IMUNIDADE X RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA:

A justiça prevalece sobre a segurança jurídica?*

 

Samuel Duarte Kzam**

Vitor de Pádua Rodolfo Nazareno

Sumário: Introdução, 1 A Teoria de Dworkin para a Superação da Tensão entre Segurança Jurídica e Decisão Justa; 2 A Coisa Julgada 3 Mecanismos Processuais para Rediscutir a Coisa julgada; 4 O Di  lema: relativizar ou não a coisa julgada?; 5 A Flexibilização da Coisa Julgada; Conclusão, Referencias.

RESUMO

Realiza-se um estudo sobre a Coisa Julgada. Destaca-se a Teoria de Dworkin na superação da tensão entre segurança jurídica e decisão justa. Conceitua-se a coisa julgada mostrando os princípios que o regem e os seus tipos. Enfoca-se através de mecanismos processuais as possibilidades viáveis para se rediscutir a coisa julgada. Questiona-se o dilema: relativizar ou não da coisa julgada demonstrando os argumentos de cada lado, para que assim, se possa analisar a flexibilização da coisa julgada e se verificar uma possível solução a esse embate.

 

PALAVRAS-CHAVE

Relativização. Coisa Julgada. Segurança Jurídica. Justiça.

 

“A coisa julgada é, em resumo, uma exigência política e não propriamente jurídica; não é de razão natural, mas sim de exigência prática”. (Couture)

 

INTRODUÇÃO

 

 

A coisa julgada é um tema que vem suscitando controvérsias na moderna doutrina do direito processual civil brasileiro e que já foi muito discutido na estrangeira, tendo adeptos a favor e outros contra a sua relativização.

Dentro dessa perspectiva, destaca-se que nesta exposição se colocará em confronto dois valores de grande importância para qualquer sistema processual: a segurança jurídica (representada pela coisa julgada material) e a justiça (que servirá de fundamento para as propostas de relativização da coisa julgada). Este confronto que não é de fácil solução, pois, o processo é instrumento de acesso à justiça, mas não há justiça sem segurança jurídica. É no equilíbrio desses valores que podemos buscar uma solução a esse embate.

Desta modo, este artigo pretende trabalhar com a Relativização da Coisa Julgada. Para isso, em primeiro lugar destaca-se a Teoria de Dworkin como forma de superação da tensão entre segurança jurídica e decisão justa. Em seguida, conceitua-se a coisa julgada mostrando os princípios que o regem e os seus tipos. Enfoca-se através de mecanismos processuais as possibilidades possíveis para se rediscutir a coisa julgada, para depois, se questionar o dilema: relativizar ou não da coisa julgada. Para que assim, se possa analisar a flexibilização da coisa julgada e verificar uma possível solução a esse embate.

 

 

1 A TEORIA DE DWORKIN PARA A SUPERAÇÃO DA TENSÃO ENTRE SEGURANÇA JURÍDICA E DECISÃO JUSTA

 

 

Podemos entender a teoria do direito de Dworkin como a tentativa de garantia da segurança jurídica através da diminuição da discricionariedade judicial, quando se defende a racionalidade da decisão do juiz, ou seja, a possibilidade de que possa existir somente uma resposta judicial correta para cada caso. Essa teoria visando buscar a segurança do direito e gerar a aceitabilidade racional das decisões, vem a evitar as falhas das propostas de solução realistas, positivistas e hermenêuticas, tentando esclarecer essa dupla exigência.[1]

Tendo o direito a função garantidora da implementação de expectativas de comportamento sancionados pelo Estado gerando segurança jurídica e de pretensão de legitimidade do direito (merecedora de obediência), os juízos que são emitidos pelo tribunal têm que satisfazer simultaneamente as duas condições citadas: a da aceitabilidade racional e a da decisão consistente. Dworkin tentará superar esta tensão entre o princípio da segurança jurídica e a pretensão de tomar decisões corretas através de uma reconstrução racional do direito vigente.[2]

Dworkin desenvolverá a sua teoria alternativa em cima das críticas iniciais ao realismo e positivismo jurídico, tentando solucionar os seus problemas. Sua teoria vai abordar o conceito de direito como um conceito interpretativo, não como um conceito semântico, o que privilegia a prática jurídica em detrimento de uma análise das regras que regulam o uso do termo “direito”.[3]

