de Infanticídio não agiu sozinho, praticando o crime com a ajuda de terceira pessoa. Isto é um problema exaustivo, pois mesmo sendo um crime próprio, admite-se o concurso de agentes. Aí surge a discussão sobre a incidência do art. 30 e se quem de alguma maneira contribuiu para o infanticídio irá responder pelo artigo 123 ou pelo artigo 121. Vários doutrinadores entendem ser o estado puerperal uma condição personalíssima, portanto incomunicável. Sendo assim, não deveriam ser aplicadas as regras dispostas nos artigos 29 e 30 do Código Penal, respondendo o terceiro por homicídio. Embora a doutrina classifique o Infanticídio como um homicídio privilegiado, não se figura como um parágrafo do artigo 121, sendo um tipo autônomo no artigo 123. Desta forma, tudo que estiver descrito em seu tipo será considerado como elementar, e não como circunstância, sendo que os termos do artigo 30 irão dessa maneira se comunicar ao co-participante. Somente se o delito de infanticídio fosse previsto como um parágrafo no artigo 121, fazendo com que seus dados fossem considerados circunstâncias a regra deixaria de se comunicar aos co-participantes. Porém não sendo essa a opção legislativa, todos aqueles que, juntamente com a parturiente, praticarem atos de execução contra a vida do infante, tendo o conhecimento de que esta estava sob influência do estado puerperal, serão beneficiados com o reconhecimento do Infanticídio. Diante do exposto, verifica-se que não há como fugir à regra do artigo 30. 4.2. Outros aspectos: Existe uma pequena confusão referente à conduta de infanticídio, descrita no art. 123 e conduta descrita no art. 134, § 2º, do CP. Por exemplo, uma mulher sob a influência do estado puerperal, abandonou seu filho recém nascido em um matagal, estando este exposto a uma situação que poderá lhe causar a morte. Incidência do 123 ou do 134, § 2º? Primeiro dever ser examinado o elemento subjetivo. Para configurar o crime do art. 134, é necessário que a agente com o dolo de dano, queira ver-se livre do bebê, sem, contudo desejar a sua morte, embora aceitando colocá-lo em uma situação perigosa. Sendo que, o resultado morte, agravaria culposamente sua pena, por ter sido previsível, jamais querido, sequer aceito o resultado. Já para a configuração do infanticídio, é necessário averiguar se a mãe, sob a influência do estado puerperal, abandonando seu filho em local ermo, tinha o dolo direto ou eventual, ou seja, a vontade de obter o resultado morte, sobrevinda em consequência do abandono. Agora, imagine a possibilidade de a parturiente matar um recém nascido de terceira pessoa, supondo-o seu. Nesse caso, de acordo com o § 3º do art. 20 do CP referente ao erro quanto à pessoa, a parturiente responderá pelo crime de infanticídio e não de homicídio, pois não serão consideradas as condições ou qualidades da vítima, mas sim as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime. 5.0. Conclusão: Na evolução do Direito Penal surgiram diversas concepções sobre o valor do homem e sua dignidade, fazendo com que fossem reexaminadas as sanções penais abusivas. A pena como castigo, para causar o sofrimento, foi perdendo espaço para uma sanção penal preventiva, ressocializadora e reeducativa, que ganha cada vez mais força. Não diferente, práticas cruéis e violentas aplicadas ao Infanticídio também foram abolidas. Sendo que sua sanção penal transmudou-se para penas mais humanitárias. Hodiernamente, o Direito Penal em seu artigo 23, abraça conceitos modernos e adequados à sociedade de seu tempo. O Código Penal vigente abandonou conceitos de honra e prenhez ilegítima, adotando critérios psicobiológicos, relacionados com a dinâmica de eventos influenciados pelo período de Puerpério no psiquismo feminino. Desta forma, o Código traz para o Infanticídio uma espécie de homicídio privilegiado calcado na influência do Estado puerperal, e então a pena é abrandada podendo ser cumprida em regime semi-aberto ou aberto. A evolução penal foi mudando seus conceitos, obedecendo à dinâmica efervescente da vida humana. No entanto, a respeito do artigo 123 e da prática da mãe infanticida existe na sociedade um clamor avesso à idéia existente na lei penal. Pois a sociedade vê neste tipo de crime uma conduta criminosa extremamente reprovável, por se tratar da ocisão da vida de um menor, recém nascido, alguém extremamente