Nos últimos tempos, rumores inerentes à criação de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) com alíquota de 0,1% para servir de suporte à aprovação da Emenda 29 preocupam os brasileiros.

O novo projeto visa que a cada movimentação financeira, o contribuinte pagará a alíquota do tributo em questão, fazendo com que o dinheiro seja tributado mais de uma vez.

Este ato é por si só, inconstitucional.

Analisando-se estritamente a legislação brasileira, a CIDE, nas condições em que foi criada, tem evidente natureza de imposto, tendo sido "disfarçada" de contribuição de intervenção no domínio econômico, a fim de esquivar a tributação incidente sobre operações, ou seja, majorando a alíquota do IRRF pela via indireta, o que é defeso pelo nosso Sistema Tributário Nacional.

A inconstitucionalidade decorre mais uma vez quando, ocorrendo a existência do tributo, a receita gerada não terá aplicação à saúde, pois esse setor está circunscrito ao capítulo da Ordem Social na Constituição Federal de 1988, nesse sentido, a CIDE só poderá ser utilizada dentro dos dispositivos da Ordem Econômica, e ainda assim, quando existir evidente descompasso na área, no mais, cabe lembrar que os tributos que sustentam o Estado partem de uma cláusula pétrea. Só nova Constituição poderia reverter o quadro.

Outro ponto crucial relacionado à constitucionalidade da CIDE, diz respeito à sua finalidade, posto que, após cobrada e arrecadada, obrigatoriamente, deve ser destinada à re-equilibrar o domínio econômico, e esta contribuição financia o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para Apoio à Inovação, o que não significa intervenção alguma no domínio econômico.

A CSS (Contribuição Social da Saúde) tem empecilhos jurídicos e pode ser considerada inconstitucional, pois a Constituição Federal determina que as contribuições sociais não podem ser cumulativas, portanto a cobrança sobre movimentação financeira contraria essa determinação legal.

Além dos impedimentos por ora citados, deverá existir verificação se constará no texto legal, clareza no que se refere à destinação dos recursos arrecadados.

Toda contribuição social, também segundo a Constituição, deve ter todo o dinheiro arrecadado destinado exclusivamente à saúde ou à Previdência, dependendo do que for definido na sua criação, o que possibilita dizer que se a proposta der margem à possibilidade da utilização do dinheiro arrecadado ser usado para outros fins que não a saúde, a legalidade da CSS também poderá ser contestada.

Não existe possibilidade de criação de tal tributação por lei complementar vinculada á área da saúde, tributária por usar o aumento da arrecadação federal para custear a Emenda 29 seria a solução jurídica para tanto, pois assim estaria vinculada ao excedente e não à novidade.

Neste sentido, já se manifestou o Poder Judiciário opinando que admitindo tratar-se de uma contribuição, o seu fato gerador e a sua base de cálculo devem ser determinadas através de lei complementar, conforme prevê a Constituição Federal nos artigos 146, 154, I e 195, §4º, e não por meio de lei ordinária.

Para o constitucionalista João Antônio Wiegerinck, trata-se de um "continuísmo absurdo" da CPMF.

A existência do ato em questão, incide em dupla tributação, e neste sentido, sustentam os juristas que a motivação do ato, ou seja, o déficit da saúde é considerado como problemática decorrente de improbidade administrativa, e não inerente à falta de arrecadação.

O novo tributo seria, contudo, realizado em desacordo com a lei que dispõe sobre a criação da CIDE, que prevê três finalidades:

Subsidiar os preços do transporte de álcool, combustíveis, gás natural e derivados;

Financiar projetos ambientais relacionados à indústria do petróleo e do gás;

Subsidiar os programas de infra-estrutura de transportes.

Para gastá-la, é obrigatório ter um projeto aprovado pelo Orçamento.

Considerando as graves deficiências do País nas áreas educacionais, segurança pública e transporte, o povo brasileiro viveria dias de "caos" diante a possibilidade de dupla tributação a cada um desses setores.

A base governista discute a hipótese para não depender de uma proposta de emenda constitucional, que exige quorum qualificado de três quintos - ou seja, a aprovação de 308 deputados e 49 senadores. Enquanto isso, a CIDE precisaria apenas da maioria absoluta - 257 deputados e 41 senadores.