Dworkin aponta como solução a distinção entre princípios e regras. Regras são normas concretas, são determinadas para uma aplicação especifica; o que não vai acontecer com os princípios que são gerais e não possuem abrangência determinada. Ambos são mandamentos cuja validade deontológica exprime o caráter de uma obrigação. Tanto regras quanto princípios servem como argumentos na fundamentação de decisões, mas os valores posicionais de cada um na lógica da argumentação são diferentes. Em se tratando de regras há sempre um componente “se” que especifica condições de aplicação típicas da situação. De outro lado, os princípios ou surgem com uma pretensão de validade não específica, ou são limitados em sua esfera de aplicação através de condições muito gerais, carentes de interpretação.[4]

Através dessa distinção, Dworkin afirma a possibilidade e a necessidade de decisões corretas cujo conteúdo é legitimado à luz de princípios e não apenas formalmente, através de procedimentos como é defendido pelo positivismo.[5] Desse modo, supera-se a visão positivista de um sistema fechado de regras específicas de aplicação de uma representação unidirecional do direito. Se neste modelo as colisões entre as regras geram uma indeterminação da situação jurídica que somente é superada decisionisticamente, com a distinção de Dworkin os princípios conseguem solucionar o problema do fechamento do sistema de regras e o do conflito de regras.[6]

Diante de um caso difícil não cabe uma solução do direito natural, nem mesmo é possível admitir a discricionariedade. O que cabe aos juízes é buscar uma teoria jurídica que solucione o conflito e que seja a explicação e justificação mais coerente do direito positivo. A integridade é, para Dworkin, o significado ou intenção suprema do direito, e deve ser a guia valorativa a orientá-lo. Sendo nesse sentido que o juiz deve encarar o direito, se utilizando dessa interpretação para poder chegar a uma única decisão correta, compensando assim a suposta indeterminação do direito apoiado em “teoria”.[7]

A preocupação de Dworkin está em construir uma teoria do direito que não se fundamenta em uma ordem social baseada em princípios de justiça, mas que procure princípios e determinações de objetivos válidos que sirvam para justificar uma ordem jurídica concreta em seus elementos essenciais, dando coerência a todas as decisões tomadas em casos singulares.[8] A “integridade” é um ideal ou virtude política que encerra em si a exigência de que os poderes públicos devem se conduzir não de modo arbitrário, mas de maneira coerente, ou seja, de acordo com um único sistema coerente de pautas de correção e de retidão, que Dworkin caracteriza nos princípios de justiça, equidade e devido processo.[9]

Desse modo, Dworkin constrói uma teoria do direito que se desvincula de qualquer preocupação maior com uma teoria da justiça, pois acredita que o ordenamento atual já carrega em si vários direitos que foram fruto de um longo processo histórico e que os aplicadores do direito têm em mão material suficiente para empreender uma reconstrução racional do direito se se basearem no conceito de integridade. Se tais pressupostos forem atendidos, supera-se a tensão que ocorre entre segurança jurídica e a necessidade de decisões justas.[10]

A tentativa de Dworkin, apesar de ter recebido muitas críticas devido ao seu alto teor de idealismo, objetivou solucionar os problemas que até então não tinham sido resolvidos pelos modelos tradicionais do direito. Com a redução da discricionariedade judicial ao se oferecer meios ao juiz para tal reconstrução do direito, geraria um aumento da segurança jurídica ao mesmo tempo em que se produziriam decisões aceitáveis e justas, baseadas no próprio direito vigente.[11]

2  A COISA JULGADA

Trata-se de um instituto ligado ao fim do processo e a imutabilidade daquilo que tenha sido decidido, diretamente ligado a segurança jurídica, no que tange as relações jurídicas individualizadas[12]. 

A coisa julgada surge no momento em que a decisão judicial se torna irrecorrível, ocorrendo o trânsito em julgado deste processo.[13] No artigo 6º § 3º da lei de introdução ao código civil se entende a coisa julgada da seguinte forma: “chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso”. Na doutrina existem diversas definições da coisa julgada, consistindo para Enrico Túlio Liebman, como “a imutabilidade do comando emergente de uma sentença”[14].

