Jhecika Stephany Pereira Guimarães


  1. 1.      INTRODUÇÃO

 

O crime de feminicídio pode ser conceituado em sentido amplo como sendo o homicídio de mulher em razão de seu gênero. Esse tipo incriminador se encontrava bastante tempo positivado em códigos penais estrangeiros e agora integra o ordenamento brasileiro.

 Depois de longas leituras sobre o assunto e verificando o impacto jurídico e mais ainda a relevância social do crime descrito acima, este trabalho tem como tema a ser estudado a (In) Constitucionalidade do crime de Feminicídio. E para que a confecção do referido estudo fosse possível, partiu-se do seguinte problema: A tipificação do Feminicídio no ordenamento jurídico brasileiro confirma a incidência das ações afirmativas?

Como hipótese para a solução do problema tem-se que a Lei do Feminicídio tem o escopo de proteger com maior amplitude as mulheres, visto que é inquestionável a sobreposição da força física do homem em face da mulher. Com a repercussão geral que o dispositivo causou, o feminicídio veio para reafirmar a crescente presença das ações afirmativas no Brasil.

O objetivo geral é efetuar uma análise crítica da aplicação das ações afirmativas em face do crime de feminicídio. E partindo para uma abordagem mais específica fazer um levantamento histórico da evolução dos direitos da mulher no ordenamento jurídico; estudar as ações afirmativas e discorrer sobre seus objetivos e analisar o crime de feminicídio e seus reflexos na legislação brasileira em consonância com as ações afirmativas.

A justificativa jurídica encontra respaldo em leituras de renomados autores como: D’Angelo, HEMANN e PASINATO que preocupados com os altos índices de violência contra as mulheres estudaram de forma aprofundada sobre o assunto e escreveram obras voltadas para a proteção dos direitos dessas mulheres, mesmo dentro de uma sociedade machista, como é a brasileira.

Já quanto à justificativa social o tema está intimamente ligado a sociedade como um todo, principalmente pelo repúdio que a consumação do homicídio em questão causa na sociedade. A luta pela igualdade em direitos para a mulher é um fator cultural, carregados de violentas opressões e repressões. Este estudo vem mostrar a evolução de uma conquista que mudará o rumo da vida de inúmeras mulheres que se encontram a mercê de uma sociedade machista.

  1. 2.      DESENVOLVIMENTO

 

O crime de feminicídio apesar de tipificado recentemente dentro do Código Penal Brasileiro é uma conduta delituosa que começou a ser discutida desde a década de 60. A Lei 13.104/2015 chamada Lei do Feminicídio foi sancionada pela presidente Dilma no dia 09 de Março por meio de um projeto apresentado pelo Legislativo que alterou o art.121 do Código Penal na qual o tipifica como crime hediondo. A sanção da referida lei foi um marco no que concerne os direitos das mulheres e reafirma a política da tolerância zero à violência de gênero.

Segundo HOFFMANN (2013, p.2) “A tipificação do feminicídio ainda visa impedir o surgimento de interpretações jurídicas anacrônicas e inaceitáveis, tais como as que reconhecem a violência contra a mulher como crime passional”.

 Usando como respaldo a leitura de obras de autores como FILHO, Manoel e D’ANGELO,Élcio , que se preocuparam em estudar os direitos das minorias e a importância jurídica e social das ações afirmativas, surge então a necessidade de estudar se de fato a tipificação do Feminicídio no ordenamento jurídico brasileiro confirma a incidência das ações afirmativas.

No livro Direitos Fundamentais das Minorias os autores Suzi D’Angelo e Élcio D’Angelo (2010) usaram a exposição do ex-ministro do STF Joaquim Barbosa acerca das ações afirmativas tratada em seu livro Ação Afirmativa e Princípio Constitucional (p.40, 2001) que disse:

Atualmente, as ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego.

Partindo da ideia central do que vem a serem ações afirmativas nota-se que os autores acima afirmam que as políticas públicas e privadas criam normas para dar proteção a uma parcela da sociedade que não recebe auxílio como merecem e são discriminadas por um grupo maior. No caso do feminicídio as mulheres são mortas por simplesmente integrarem o gênero “mulher”.

O principio da igualdade é considerado a base das ações afirmativas em consonância com os Direitos Humanos e suas garantias fundamentais. Conclui-se que é notória a aplicação das ações afirmativas no Feminicídio uma vez que pretende beneficiar um grupo específico na sociedade que se encontra em desvantagem em detrimento de outro.

