Juliana Fernanda Mafra Soares

O case em questão coloca em discussão a temática das provas obtidas por meios ilícitos no Processo Penal que ocorrerá a partir da análise do seguinte caso: um marido ao desconfiar que sua mulher tivesse um amante, contrata um detetive particular para investigá-la e assim constatar a existência ou não de traição. Ocorre que como um dos meios de investigação o detetive particular grampeou ilicitamente o celular da esposa do seu cliente, sendo importante frisar que ele se utilizou de expediente ilegal. Ao analisar as escutas o detetive constata que além de trair o marido, a esposa investigada também dava frequentemente às suas filhas doses de Lexotan, com o intuito de que dormissem para que ficasse livre e despreocupada com seu amante.

Ao ficar ciente do ocorrido, o marido resolve utilizar as escutas telefônicas como provas entregando-as ao Ministério Público que consequentemente denunciou a esposa. Toda essa situação acaba gerando um conflito entre direitos fundamentais: de um lado o direito à proteção da família e da criança e do adolescente e de outro o direito à liberdade e privacidade. 

2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

2.1 Decisões possíveis

  • Deve prevalecer o direito à liberdade e privacidade, não admitindo a prova ilícita
  • Deve prevalecer o direito à proteção da família e da criança e do adolescente, admitindo-se a prova ilícita

 2.2 Argumentos Capazes de Fundamentar Cada Decisão

  • Deve prevalecer o direito à liberdade e privacidade, não admitindo a prova ilícita

- Ao defender a prevalência do direito à liberdade e privacidade admitimos com isso que a interceptação telefônica obtida ilicitamente não poderá ser utilizada por lesionar tais direitos fundamentais;

- Alexandre Moraes (2011, p. 58) ao ressaltar a importância da relação familiar alerta para o cuidado com intromissões externas e afirma que “as intromissões na vida familiar não se justificam pelo interesse na obtenção de provas, pois da mesma forma do que sucede aos segredos profissionais, deve ser igualmente reconhecida a função social de uma vivência conjugal e familiar às margens de restrições e intromissões” (MAGALHÃES Apud. MORAES, 2011,p.58).

- O direito à privacidade é resguardado pela Constituição Federal, que segundo o que dispõe seu artigo 5º, inciso XII, “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”, sendo, portanto, inadmissível a utilização da interceptação telefônica como prova em prejuízo da esposa;

- A liberdade e privacidade são direitos fundamentais tutelados pela CF/88 em seu artigo 5º, inciso X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”;

- Luís Flávio Gomes (apud. CAPEZ, 2014, p.511) defende que a prova ilícita só será admitida se para beneficiar o acusado e jamais para servir de prova em seu desfavor. Portanto essas provas ilícitas não podem servir como incriminatórias. São “gravações feitas sem lei, sem base legal.Logo, ilícita, constitucionalmente falando, por violar o inciso X do artigo 5º” (FILHO apud. CAPEZ, 2014, p.511) 

  • Deve prevalecer o direito à proteção da família e da criança e do adolescente, admitindo-se a prova ilícita

- Ao defender que esses direitos deverão prevalecer, admite-se que a interceptação telefônica mesmo tendo sido obtida de modo ilícito deverá ser utilizada para garantir a proteção dos direitos expostos por este posicionamento;

- “O direito à liberdade (no caso da defesa) e o direito à segurança, à proteção da vida etc. (no caso da acusação) não podem ser restringidos pela prevalência do direito à intimidade (no caso das interceptações telefônicas e das gravações clandestinas) nem pelo princípio da proibição das demais provas ilícitas [...] entra aqui o princípio da proporcionalidade, atuando um mecanismo de harmonização que submete o princípio de menor relevância ao de maior valor social” (CAPEZ, 2014, p.503).

- O maior interesse da criança e adolescente, contido no (ECA), art. 5°, que as resguarda de qualquer forma de negligência, violência e opressão aos seus direitos fundamentais ;

- O art. 3º da Declaração da ONU sobre os direitos da criança defende que “os Estados Partes se comprometem a assegurar à criança a proteção e o cuidado que sejam necessários para seu bem-estar, levando em consideração os direitos e deveres de seus pais, tutores ou outras pessoas responsáveis por ela perante a lei e, com essa finalidade, tomarão todas as medidas legislativas e administrativas adequadas” 

2.3 Análise das questões secundárias

A) Como se manifestam os tribunais pátrios sobre a prova ilícita por derivação, também chamada de Teoria dos frutos da árvore envenenada, em específico às escutas telefônicas?

Em relação às provas ilícitas por derivação o STF entende que “resultam contaminadas e, portanto, também ilícitas e inadmissíveis, alegando que “ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária ou por derivação” (STF, 2ª Turma, RHC n°90.376/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, Dje-018 17/05/2007).

Já o STJ possui entendimento de que “a prova ilícita obtida por meio de interceptação telefônica ilegal igualmente corrompe as demais provas dela decorrentes” (STJ, HC 64.096/PR, Rel. Min Arnaldo Esteves Lima, 5º Turma, Julgado em 27/05/2008). Tal entendimento corresponde à  Teoria dos frutos da árvore envenenada.

