(IN) APLICABILIDADE DO CONTRADITÓRIO NO INQUÉRITO POLICIAL 

1 INTRODUÇÃO 

O presente artigo tem como escopo verificar a aplicabilidade, ou não, do princípio do contraditório no que tange ao inquérito policial. Busca-se, a partir do entendimento majoritário acerca do tema proposto, firmar posicionamento sobre sua aplicabilidade ou inaplicabilidade em face do procedimento administrativo de persecução penal frente ao sistema inquisitivo, aos ditames constitucionais, além de outras questões de ordem prática.

Esta análise não pretende por termo final na discussão sobre o assunto, mas sim demonstrar o entendimento dominante concernente à matéria, nos posicionando, de modo sucinto, ao fim, acerca da possibilidade, ou não, da incidência do princípio do contraditório no âmbito do inquérito policial.

 

 

2 PRINCÍPIOS, CONCEITOS E CARACTERÍSITICAS

 

 

Na busca pelo deslinde do caso apresentado, faz-se imperioso, a princípio, esclarecer os conceitos envolvidos no problema. Uma vez que a partir de critérios predeterminados se tornará mais fácil a compreensão do tema.

 

2.1 Do Princípio do Contraditório

 

O princípio do contraditório tem seu alicerce na Constituição da República, constitui garantia fundamental do indivíduo, criada com o intuito de assegurar a preservação dos demais direitos conferidos pelo ordenamento jurídico.

Tal garantia confere aos litigantes, seja em processo judicial ou administrativo, a dialética argumentativa frente aos pontos levantados pela parte contrária a fim de viabilizar a condução da defesa, in verbis:

 

Art.5° [...]

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

 

A dialética posta entre autor e réu consolidada por intermédio da atuação do juízo (Estado), exercendo a condição de sujeito imparcial da relação processual, constitui condição necessária à defesa dos litigantes, sendo estes institutos jurídicos, intimamente ligados.

Logo, constata-se que o referido mandamento constitucional é garantia inerente de nosso ordenamento jurídico, de modo, a ser imprescindível sua aplicação nos processos judiciais ou administrativos.

 

2.2 Do Inquérito Policial

 

O inquérito policial, a seu turno, é classificado como procedimento administrativo destinado a persecução penal inquisitória no qual se culmina apurar a autoria e materialidade de uma determinada infração penal. Neste sentido, Fernando Capez (2006, p.72) afirma,em seu Cursode Processo Penal, que:

 

Inquérito policial é o conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação possa ingressar em juízo. 

 

Ainda elenca a mesma doutrina que são características do inquérito policial: necessariamente escrito, sigiloso, oficial, oficioso, inquisitivo, indisponível e de autoridade, eis que somente poderá ser conduzido pela autoridade de polícia judiciária.

Observa-se, desse modo, que o inquérito policial constitui fase pré-processual de averiguação da ocorrência de infração penal, suas circunstâncias e modo de execução, sendo todos os atos conduzidos pela autoridade policia judiciária. 

 

 

 

 

 

3 (In) Aplicabilidade do contraditório no inquérito policial

 

 

Pois bem. Posto os conceitos necessários ao entendimento do tema, passa-se a analisar os posicionamentos doutrinários. Aury Lopes Jr. e Rogério Lauria Tucci (1993, p.25) entendem que o princípio do contraditório será aplicado no âmbito do procedimento administrativo de investigação policial.

Para estes ilustres doutrinadores a Constituição da República ao estabelecer o contraditório tanto nos processos administrativos quanto judiciais, dispôs de modo claro acerca de sua incidência na fase da investigação criminal, eis que naquele momento lhe é feita uma imputação mesmo que genérica. A respeito deste assunto lecionou Aury Lopes Jr. (2009, p.318) que o contraditório é aplicado aos acusados em geral:

 

[...] aos acusados em geral, devendo nela ser compreendidos também o indiciamento e qualquer imputação determinada (como a que pode ser feita numa notícia-crime ou representação), pois não deixam de ser imputação em sentido amplo. Em outras palavras, qualquer forma de imputação determinada representa uma acusação em sentido amplo.

 

Em contraposição ao aventado pelos autores indicados acima estão os doutrinadores: Guilherme de Souza Nucci, Fernando Capez e Fernando da Costa Tourinho Filho. Segundo estes renomados professores o princípio do contraditório estaria afastado da seara do inquérito policial.

Fernando da Costa Tourinho Filho (2009, p.172), em sua brilhante lição de Processo Penal, ensina que a Constituição da República ao assegurar o contraditório no âmbito do processo administrativo não quis que esse princípio alcançasse o inquérito policial. De acordo com o autor, tal dialética somente seria garantida aos procedimentos administrativos da Administração Pública que visem apurar a ocorrência de infrações administrativas na conduta de seus agentes e administrados.

Ainda instrui o autor que o contraditório não incide na esfera da investigação penal, ou seja, em sua fase pré-processual, devido à ausência de litigantes naquele procedimento.

Assim, para esta parte da doutrinária, o inquérito policial seria procedimento administrativo inquisitivo, não submetido ao contraditório, eis que a indigitada garantia é própria do sistema acusatório que, no Direito brasileiro, vige somente na fase da instrução criminal.