Estas ações afirmativas tiveram origem nos Estados Unidos da América e hoje se difundiram pelo mundo, estando presentes no Brasil atual. São elas distinções no sistema normativo, em benefício de grupos determinados- negros, mulheres etc.-, que visam a equipará-los (igualá-los) a grupos outros que servem de padrão de referencia. [...] Levam em conta não os indivíduos isoladamente considerados, mas os grupos a que pertencem. (FILHO, p. 140, 2012)

Ao analisar a história sempre se percebeu a subjugação do homem sobre a mulher, pois esta era considerada frágil fisicamente a qual elevava o homem a um ser superior, devendo sempre ser observado suas vontades em detrimento da mulher. A luta destas mulheres por direitos é datada desde a Pré-História, contudo, foi a partir da Revolução Industrial que elas foram ganhando espaço na sociedade, uma vez que a elas já era permitido trabalhar nas fabricas desempenhando as mesmas funções dos homens.

Ainda que com os direitos igualitários entre os gêneros, avanço que para a época alcançou proporções gigantescas, a situação humilhante de sobreposição do homem em face da mulher continuou se arrastando por anos e os índice de violência não diminuiu ainda que com os direitos igualitários entre os gêneros. Então, a Secretaria de Política para as Mulheres da Presidência da Republica vem trabalhando no sentido de criar leis para punir aqueles que violentam e matam mulheres por questão de gênero.

A Lei 13/104/2015 não criou um novo tipo de crime, na verdade o que aconteceu foi a implementação de uma qualificadora no crime de homicídio, em que a morte de uma mulher por razões de gênero ou pelo menosprezo ou discriminação à condição de mulher deve ser punido de forma mais severa.

Impõe-se, assim, a formação de uma nova consciência política, uma forma diferenciada de encarar o problema, de tantas faces, de uma visão diferenciada dos governos e da comunidade. Se assim não for entendido, convém afirmas que a lei penal, por si só, não diminuirá, de forma alguma, a violência, de modo que seja ela suportável pelo homem e pela sociedade. (JÚNIOR; LEAL, p. 223, 2001)

 

                        Como respaldo para apresentar o Projeto de Lei foi realizado um estudo quantitativo de mortes de mulheres em situação de violência doméstica.

 

 O estudo realizado investigou apenas os óbitos. A violência contra a mulher compreende uma ampla gama de atos, desde a agressão verbal e outras formas de abuso emocional, até a violência física ou sexual. No extremo do espectro está o feminicídio, a morte intencional de uma mulher. Pode-se comparar estes óbitos à “ponta do iceberg”. Por sua vez, o “lado submerso do iceberg” esconde um mundo de violências não declaradas, especialmente a violência rotineira contra mulheres no espaço do lar. A obtenção de informações acuradas sobre feminicídios é um desafio, pois, na maioria dos países, os sistemas de informação sobre mortalidade não documentam a relação entre vítima e perpetrador, ou os motivos do homicídio. Por isso, foi feita recomendação para a inclusão de um campo na declaração de óbito (DO), visando a permitir a identificação dos óbitos de mulheres decorrentes de situações de violência doméstica, familiar ou sexual e o monitoramento destes eventos. (Höfelmann, Doroteia Aparecida; GARCIA, Leila Posenato).

Nota-se que a motivação do crime vem do ódio e repulsa que o agente sente pela vitima pelo fato da mesma ser mulher, e o encorajando ainda por ser mais forte fisicamente.

Analisando os incisos da Lei é importante ressaltar que o agente que figura no polo ativo do crime não é exclusivamente o homem, podendo ser qualquer pessoa que o cometa motivado pela razão do gênero, menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Muitos Senadores e Deputados Federais que componham a CPMICVM- Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência contra a Mulher e tal comissão tem como finalidade investigar violências praticadas contra a mulher e também a omissão do governo em proteger essas mulheres em situação de fragilidade.

O relatório apresentado pela Comissão trás os seguintes dados:

Por conseguinte, a CPMI nasce no contexto em que a mais grave forma de violência – o homicídio - aumentou nos últimos 30 anos. Conforme o Instituto Sangari, nos últimos 30 anos foram assassinadas no país perto de 91 mil mulheres, sendo que 43,5 mil só na última década. O número de mortes nesses trinta anos passou de 1.353 para 4.297, o que representa um aumento de 217,6%, mais que triplicando. Dentre os 84 países do mundo, o Brasil ocupa a 7ª posição com uma taxa de 4,4 homicídios, em 100 mil mulheres, atrás apenas El Salvador, Trinidad e Tobago, Guatemala, Rússia e Colômbia.

