O PROCESSO DE INCLUSÃO DAS PESSOAS SURDAS.

Desde a Declaração de Salamanca, em 1994, passou-se a considerar a inclusão dos alunos com necessidades especiais em classes regulares, como a forma mais avançada de democratização das oportunidades educacionais.

O processo de inclusão social é assim percebido por SASSAKI (2003),

[...] um processo bilateral no qual as pessoas, ainda excluídas, e a sociedade buscam, em parceria, equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos.

Sassaki afirma ainda que a inclusão é um processo que contribui para a construção de um novo tipo de sociedade através de transformações nos ambientes físicos e na mentalidade de todas as pessoas, ou seja, ate mesmo do próprio portador de necessidade especial.

O advento do Estatuto da Criança e do adolescente – ECA (Lei Federal nº 8069/91), no qual imputa ao estado e a família o acesso e permanência da criança e do adolescente à escola, como direito fundamental e alienável, possibilitou o embasamento legal para o acesso e permanência deste educando no contexto educacional.

Apesar do intenso processo de inclusão historicamente vivenciado, poucas ações são percebidas e encontradas no que diz respeito ao exercício da inclusão.

A política de inclusão de alunos especiais, e em questão dos alunos surdos, não consiste apenas na permanência física destes junto aos demais educandos, mas representa a ousadia de rever concepções e paradigmas, bem como desenvolver o potencial dessas pessoas, respeitando suas diferenças e atendendo suas necessidades.

Neste contexto, a principal forma de assegurar a legitimidade da inclusão das pessoas surdas nos diversos cenários sociais é através de sua língua.

Para Quadros (2004), As línguas expressam a capacidade específica dos seres humanos para a linguagem, expressam as culturas, os valores e os padrões sociais de um determinado grupo social.Essa capacidade lingüística é assegurada aos surdos pela língua de sinais, e efetivada nos seguimentos sociais pelo profissional interprete de Libras.

Iniciativas de valorização da língua de sinais , já se configuram como fator fundamental para o desenvolvimento pedagógico adequado das pessoas surdas no aspecto que diz respeito à comunicação. O intérprete de sinais, neste sentido, é uma conquista. Sobre isso, afirma Fernandes (2003) que garantir a presença do intérprete em sala de aula é um passo importante, mas insuficiente para suprir a passagem do conteúdo escolar para surdos, mesmo que estes dominem a língua de sinais. Para ela, todos os procedimentos que envolvem o planejamento e as estratégias de ensino e de aprendizagem precisam ser levados em conta, tendo em vista um ensino de qualidade.

O processo de inserção do profissional intérprete de Língua de Sinais encontra-se, ainda, em fase de aprimoramento. Os ambientes escolares detêm expressivo contingente desta mão de obra, porém, a partir daí um leque de oportunidades vem sendo vislumbrado para que outros campos e seguimentos sociais sejam atendidos.

Incluir não é apenas colocar junto, o processo de inserção de portadores de necessidades especiais nos diversos seguimentos da sociedade, transcende as questões educacionais e familiares para um patamar dantes pouco explorado.

A inclusão social é a grande marca dos novos tempos, permitir o acesso e a permanência destas pessoas é fator primordial para uma sociedade justa e com oportunidades iguais para todos.

O MUSEU GOELDI E O CLUBE DO PESQUISADOR MIRIM

No centro da capital paraense está situada uma das mais antigas instituições de pesquisa científica do Brasil, o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), com 141 anos de história e contribuição cientifica para a região amazônica.

Além de um exuberante santuário da fauna e flora de nossa região, o MPEG destaca-se como centro de pesquisa nas áreas de ciências humanas, ciências da terra, zoologia e botânica; tais aquisições de conhecimento são constantemente disseminadas à comunidade em geral das mais diversas formas: exposições, oficinas, cursos, comunicações impressas entre outras, destacando-se a mais abrangente de todas denominada Clube do Pesquisador
Mirim
(CPM).

O Clube do Pesquisador Mirim, vinculado ao Serviço de Educação (SEC) do Museu Goeldi completou, em 2007, vinte anos de existência. O projeto tem como objetivo principal estimular e incentivar o interesse pela iniciação científica em estudantes do ensino fundamental (entre 3ª e 8ª série) do município de Belém e arredores. E a partir daí, oportunizar a crianças de todos os seguimentos sociais o acesso a conhecimentos muitas vezes restrito aos espaços acadêmicos e científicos, mas adaptado ao universo infantil.

Sempre no inicio de cada ano, são apresentadas à comunidade as pesquisas desenvolvidas pelas crianças no ano anterior, a culminância destas atividades coincide com a oferta de novos temas a serem pesquisados, todos abordando assuntos referentes à realidade amazônica: a fauna, a flora e o homem da região.