A coisa julgada pode ser dividida em duas espécies: formal e material. A primeira é a coisa julgada formada por sentença de mérito, já a segunda se identifica com a idéia de fim do processo sendo comum a todas as sentenças, sendo qualquer sentença ou acórdão cujo conteúdo material seja o de uma sentença, assim, “a coisa julgada formal é pressuposto para que ocorra a coisa julgada material”[15].

Um princípio importante que rege a coisa julgada é o da proporcionalidade principalmente no que tange a sua relativização, sendo que doutrinadores colocam que a coisa julgada pode ser relativizada quando atendendo ao principio da proporcionalidade se pode por meio comprovado de prova conseguir encontrar uma melhor resposta para o determinado caso em questão, já outra parte da doutrina desconsidera essa idéia, colocando que a coisa julgada não pode ser relativizada, gerando grande discussão. 

Com base no pensamento de Dworkin, é possível verificar a coisa julgada como um instrumento de grande importância para segurança jurídica, valorizando a decisão judicial, pois a preocupação de Dworkin está em construir uma teoria do direito que não se fundamenta em uma ordem social baseada em princípios de justiça, mas que procure princípios e determinações de objetivos válidos que sirvam para justificar uma ordem jurídica concreta em seus elementos essenciais, dando coerência a todas as decisões tomadas em casos singulares.

 

 

3 MECANISMOS PROCESSUAIS PARA REDISCUTIR A COISA JULGADA

 

Existem alguns mecanismos adequados para que se suscite a inconstitucionalidade da sentença transitada e julgada, o primeiro e mais importante deles é a ação rescisória, que poderá ser ajuizada com fundamento no disposto no art. 485, V, do Código de Processo Civil, que permite que haja a rescisão de sentenças transitadas em julgado que violem literal disposição de lei[16].

Deve ser lembrado que a ação rescisória tem sua utilização limitada no tempo, ou seja, possui um prazo para ajuizamento, este é de dois anos contados do transito em julgado da decisão, conforme diz o art. 495 do CPC.

Outro mecanismo processual que também pode ser utilizado para rediscutir a coisa julgada são os embargos do executado, que está disposto no art. 741 do CPC. Este dispositivo permite a relativização da coisa julgada, e por isso enfrenta várias divergências, uma vez que essa relativização é inaceitável para alguns juristas além deste dispositivo ser regulado por uma emenda constitucional. Por outro lado este mecanismo nada mais é do que a decorrência do alcance erga omnes das decisões proferidas do STF em processos de controle direto de constitucionalidade, “não aceitar o afastamento da coisa julgada em casos como o que alude o parágrafo único do art. 741 do CPC implicaria em restringir ilegitimamente o alcance das decisões da corte suprema”.[17] Assim a decisão do STF alcançaria a toda a sociedade menos ao vencido em um determinado caso, sendo este a única pessoa que iria ter que cumprir a obrigação decorrente da lei inconstitucional.

“Ora, se a decisão do STF é oponível contra todos, também aquele que fora condenado com base na lei inconstitucional fica livre da obrigação, razão pela qual seu pagamento não pode ser exigido. E os embargos do executado se apresentam como meio processual adequado para a alegação de tal inexigibilidade”[18]

É possível também verificar a declaração de ineficácia da sentença transitada em julgado como outro mecanismo para se rediscutir a coisa julgada. Esta que possui eficácia sanatória geral, ou seja, uma vez transitada em julgado a sentença se cura todas as invalidades eventualmente existentes no processo, mas mesmo assim, pode sobreviver a ineficácia, que deverá ser reconhecida através do ajuizamento de demanda visando à sua declaração. Assim “a ineficácia da sentença inconstitucional transitada em julgado poderá ser reconhecida por qualquer meio idôneo, ou seja, por qualquer meio capaz de permitir que essa questão seja suscitada em outro processo, como questão principal ou como questão prévia”.[19]

Por mais que sejam visíveis os benefícios desses mecanismos, deve se fazer um contraponto em relação a segurança jurídica que acaba ficando fragilizada em decorrência desses mecanismos que rediscutem a coisa julgada, mostrando, em conformidade com o pensamento de Dworkin que os princípios devem prevalecer sobre as normas e só assim se poderá encontrar a resposta correta para determinado caso.