Muito se falou sobre a aplicabilidade real do feminicídio, alguns disseram que seria mais um crime tipificado no Código Penal e não alcançaria eficácia no âmbito jurídico. A preocupação era se o Judiciário ao analisar o crime conseguiria visualizar as nuanças do feminicídio, ou se de plano aplicaria o homicídio simples. Argumentaram que seria o mesmo caso dos crimes hediondos que não inibiu os agentes de os praticarem ainda que com a rigorosidade das penas aumentadas.

Felizmente, juízes em Comarcas como a do Rio Grande do Sul já marcaram várias audiências em que a tipificação é o feminicídio e muitos deles já estão com data para irem ao Tribunal do Júri. Ou seja, a tendência é de os Tribunais analisarem o caso concreto e aplicar a nova tipificação que em tese tem a mesma pena do crime de homicídio, mas podendo o juiz aplicar as agravantes que as alíneas da lei trouxeram.

Independentemente da posição por se criminalizar especificamente ou não o feminicídio, há consenso em relação à gravidade do problema e à necessidade de explicitá-lo, de torná-lo visível, para que seja conhecido e compreendido e, a partir daí, seja intensificada a sua prevenção. Isso, contudo, pede sensibilidade e mobilização social. A tarefa é por demais complexa para o Judiciário, que terá uma margem muito limitada de ação, já que a sua atuação é condicionada à existência do fato, ou seja, do crime. Não se pode esquecer que quando o Judiciário é chamado a atuar o bem jurídico já foi lesado. Às medidas preventivas, portanto, é que devemos dedicar a maior parte de nossa atenção. (BIANCHINI, p. 1, 2015)

Como bem disse a autora acima, o crime de feminicídio consuma-se pela prática reiterada de violências e abusos que a mulher sofre ao longo da vida, na maioria das vezes por seu companheiro, dentro do seio familiar. As medidas protetivas tem papel fundamental para impedir que o homicídio venha ocorrer.

A autora Leda Maria Herman trouxe em sua obra Violência Domestica e os Juizados Especiais Criminais (p.194, 2004) o pensamento dos autores Danielle Ardaillon e Guita Debert que concluíram:

 

a violência domestica é um crime que exige um enquadramento legal específico para permitir, por um lado, uma garantia imediata e uma proteção efetiva das mulheres que correm perigo de via e que e preciso criar mecanismo capazes de promover uma participação compulsória dos agressores em trabalhos educativos de conscientização e esclarecimento dos direitos da mulher.

 

Em suma, faz se necessário o governo aplicar de fato as medidas preventivas com o intuito de diminuir o número de mulheres mortas, e levar ao conhecimento dos agressores que caso consumem o crime de feminicídio, ou seja, a mulher venha a óbito por razão do gênero; menosprezo ou discriminação à condição de mulher, a eles serão aplicadas a pena do homicídio conjugado com as agravantes da qualificadora em tese.

 

 

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

BIANCHINI, Alice; MARINELA, Fernanda; MEDEIROS, Pedro Paulo. Debate sobre a criminalização do feminicídio expõe gravidade do problema. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2015-mar-08/debate-criminalizar-feminicidio-expoe-gravidade-problema > Acesso em: 31 de Maio de 2015.

BARROS, Francisco Dirceu. Estudo completo do feminicídio. Disponível em: < http://www.impetus.com.br/artigo/876/estudo-completo-do-feminicidio> Acesso em: 31 de Maio de 2015.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte geral. 16.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

BRASIL. Presidência da República. Lei n° 13.104, de 9 de Março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para prever o feminicídio como circunstancia qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1° da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13104.htm>. Acesso em 31 de Maio de 2015.

D’ANGELO, Élcio; D’ANGELO, Suzi. Direitos Fundamentais das Minorias. 1°ed. São Paulo: Anhanguera Editora, 2010.

FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Direitos Humanos Fundamentais. 14°ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

HEMANN, Leda Maria. Violência Domestica e os Juizados Especiais Criminais. 2°ed. São Paulo: Servanda, 2004.

GOMES, Luiz Flávio. Que se entende por femicídio? Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/31359/o-que-e-feminicidio#ixzz3Vm4SP8en>. Acesso em 31 de Maio. 2015.

Manual de metodologia científica do ILES Itumbiara/GO. Auriluce Pereira Castilho, Nara Rúbia Martins Borges e Vania Tanús Pereira (orgs.) – Itumbiara: ILES/ULBRA, 2014.

Secretaria de Políticas para as Mulheres Presidencia da República. Disponível em: < http://www.mulheresedireitos.org.br/publicacoes/LMP_web.pdf> Acesso em: 31 de Maio de 2015. 

SENADO FEDERAL. Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. Disponível em < http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=130748HYPERLINK "http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=130748&tp=1"&HYPERLINK "http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=130748&tp=1"tp=1>