Aprovada pela Câmara dos Deputados, a regulamentação da emenda determina que a União deve aplicar em saúde volume de recursos resultante da variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB), a soma de todas as riquezas produzidas no país. Para os estados, a determinação é investir 12% do orçamento e para os municípios, 15%.

Desta forma, a regulamentação da Emenda Constitucional 29 define a responsabilidade dos governos federal, estaduais e municipais com os gastos na saúde.

Aponta os dados do Tribunal de Contas da União, que alguns Estados destinam apenas 4% de seu orçamento à área da saúde, outros um percentual equivalente a 6%, enquanto preceito legal ordena percentual equivalente a 12%. Apenas dez estados destinam esse montante, o restante, descumpre as regras. Em mesma conclusão, o TCU (Tribunal de Contas da União) que desde 2005 monitora os gastos do governo com a CIDE, através da Secretaria de Macroavaliação Governamental apontou, dentre as diversas irregularidades, pagamento de despesas alheias à destinação constitucional e a permanência do dinheiro da CIDE nos cofres públicos.

Desde então, o TCU publicou um acórdão em que o governo se compromete a cumprir as regras.

O governo conseguiu aprovar a regulamentação na Câmara depois de aceitar repassar, nos próximos quatro anos, R$ 24 bilhões adicionais para a saúde - R$ 4 bilhões em 2008, R$ 5 bilhões em 2009, R$ 6 bilhões em 2010 e R$ 9 bilhões em 2011.

A proposta inicial era liberar R$ 23 bilhões extras para o setor nos próximos quatro anos, por meio de escalonamento e usando mais dinheiro da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). O orçamento de 2008 da União prevê R$ 47 bilhões para a saúde, além dos R$ 4 bilhões fechados no acordo com os deputados.

Além de definir mais recursos para o setor, a regulamentação define onde o dinheiro deve ser gasto, pois a maioria dos Estados e alguns municípios computam, contabilizam como gastos em saúde gastos com pagamento de aposentados, gastos com merenda escolar ou gastos com saneamento, no caso de municípios com mais de 30 mil habitantes. A Emenda 29 avança porque estabelece com muita clareza o que é permitido contabilizar como gasto em saúde, neste mesmo sentido, pronunciou o ministro da Saúde, José Gomes Temporão.

Para tanto, o projeto de lei complementar que regulamenta a emenda precisa ser aprovado pelo Senado.

Note-se que o objetivo desse trabalho não é repisar o critério de validação finalística das contribuições especiais (sociais, interventivas e corporativas) previstas no art. 149 da Constituição.

Almejou-se aqui, trazer à baila as chamadas contribuições de intervenção no domínio econômico e propor uma definição quanto à sua hipótese de incidência e sua finalidade, o conceito aberto de intervenção no domínio econômico, através de uma interpretação sistemática do texto constitucional, embrenhando-nos na seara do Direito Econômico e frisando-se alguns aspectos peculiares dessas espécies tributárias que, inclusive, afastam-nas em certo grau das demais contribuições especiais.

Como resta claro, o estudo da intervenção no domínio econômico mediante contribuições interventivas conduz, indesviavelmente, a uma análise da relação entre as finalidades constitucionalmente albergadas e os meios de que dispõe o Estado para sua consecução.

Tal processo não deve prescindir do devido exame dos princípios consagrados na Constituição, e, no contexto atual do Estado Democrático de Direito, deve ser temperado com o princípio da proporcionalidade - a aplicação desse princípio busca a efetivação dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais (concordância prática) e a vedação ao arbítrio das medidas estatais.

Referências

BELLAN, Daniel Vitor. Contribuições de intervenção no domínio econômico. In Revista Dialética de Direito Tributário nº 78. São Paulo: Dialética, 2002, pp. 15/34.

PINTO, Bilac. Estudos de direito público. Rio de Janeiro: Forense, 1953. p. 73.

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, 307p.

PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Contribuições de intervenção no domínio econômico. Dialética. São Paulo. 2002. 143p