 

 

4 O DILEMA: RELATIVIZAR OU NÃO A COISA JULGADA?

 

 

“Durante muitos séculos a coisa julgada material foi tida como algo absolutamente intocável. Um verdadeiro dogma, insuscetível da qualquer discussão.”[20] Não como razão de justiça, mas como um imperativo político, destinado a estabilizar as relações jurídicas, conferindo-lhes segurança. Sendo impossível qualquer nova discussão a respeito do que já fora definitivamente julgado.[21]

Porém, diante dos problemas práticos que podem ser gerados por sentenças injustas ou contrárias ao ordenamento jurídico que tenham alcançado o status de coisa julgada, surge o dilema: relativizar ou não a coisa julgada? Existindo argumentos para os dois lados, que serão abordados a seguir.

Entre as mais graves sentenças injustas estão, inquestionavelmente, aquelas em que o conteúdo da sentença ofende a Constituição da República. Isto se deve ao fato de ser o mais grave vício que pode acometer um ato jurídico.[22]

Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria, falam que a coisa julgada não pode se suplantar a lei, em tema de inconstitucionalidade, sob pena de transformá-la em um instituto mais elevado e importante que a lei e a própria Constituição. Se a lei não é imune, qualquer que seja o tempo decorrido desde a sua entrada em vigor, aos efeitos negativos da inconstitucionalidade, por que a coisa julga seria?[23]

Dinamarco fala da coisa julgada inconstitucional que a impossibilidade jurídica dos efeitos substanciais programados pela sentença impede a formação da coisa julgada material porque essa é uma autoridade incidente sobre efeitos e não pode incidir quando não houver efeito que se possa produzir.[24]

Assim, os que defendem a relativização da coisa julgada, afirmam que é possível a discussão de decisões inconstitucionais transitadas e julgadas. Como uma forma de defender decisões justas e adequadas ao ordenamento.

Também há decisão injusta no caso de sentença transitada e julgada que tenha por fim a indenização por desapropriação supervalorizada. Nesse caso não é atendido a garantia constitucional da justa indenização e do princípio da moralidade administrativa.

O preço justo da indenização seria uma garantia constitucional de proteger a efetividade do direito de propriedade e também proteger o Estado contra excessos indenizatórios. Esse adjetivo justo seria entendido como um conceito bilateral, existindo uma equivalência entre o que se dá e o que se recebe.[25] A observância do princípio da moralidade estaria ligado à idéia de zelo pelo patrimônio moral e material do Estado e dos demais entes públicos.[26] A inobservância desse zelo no caso dessa decisão injusta estaria completamente infringindo normas e princípios que regem o Direito Administrativo, ocasionado o favorecimento de particulares em detrimento da coletividade, o que seria um absurdo e possível de ser derrubado pela relativização da sua coisa julgada.

Outra coisa julgada que poderia ser relativizada seria no caso de investigação de paternidade julgada improcedente quando ainda não havia teste de DNA. Os relativistas argumentam que para admitir a repropositura de ação de investigação de paternidade por causa de novas técnicas de perícia genética (DNA) é de que estaria autorizada pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana do pretenso filho, investigante (CF 1º, III)[27] de saber quem é seu verdadeiro pai.

Porém, o outro lado contra a relativização, combate esses argumentos. Começando com uma crítica ao ideal de justiça, falando que o justo absoluto que os relativistas pretendem é utópico. E questionam se a justiça do caso concreto deve sobrepor-se à insegurança geral. E que o Estado Democrático de Direito brasileiro fez opção pelo justo possível, como padrão de segurança jurídica com a coisa julgada,[28] não devendo adotar um ideal de justiça utópico.

A tese da relativização contrapõe a coisa julgada ao valor justiça, mas não define o que é justiça. Como pregava Calamandrei, a justiça pelo senso comum é inconsistente. Os que são contra a relativização preferem ficar com a justiça possível da coisa julgada, no patamar de segurança jurídica que é mola propulsora do Estado Democrático de Direito.[29]

Na óptica dos Direitos Humanos a coisa julgada é reconhecida como uma imposição do direito à tutela jurisdicional efetiva. Nesse sentido, a jurisprudência estrangeira é no sentido da segurança jurídica via coisa julgada.[30] Sendo a sua relativização associada aos regimes totalitários, como o nazismo e facismo.[31]

