O programa Ciência sem Fronteiras foi instituído para aumentar a inserção do país no cenário mundial, consolidar e internacionalizar a ciência, a educação e tecnologia brasileiras, trazendo-lhes inovação e competitividade. A efetivação é possibilitada pelos Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Educação (MEC), juntamente com as instituições de fomento CNPq e CAPES, e prevê a concessão de 101 mil bolsas em quatro anos, para que alunos de graduação e pós-graduação das áreas tecnológicas façam estágio no exterior, mantendo contato com sistemas educacionais de alta qualidade. No entanto, fomos surpreendidos com a notícia de que em 13 de setembro último, a Universidade de Southampton, no Reino Unido, reclamou formalmente da falta de empenho nos estudos de muitos bolsistas brasileiros, cogitando inclusive "deixar de oferecer estágios para estudantes no futuro", e que tem sido “decepcionantes os seus resultados, por falta de esforço e cumprimento dos compromissos firmados”. Uma das bolsistas declarou não merecer este comunicado, porém concordando que seus colegas estão completamente sem supervisão ou aconselhamento acadêmico, e que isso tem favorecido o abandono das atividades e a irresponsabilidade de alguns. O programa já havia iniciado com controvérsias, com a facilitação do exame de língua estrangeira para os concorrentes, pela constatação de que poucos alunos brasileiros efetivamente poderiam participar, caso o nível normal de proficiência fosse mantido. Nesta época, os gestores do programa adotaram duas medidas: uma perfeitamente razoável, criando cursos de inglês, presenciais e à distância, em convênio com universidades brasileiras e estrangeiras, na tentativa de ajudar os candidatos a atingir o nível mínimo de habilitação; outra, fantasiosa e voluntarista, de “flexibilizar” os critérios de avaliação deste item para obtenção das bolsas. O sistema educacional brasileiro é paternalista, ao contrário daqueles de vários outros países, nos quais o aluno não é fiscalizado, mas educado para a responsabilidade, o diploma não é obtido sem a comprovação de real merecimento, e o estudante pode ser desligado da instituição se não atingir seus níveis mínimos de exigência acadêmica. Muitos brasileiros, sentindo-se livres em país distante, sem cobranças aparentes, comportam-se como em viagem de turismo, como se bastasse ter estado no exterior, adquirido alguma cultura geral e aprimorado o idioma para ingressar no maravilhoso mundo cosmopolita. Até o final dos anos 1980 o Brasil era renitentemente monoglota. Poucas pessoas tinham fluência em um segundo idioma, e muitas destas alavancaram carreiras em empresas multinacionais com o acesso obtido apenas por entender e se fazer entender por chefes estrangeiros. Era o tempo em que “experiência internacional” quase sempre se limitava a um curso de idiomas. A globalização da economia mudou bastante o panorama, hoje a “segunda língua” é pré-requisito comum, vantagem competitiva está em dominar a terceira ou a quarta. E apenas isso não basta, a exigência é também de dedicação e conhecimento na área profissional, principalmente para bolsistas em cursos e estágios no exterior, pagos com dinheiro público. A imagem de país solar, pleno de música e futebol parece nos bastar, embora vários dirigentes universitários tenham se pronunciado sobre o despreparo de inúmeras de nossas instituições para a efetivação do Ciência sem Fronteiras, e a necessidade de um trabalho conjunto para identificação dos problemas impeditivos à sua plena realização. *Wanda Camargo é educadora e assessora da presidência das Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil.