Na Farsa de Inês Pereira, os costumes de uma época são expostos com intenção de crítica. A heroína, Inês, embora pertencente à classe popular, sonha com um marido discreto. Repele Pero Marques, filho de um camponês rico, e casa-se com Brás da Mata, um escudeiro que a mantém em cativeiro doméstico. O marido, porém morre, e Inês, ensinada desta vez, pela experiência, casa-se com Pero Marques, mas não deixa de aceitar a corte de um ermitão. Como cúmulo da crítica, é o novo marido quem a leva ao ermitão, atravessando um rio com ela às costas. É essa atitude que dá o tema para a farsa, pois é retirado do provérbio popular mais vale um asno que me carregue, que um cavalo que me derrube.

Evidencia-se na história, a divisão dos homens em duas categorias sociais: de um lado, o indivíduo sem cultura e sem atrativos masculinos, representados por Pero Marques e do outro, o homem corajoso, pertencente à classe dos cavaleiros tendo inicialmente, como figura representativa, o escudeiro Brás da Mata. É diante dessas categorias masculinas que a figura simbolizada por Inês-mulher demonstra, ao mesmo tempo, os padrões de uma sociedade e os ideais femininos quanto a um futuro marido.      

O discurso se dirige alegremente, denunciando enumeráveis defeitos de atitudes e comportamentos, sobretudo por ter em conta o papel fundamental da ironia. A proposta desta farsa, além de promover o riso, também ridiculariza valores degradados. Entretanto, no intuito de também educar o comportamento social, é mediante a proposta de expor a realidade, que Gil Vicente também procura sugerir ao público, os rumos que segue a sociedade daquela época, demonstrando o que convém ser modificado, avaliado ou adequado, já que é concedido à platéia o direito de julgar e avaliar o sentido da história.