Marinoni fala que a relativização não consegue explicar que se o Estado-juiz errou no julgamento que se cristalizou, obviamente implica aceitar que o Estado-Juiz pode errar no segundo julgamento, quando a idéia de relativizar a coisa julgada não traria qualquer benefício ou situação de justiça.[32]

E é de se notar que a relativização da coisa julgada atenta contra o principio da razoável duração do processo inserido o inciso LXXVIII do art. 5º da CF/88[33], quando quer prolongar o processo que já acontece em longo período. Ainda que existisse essa possibilidade, como defendem certos autores, não há critério objetivo para se definir os contornos de uma nova decisão. Não sendo claro como o Judiciário deverá agir. Demonstrando o quanto de instabilidade a tese da relativização pode trazer ao sistema, trazendo à tona o problema da eternização dos conflitos. [34]

Para Nelson Nery Junior não se pode interpretar o direito contra preceitos éticos, morais e, principalmente, democrático, porque isto seria ato de sabotagem, de ação revolucionária, mas não método de busca científica. O jurista não pode disseminar discórdia, incerteza, desigualdade e desequilíbrio social.[35]

Os contra a relativização falam que a “coisa julgada inconstitucional” é uma contradição em seu próprio nome. Visto ser um caso que foi julgado por um órgão competente e legitimado constitucionalmente para tanto e, estando à decisão acobertada pela coisa julgada que tem natureza constitucional, não há no que brigar pela sua inconstitucionalidade.[36] Não havendo a possibilidade de uma coisa julgada ser inconstitucional.

Outra crítica a possibilidade de relativização da coisa julgada é no caso da desapropriação com indenização indevida em que prevaleceria o princípio da moralidade administrativa sobre a segurança jurídica por exemplo, não estaria se levando em conta o fato de não se tratarem de valores que possam ser contrapostos ou igualados, umas vez que são princípios da mesma natureza.[37]

Como visto a discussão não é de fácil solução tendo argumentos validos para ambos os lados. Verifica-se um choque entre princípios e até um choque entre princípios e regras. A Teoria de Dworkin poderia resolver esse problema no momento que o juiz interpretasse o direito de acordo com a integridade defendida por Dworkin, verificando que o sistema tem respostas certas para cada caso. Basta buscar no direito não apenas no procedimento uma resposta, mas também os princípios que estão enraizados no direito, relacionando e ponderando os seus valores para uma aplicação correta e que seria a mais integra.

5 A FLEXIBILIZAÇÃO DA COISA JULGADA

 

 

Chegamos a um problema que não pode deixar de ser enfrentado: o da instabilidade que a relativização da coisa julgada pode gerar. O nosso ordenamento como visto permite alguns mecanismos para a relativização da coisa julgada. Alguns casos podem gerar a insegurança jurídica prejudicial à pacificação social. Por isso que se deve buscar um aperfeiçoamento do sistema, que coloco aqui pela proposta de lege ferenda.

Não se pode aqui admitir que a parte vencida venha a juízo alegando que a sentença transitada e julgada está errada ou é injusta, para se admitir um reexame do que já foi decidido. Estaria assim destruindo o instituto da coisa julgada, pois, sempre se poderia se discutir-la. Desapareceria, deste modo, a garantia de segurança e estabilidade representada pela coisa julgada.[38]

Somente com a modificação da lei que se poderia flexibilizar a coisa julgada nela incluindo a hipótese de exceção. Sem expressa disposição de lei regulamentando a situação, não se pode desconsiderar a coisa julgada.[39]

Aqui não estamos defendendo a sistemática desvalorização da coisa julgada, mas apenas o cuidado para situações extraordinárias e raras, a serem tratados mediante critérios extraordinários. Não podendo o juiz desconsiderar qualquer coisa julgada, deve flexibilizar-la sempre que em casos de absurdos, injustiças graves, transgressões constitucionais etc.

Nessa proposta deve-se admitir a revisão de coisa julgada em caso de exame de DNA, visto esse exame ser pelo meio da equiparação compatível com o critério de documento novo nas ações rescisórias. Deve-se acrescentar alguns casos ao art. 485 do CPC. “Através deste novo dispositivo estabelecer-se-ia que a sentença de mérito transitada em julgado poderia ser rescindida quando ofendesse norma constitucional”[40] ou nos casos da desapropriação com indenização alta desproporcional e de reinvestigação de paternidade visto a criação do exame de DNA. Deixando que se possa requerer essa ação rescisória a qualquer tempo.