dependente de cuidados. Porém, não se pode perder de vista a dignidade humana da parturiente que não se encontrava em estado normal no momento da ação ou omissão. Portanto, é justificável com base neste princípio o abrandamento da pena, permitindo que não se vislumbre o preconceito, ainda a ser superado. Desta forma, é errada a afirmação de que o Código Penal Brasileiro enxerga o Infanticídio apenas sob a ótica da mãe agente, esquecendo-se de tutelar com mais severidade a vida do infante nascente ou neonato. Já que o grande desafio do Direito Penal é justamente abrandar a severidade, sendo que a evolução de penas mais gravosas para penas mais humanas não deve parar de prosseguir. Assim a lanterna do Direito Penal deve iluminar os princípios fundamentais constitucionais, entre eles a dignidade da pessoa humana, de modo que o sistema jurídico penal deve ser compatível com estas garantias constitucionais. Como uma espécie de correlação íntima. Zaffaroni inclusive acredita ser o Direito Penal um verdadeiro apêndice do Direito Constitucional. Portanto o nosso Código Penal, jamais deixou de creditar a vida do infante como um bem jurídico merecendo proteção. No entanto, também não pode asseverar uma pena já abrandada com intuito de também tutelar a mulher que não reagiu a seus instintos devido a um colapso emocional extremamente incontrolável. Isto feriria o seio da Constituição. Sem dúvida, existem muitas controvérsias em relação à estrutura do tipo penal, assim como em relação ao ponto de vista tanto jurídico quanto médico-legal em relação ao Estado puerperal. Porém, não há de se falar mais em um motivo honoris causae, pois seria um grande retrocesso jurídico e social, estabelecer novamente, somente um critério psicológico, não mais condizente com a realidade da sociedade moderna. Necessário seria um enfoque maior sobre o estado puerperal, atentando-se às práticas periciais que fossem mais positivas. Pois, por ser o Estado puerperal um critério de difícil precisão devido às práticas periciais não adequadas, o que mais se verifica nos Tribunais, é a aplicação do motivo da honra como justificativa plausível, e ainda a aplicação do princípio do favor inocentiae, privilegiando mulheres que não estavam sobre a influência do estado puerperal, mas que foram agraciadas com a pena mais amena do homicídio. Por fim, à luz da razão, a parturiente que comete ato que venha influenciar sobre a morte de seu filho, e que estava acometida por um estado irracional, o chamado estado puerperal, decerto não pode ter a capacidade plena de imputação. Por isto é que o tipo do Infanticídio, no artigo 123, veio abrandar a pena, pois aparentemente esta mulher é uma homicida, no entanto ela também de certa maneira, foi vitimada por transtornos que estavam fora de seu controle. Assim, o Direito Penal nada mais fez do que respaldar no seu artigo 123 um modelo jurídico norteado pelos princípios que respeitam o homem em sua condição, em sua dignidade, sem olvidar, no entanto, do interesse comum, que é a proteção do bem jurídico: vida, no caso em tela a vida do Infante. O raciocínio ratifica-se com as palavras de Canotilho (2003), quando diz que, "os Direitos fundamentais têm como primeira função defender a pessoa humana e a sua dignidade perante os poderes do Estado" (p.1173). Portanto, conclui-se que acima de qualquer juízo de valor da sociedade, deve a força normativa do princípio da dignidade da pessoa humana dotar-se da característica imperativa, impondo-se como preceito de validade absoluto, afim de regular as relações entre os homens, cidadãos e o Estado. Referências: BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das Penas, Tradução de Torrieri Guimarães, São Paulo: Editora Martin Claret, 2002. CANOTILHO, J.J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7 ed., Coimbra: Livraria Almedina, 2003. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, volume 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos. 8 ed. São Paulo. Saraiva, 2008. COSTA, Pedro Ivo Augusto Salgado Mendes. A Problemática do Infanticídio enquanto tipo autônomo. Jus Navegandi. Disponível em: http: // WWW.jus.com.br/doutrina. Acessado em 25 de outubro de 2009. DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. São Paulo. Martin Claret, 2003. 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