Nos grupos, as crianças são convidadas a desvendar os mistérios da região amazônica de maneira dinâmica e interativa: jogos, gincanas, dramatizações, pesquisas de campo, entrevistas, conversa com pesquisadores, visitas técnicas aos diversos setores do MPEG, além da fundamentação teórico-bibliográfica.

O projeto é de reconhecida relevância no contexto social, visto que muitos dos ex-pesquisadores mirins acabam por se deixar influenciar, positivamente, na escolha de carreiras profissionais alusivas as temáticas trabalhadas no Clube.

O Clube do Pesquisador Mirim é formador do homem amazônico que é estudado em seus temas, a criança que ingressa no fantástico mundo dos ecossistemas, da biodiversidade, dos aspectos culturais e do meio ambiente,transforma-se em um defensor de nossa riqueza natural e disseminador das informações cientificas que adquire no decorrer de suas pesquisas. Conhecimento científico aliado a formação de cidadania é a aula que o CPM ministra aos seus multiplicadores.

O sucesso desta iniciativa é atribuído ao caráter inovador e diferenciado de suas atividades e estratégias metodológicas. Neste sentido, desafios são sempre bem vindos em um grupo que está sempre disposto a mudar paradigmas.

A INCLUSÃO DE ALUNOS SURDOS NO CLUBE DO PESQUISADOR MIRIM

Uma experiência pioneira e bem sucedida no ensino de ciências para pessoas com necessidades especiais foi realizada no Clube do Pesquisador Mirim, iniciativa do Setor de Educação do Museu Goeldi desde fevereiro de 2007, um trabalho pioneiro na região.Tal iniciativa advém do fato de que até então, com dez anos de história, o CPM não chegou a desenvolver atividades com alunos portadores de necessidades especiais, este quadro modifica-se com a aprovação de uma bolsa de pesquisa PCI – CNPq intitulada "Deficientes auditivos no Clube do Pesquisador Mirim: estudo de caso". A pesquisa tem por objetivo avaliar as condições do Projeto Clube do Pesquisador Mirim em atender estudantes surdos do Ensino fundamental, identificando possíveis lacunas que estejam dificultando a inclusão social desse grupo.

A proposta de inclusão objetiva oportunizar, por meio da Língua Brasileira de Sinais, a iniciação científica destas crianças e identificar quais as principais dificuldades encontradas para que esta inclusão seja efetiva. Uma das primeiras dúvidas era quanto a receptividade das crianças ouvintes que também fazem parte da turma; dúvidas quanto a exclusão nas atividades, descaso com os colegas, desânimo para realização das tarefas propostas entre outros aspectos.

O que foi notado após um ano de pesquisa é que muito além do que aceitar as diferenças, o grupo acolheu de braços abertos o aprendizado diário da Língua de Sinais em concomitância com as pesquisas realizadas no Parque Zoobotânico do MPEG.

Com atividades adaptadas às peculiaridades do educando surdo, o grupo "Os Bastidores da Fauna do Parque Zoobotânico" desenvolveu suas pesquisas de maneira satisfatória. Nas visitas técnicas, as crianças – em trios – desempenhavam o papel de guias, auxiliando a instrutora e também intérprete de Língua de Sinais na realização das atividades.

O grupo fez o levantamento de dados referente ao histórico de vida dos animais que vivem no Parque Zoobotânico do Museu Goeldi, assim como catalogação dos sinais de alguns animais do parque que não possuíam representação em Língua Brasileira de Sinais. Assim, conversando com funcionários, técnicos e demais profissionais do setor de veterinária e do serviço de educação do Museu Goeldi as crianças fizeram um registro da origem de quinze das principais espécies que habitam o Parque. A cargo do grupo de crianças surdas foi creditada a função de acompanhar este registro e "sinalizar" os animais, entre eles: ariranha, iguana, cutia,marreca cabloca e guará. Também foi repassado o sinal já aceito pela comunidade surda paraense, das outras espécies.

As dinâmicas de grupo, carro chefe das atividades do Clube do Pesquisador Mirim, foram totalmente adaptadas, mas não perderam o atrativo e o significado. No parque e nos encontros em sala, a interação daturma chamava a atenção de todos; surdos e ouvintes desenvolviam as atividades em conjunto, a barreira da comunicação não foi suficiente para afastá-los, com o auxílio da intérprete e com o interesse das crianças a cada dia, novas palavras (sinais) eram aprendidos e difundidos no grupo: "oi", "boa tarde", "tudo bem", "prestar atenção", "olhe", "me ajude", "obrigado", "amigo", foram um dos primeiros sinais assimilados pelas crianças e constantemente utilizados pelo grupo, ação que proporcionou ao final do ano, o entendimento significativo dos sinais utilizados pela instrutora/intérprete, o que veio a possibilitar uma melhor comunicação com qualquer criança surda. O compartilhamento de uma língua no processo pedagógico é de fundamental importância, visto que configura-se como um passo na construção de um universo cultural significativo para as crianças e primeiro passo para a inclusão efetiva nos diversos seguimentos sociais. Contribuindo para a formação educacional de indivíduos críticos e autônomos relações práticas e significativas são de fundamental relevância. Segundo Pequeno (2001), a capacidade de comunicação exige a compreensão da mensagem que o outro quer transmitir e, para tal, faz-se necessário o desejo de querer escutar o outro, a atenção às idéias emitidas e a flexibilidade para receber idéias que podem ser diferentes das nossas.