O modelo aqui querido se destina, pois, a equilibrar o regime existente, buscando balancear adequadamente segurança jurídica e justiça das decisões. Buscando a integridade do sistema. Tendo a exigência da certeza e segurança, que a autoridade da coisa julgada prestigia, e a decisão justa e legítima, que aconselha não radicalizar essa autoridade.[41]

CONCLUSÃO

 

 

Baseado nas pesquisas realizadas no decorrer deste trabalho, percebe-se que a discussão da relativização da coisa julgada ainda é um pouco recente na doutrina processual brasileira, mas de relevante importância para o nosso direito. Não devendo ser feita a qualquer modo. Por isso, foi dada aqui a proposta lege ferenda para solucionar esse embate.

Assim, através da análise dessa realidade. Percebeu-se a estrema importância de conciliar a segurança jurídica com a decisão justa. E a partir disto, se apresentou a proposta lege ferenda como solução.

O grande desafio, pois, que se põe para resolução desse embate seria a aceitação desta proposta como forma de resolução desse conflito e a tipificação dos casos que poderiam ser motivos de flexibilização da coisa julgada, para se ter um critério objetivo e integro do direito a respeito da flexibilização da coisa julgada.

 

 

REFERÊNCIAS

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. v. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008

CÂMARA, Alexandre Freitas. Relativização da Coisa Julgada Material. In: DIDIER JR, Fredie (org.) et.al. Relativização da coisa julgada. 2ª ed. 2ª tir. Salvador: Podivm, 2008

DIDIER JR, Fredie (org.) et.al. Relativização da coisa julgada. 2ª ed. 2ª tir. Salvador: Podivm, 2008

DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material: A coisa julgada entre as outras garantias constitucionais. Acessando em: 02 de outubro de 2010. Disponível em: http://www.leonildocorrea.adv.br/curso/dina1.htm

DWORKING, Ronald. Uma questão de princípio. Trad. de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

DWORKING, Ronald. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003

GÓES, Gisele Santos Fernandes. A “Relativização” da Coisa Julgada: Exame Crítico (Exposição de um Ponto de Vista Contrário). In: DIDIER JR, Fredie (org.) et.al. Relativização da coisa julgada. 2ª ed. 2ª tir. Salvador: Podivm, 2008

MARINONI, Luiz Guilherme. Sobre a chamada "relativização" da coisa julgada material.

MONICA, Eder Fernandes. A Teoria de Dworkin para a Superação da Tensão entre Segurança Jurídica e Decisão Justa. Disponível em: www.uel.br/revistas/direitopub

NERY JR., Nelson. A Polêmica Sobre a Relativização (Desconsideração) da Coisa Julgada e o Estado Democrático de Direito. In: DIDIER JR, Fredie (org.) et.al. Relativização da coisa julgada. 2ª ed. 2ª tir. Salvador: Podivm, 2008

NERY JR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 7 ed. São Paulo, 2003.

NOJIRI, Sérgio. Crítica à Teoria da Relativização da Coisa Julgada. In: DIDIER JR, Fredie (org.) et.al. Relativização da coisa julgada. 2ª ed. 2ª tir. Salvador: Podivm, 2008

WAMBIER Luiz Rodrigues, Curso avançado de processo civil v 1 9.ed São Paulo,  Editora Revista dos Tribunais, 2007



* Artigo científico apresentado à disciplina de Processo de Conhecimento II do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB) ministrado pelo professor Hugo Passos para obtenção de segunda nota.

** Acadêmicos do 10º período do Curso de Direito da UNDB

[1] MONICA, Eder Fernandes. A Teoria de Dworkin para a Superação da Tensão entre Segurança Jurídica e Decisão Justa. Disponível em: www.uel.br/revistas/direitopub pag. 1

[2] MONICA, Idem

[3] PÉREZ, Uma filosofia para erizos: uma aproximación al pensamento de Ronald Dworkin. In: Doxa. N. 26 – 2003, pag. 352 In: MONICA, Eder Fernandes. A Teoria de Dworkin para a Superação da Tensão entre Segurança Jurídica e Decisão Justa. pag. 3