Demonstrado os argumentos adotados pelas duas correntes tem-se que diante de todos os pontos suscitados por ambas, tenho por bem concluir que o inquérito policial consubstancia-se como peça informativa de cunho inquisitivo, não submetido à égide do contraditório.

A mais, como bem asseverou Fernando da Costa Tourinho Filho, no inquérito policial, em regra, não há litigantes. O procedimento se presta unicamente para apurar a autoria e materialidade do delito, ou seja, é meramente instrumento de formação da opinio delicti.

Em mesmo sentido, impossível seria discordar da garantia do contraditório no que se refere, exclusivamente, aos procedimentos que tenham como fim a punição de agentes ou administrados, pois, nesses casos, não se pode olvidar que em se apurando a culpa haverá punição, o que não acontece no inquérito policial.

  Deve-se ainda ressaltar que tanto é o inquérito policial de caráter inquisitivo que o próprio Código de Processo Penal, elenca em seu art. 155, que o juiz não poderá julgar as ações penais tendo como fundamento as provas recolhidas unicamente na fase da investigação policial. Ora, parece claro, que tal assertiva somente dá em função do caráter inquisitivo desse procedimento, pois caso houvesse contraditório, qual seria a razão para não semelhante proibição.

O Supremo Tribunal Federal, em caso análogo, já se pronunciou conforme o sustentado, de maneira a afirmar que o inquérito policial é peca unicamente informativa, destinada a auxiliar a propositura de ação penal por parte do Ministério Púbico ou do ofendido:

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. PRISÃO PREVENTIVA. FUGA DO DISTRITO DA CULPA. APLICAÇÃO DA LEI PENAL. DECISÃO FUNDAMENTADA. PRIMARIEDADE E BONS ANTECEDENTES. EXCESSO DE PRAZO. INQUÉRITO POLICIAL. CARÁTER MERAMENTE INFORMATIVO. DENÚNCIA QUE ATENDE AOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. DENEGAÇÃO DA ORDEM. [...]6. Ajurisprudência desse Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido de que "o inquérito policial é peça meramente informativa, não suscetível de contraditório, e sua eventual irregularidade não é motivo para decretação da nulidade da ação penal” [...] (BRASIL, STF, HC 99936 / CE – CEARÁ, HABEAS CORPUS, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Julgamento:  24/11/2009, Órgão Julgador:  Segunda Turma).

 

Com mesmo posicionamento, já se manifestou recentemente o Superior Tribunal de Justiça:

 

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. PECULATO.QUADRILHA. PRESCRIÇÃO. INQUÉRITO. COMPETÊNCIA DO STJ. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. TÉRMINO DO MANDATO. ART. 84 DO CPP. INCONSTITUCIONAL. INQUÉRITO. CONTRADITÓRIO. INEXIGIBILIDADE. AÇÃO PENAL PÚBLICA. PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE. INAPLICÁVEL. DENÚNCIA RECEBIDA EM PARTE.

[...].

3. Pela sua natureza inquisitorial, a fase do inquérito não está sujeita aos princípios do contraditório e da ampla defesa.Precedentes. (BRASIL, STJ, processo APn 382 / RR, AÇÃO PENAL 2004/0117728-3, Relator(a) Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI (1124), Órgão Julgador CE - CORTE ESPECIAL, Data do Julgamento 21/09/2011, Data da Publicação/Fonte DJe 05/10/2011, grifo nosso).

 

Nota-se, por fim, que a posição mais acertada sobre o tema encontra-se em concluir que o procedimento de persecução penal não está sujeito à dialética do contraditório, seja pelos argumentos já aventados, seja pelos julgados dos Tribunais Superiores exarados ao tratar do tema deste artigo.

 

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Desse modo, diante de todo o exposto, conclui-se que o inquérito policial, conquanto haja previsão constitucional de contraditório nos procedimentos administrativos, é peça meramente informativa de cunho inquisitivo, não abrangido pelo crivo do contraditório. Fato este corroborado por doutrina de peso, além de julgamentos exarados pelos Tribunais Superiores.

Assim, é cabível inferir que, embora haja autores que defendam a existência do contraditório na fase da investigação policial, tal entendimento se mostra equivocado e não condizente com o raciocínio jurídico processual-penal brasileiro.

 

 

 

 

 

 

 REFERÊNCIAS

 

 

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 99936 / CE – Ceará, Habeas Corpus, Rel. Min. Ellen Gracie, 2° Turma, Data da Publicação/Fonte DJe 11-12-2009.

 

 

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. APn 382 / RR, Ação Penal 2004/0117728-3, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Corte Especial, Data da Publicação/Fonte DJe 05/10/2011.

 

 

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

 

 

BRASIL, Código de Processo Penal. Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1943. Diário Oficial, Brasília, 03 nov. 1941.

 

 

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 13° ed. São Paulo, Editora Saraiva, 2006.

 

 

LAURIA TUCCI, Rogério; CRUZ E TUCCI, José Rogério. Devido Processo Legal e Tutela Jurisdicional. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1993.

 

 

LOPES JR. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 4° ed. Rio de Janeiro, Editora Lúmen Júris, 2009.

 

 

NUCCI, Guilherme de Souza. Processo Penal. 9° ed. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2009.

 

 

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 31° ed. São Paulo, Editora Saraiva, 2009.