O ano de 2007 foi fundamental para a efetiva inclusão destes educandos, não apenas no projeto CPM, como também em todas as atividades vinculadas ao Serviço de Educação do Museu Goeldi.

Dentro do programa "Prazer em Ler" as crianças surdas tiveram a oportunidade de visitar espaços além dos muros da instituição, disseminando seu conhecimento científico e dando aula de convívio social. Juntamente com outras turmas do Clube do Pesquisador Mirim, o grupo de crianças surdas participou de atividades de incentivo à leitura tanto no Museu Goeldi, quanto nas instituições parceiras do Serviço de Educação.

Através da Língua de Sinais, o primeiro grupo inclusivo do CPM apresentou um coral intitulado "Cantando o sítio e encantando leitores", realizado em uma manhã de atividades educativas do Museu Goeldi. A Música de Gilberto Gil, "Sítio do Pica-Pau amarelo" ganhou uma versão em Língua de Sinais apresentada pelo grupo "Os bastidores da Fauna do Parque Zoobotânico" aos visitantes do parque e apresentou informações científicas e literárias dos personagens da reconhecida obra de Monteiro Lobato.

O trabalho detectou como o CPM veio a contribuir para o desenvolvimento das habilidades sócio-cognitivas destes educandos, segundo relatos dos responsáveis das crianças questões como: concentração, interesse nas atividades escolares, entrosamento com familiares e amigos foram notados com significativas melhorias.

Dentro da proposta do CPM, cada turma, no final do ano, produz em conjunto o protótipo de um jogo ou kit educativo referente ao tema de suas pesquisas denominado de "produto final", assim, no fim das atividades do ano uma espécie de formatura das crianças coroa a culminância das atividades desenvolvidas no decorrer do ano. Este material, confeccionado com qualidade e financiado por instituições parceiras e pelo Serviço de Educação do Museu Goeldi, é apresentado à comunidade em geral e fica como acervo da Biblioteca Clara Galvão no Museu Goeldi.

Assim, como resultado das pesquisas desenvolvidas no Parque Zoobotânico, o grupo inclusivo, a partir da catalogação do histórico de vida dos animais do parque e levantamento dos sinais em LIBRAS das espécies, produziu um Kit Educativo e uma cartilha intitulados "Fauna em Sinais". O material apresenta de maneira lúdica a origem dos animais do parque, nos textos o próprio animal se apresenta e fala das características da espécie e sobre a chegada

A presença de surdos no mais variados seguimentos da sociedade é fato consumado e respaldado por lei, escolas, órgãos públicos, empresas e demais locais já identificam a presença deste individuo em processo de inclusão social,porém, em nível de aprimoramento e iniciação científica ainda não há registros de atividades neste contexto, assim, este estudo tem como diferencial apresentar à comunidade surda, familiares educadores e demais profissionais como se pode assegurar a inclusão efetiva de alunos surdos, mesmo em ambientes antes restritos pelas amarras da segregação social como são os ambientes especificamente científicos.

Bibliografia

ASISS.F. Museu Goeldi uma casa de ciência na Amazônia. Belém, Museu Paraense Emilio Goeldi:CPM. 2007.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica. Brasília. 2001.

GUEDES, H. Visita aos bastidores do parque zoobotanico. Belém, Museu Paraense Emilio Goeldi:CPM. 2007.

MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI, Folha Mirim. ano 1. junho de 1999.

PEQUENO, Andréia Cristina Alves. Educação e família: uma união fundamental? In:

Espaço: informativo técnico-científico do INES, Rio de Janeiro, 2001, pp. 09-13.

QUADROS, R. KARNOPP, L.Língua de Sinais Brasileira: estudos lingüísticos. Porto Alegre – RS: ARTMED, 2004.

SASSAKI, R. Inclusão: construindo uma sociedade para todos.Rio de Janeiro: WWA.2003. 5ª edição.

SILVA, J. Pelos caminhos do Parque Zoobotanico do Museu Goeldi: ao encontro da história". Belém, Museu Paraense Emilio Goeldi:CPM. 2007.