B) Qual seu entendimento por “Admissibilidade da Prova Ilícita a Partir da Proporcionalidade Pro Reo”?

A admissibilidade desse tipo de prova “pro reo” implica dizer que elas somente deverão ser admitidas se em favor do réu para auxiliá-lo em sua defesa, sendo então “aplicado o princípio da proporcionalidade, também chamado de princípio do sopesamento que reconhece que nenhum direito possui caráter absoluto(...) por isso, é  razoável e proporcional a utilização da prova obtida ilicitamente, desde que em favor do réu, ou seja, pro reo.” (AVENA, 2012, p.302)

C) No que se refere ao tratamento dispensado às provas ilícitas e às limitações da teoria da ilicitude por derivação, analise os seguintes assertivas manifestando-se pela sua validade ou não.

  1. Provas obtidas a partir da escuta telefônica legalmente autorizada pela autoridade judicial não podem subsidiar denúncia por crime apenado com detenção tendo em vista a restrição imposta pela Lei 9.296/96 ( Lei de Escuta Telefônica) , em relação aos quesitos para o deferimento da medida.

Esta assertiva não é válida, pois a própria lei, em seu artigo 2º autoriza que as informações e provas coletadas por meio dessa interceptação podem subsidiar denúncia com base nos crimes puníveis com pena de detenção desde que conexos aos primeiros tipos penais que justificaram a interceptação, desde que a interceptação seja legal, fundamentada e legítima, conforme expõe Pinheiro e Teixeira (2012, p.[?])

  1. É inviável na esfera extrapenal da prova obtida com interceptação telefônica

A assertiva não é válida pois o próprio STF consolidou o entendimento de que é permitida a prova emprestada em processos administrativos disciplinares no caso de interceptações telefônicas.

   3. Não é possível a utilização da prova obtida contra terceiro com interceptação telemática, quando no curso da medida se verificar a prática delituosa por agente estranho ao pedido originário da interceptação.

A Assertiva não é válida pois pode sim  ser utilizada, desde que preencha os requisitos sendo realizada por decisão fundamentada, legal e legítima.

  4. Pelo critério limitação da fonte independente entende-se válida a prova produzida com base em fator dissociado da ilicitude de prova anteriormente obtida.

A assertiva é válida, pois segundo Marcelo Júnior (2012, p.[?]) “existindo duas fontes das quais pode ser colhida a prova, sendo uma admissível e outra ilícita, é de se reconhecer a admissibilidade e não a contaminação da prova derivada”.

D) Quais os benefícios e os malefícios advindos do emprego das provas ilícitas para solução do caso?

Dentre os benefícios pode-se citar uma maior eficácia ao combate aos crimes, a obtenção de provas que jamais seriam obtidas por outro meio, no caso em questão é a proteção à integridade física das crianças e como malefícios está a violação aos direitos à intimidade e privacidade das pessoas.

3 Critérios e Valores (Explícitos e/ou Implícitos) Contidos em cada Decisão Possível  

Na primeira decisão estão a inviolabilidade das comunicações, a intimidade e vida privada, com ênfase na ética nas relação de confiança e contaminação de provas. Na segunda decisão: o maior interesse da criança, proporcionalidade e ponderação dos direitos fundamentais.

REFERÊNCIAS

AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo Penal. 7 ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2012.

BARROS. Ana Karoline. O Entendimento do STF acerca da prova ilícita. Disponível em :http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=1740&idAreaSel=1&seeArt=yes. Acesso em  26 setembro de 2015

BRASIL. Lei n° 9.296 de 24 de julho de 1996. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9296.htm. Acesso em 26 de setembro de 2015.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: legislação especial, volume 4- 9 ed.- São Paulo, Saraiva, 2014.

MARCELO JÚNIOR, José Hélio. Estudo das provas ilícitas e o critério da proporcionalidade no processo penal. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 maio 2012. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.36894&seo=1>. Acesso em: 26 de setembro de 2015

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

ONU. Convenção das Nações Unidas Sobre os direitos da criança. Disponível em: http://dhnet.org.br/direitos/sip/onu/c_a/lex43.htm. Acesso em 26 de setembro de 2015.

Pet 3683 QO, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 13/08/2008, DJe-035 DIVULG 19-02-2009 PUBLIC 20-02-2009 EMENT VOL-02349-05 PP-01012 RMDPPP v. 5, n. 28, 2009, p. 102-104.

PINHEIRO, Ricardo Henrique Araújo. TEIXEIRA, Gabriel Haddad. Interceptação telefônica como meio secundário de investigação. 2012. Disponível em:http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI147850,81042Interceptacao+telefonica+como+meio+secundario+de+investigacao. Acesso em 26 de setembro de  2016.

STF. Recurso Extraordinário. Prova ilícita: inadmissibiilidade. RE 251.445-GO, STF . Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo197.htm . Acesso em 26 setembro de 2015