[4] HABERMAS, Jürgen. 2003, pag. 258. Direito e Democracia: entre factividade e validade. V. 1, 2. Ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, pag. 252. In. MONICA, Eder Fernandes. A Teoria de Dworkin para a Superação da Tensão entre Segurança Jurídica e Decisão Justa.pag. 7

[5] HABERMAS, Jürgen. 2003, pag. 252. Apud MONICA, Eder Fernandes. pag. 7

[6] HABERMAS, Jürgen. 2003, pag. 258 - 259. Apud MONICA, Eder Fernandes. pag. 7

[7] HABERMAS, Jürgen. 2003, pag. 261. Apud MONICA, Eder Fernandes. pag. 8

[8] HABERMAS, Jürgen. 2003, pag. 261-263. Apud MONICA, Eder Fernandes. pag. 9

[9] PÉREZ, 2003, pag. 350-353 Apud MONICA, Eder Fernandes. pag. 11

[10] MONICA, Eder Fernandes. A Teoria de Dworkin para a Superação da Tensão entre Segurança Jurídica e Decisão Justa. pag. 13

[11] MONICA, Eder Fernandes. A Teoria de Dworkin para a Superação da Tensão entre Segurança Jurídica e Decisão Justa. pag. 13-14

[12] WAMBIER Luiz Rodrigues, Curso avançado de processo civil v 1 9.ed São Paulo,  Editora Revista dos Tribunais, 2007

[13] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil v. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008

[14] LIEBMAN, Enrico Túlio. Eficácia e autoridade da sentença Apud CÂMARA, Alexandre Freitas Lições de Direito Processual Civil. Pag. 457

[15] NERY JR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 7 ed. São Paulo, 2003.

[16] CAMARA, Alexandre Freitas

[17] Ibid.

[18] Ibid.

[19] Ibid.

[20] CÂMARA, Alexandre Freitas Relativização da Coisa Julgada Material. In: DIDIER JR, Fredie (org.) et.al. Relativização da coisa julgada. 2ª ed. 2ª tir. Salvador: Podivm, 2008, pag. 18

[21] CÂMARA, Alexandre Freitas. Ibid., pag. 21

[22] CÂMARA, Alexandre Freitas. Idem

[23] CÂMARA, Alexandre Freitas. Ibid., pag. 28

[24] DINAMARCO, Candido Rangel. Relativizar a coisa julgada material: A coisa julgada entre as outras garantias constitucionais. Pag. 20-21

[25] DINAMARCO, Candido Rangel. Ibid., pag. 21

[26] DINAMARCO, Candido Rangel. Ibid., pag. 22

[27] NERY JR., Nelson. A Polêmica Sobre a Relativização (Desconsideração) da Coisa Julgada e o Estado Democrático de Direito. In: DIDIER JR, Fredie (org.) et.al. Relativização da coisa julgada. 2ª ed. 2ª tir. Salvador: Podivm, 2008, pag. 301

[28] GÓES, Gisele Santos Fernandes. A “Relativização” da Coisa Julgada: Exame Crítico (Exposição de um Ponto de Vista Contrário). In: DIDIER JR, Fredie (org.) et.al. Relativização da coisa julgada. 2ª ed. 2ª tir. Salvador: Podivm, 2008, pag. 166

[29] GÓES, Gisele Santos Fernandes. Ibid., pag. 167

[30] GÓES, Gisele Santos Fernandes. Idem

[31] GÓES, Gisele Santos Fernandes. Ibid., pag. 170

[32] MARINONI, Luiz Guilherme. Sobre a chamada "relativização" da coisa julgada material.

[33] GÓES, Gisele Santos Fernandes. Ibid., pag. 175

[34] NOJIRI, Sérgio. Crítica à Teoria da Relativização da Coisa Julgada. In: DIDIER JR, Fredie (org.) et.al. Relativização da coisa julgada. 2ª ed. 2ª tir. Salvador: Podivm, 2008, pag. 361

[35] GÓES, Gisele Santos Fernandes. Idem

[36] NOJIRI, Sérgio. Ibid., pag. 359

[37] NOJIRI, Sérgio. Ibid., pag. 366-367

[38] CÂMARA, Alexandre Freitas. Ibid., pag. 31

[39] NERY JR., Nelson. Ibid., pag. 306

[40] CÂMARA, Alexandre Freitas. Ibid., pag.

[41] DINAMARCO, Candido Rangel. Ibid., pag. 31