IMUNIDADE TRIBUTÁRIA CULTURAL: ANÁLISE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL DA SIMETRIA ENTRE OS TRIBUNAIS SUPERIORES E O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MARANHÃO[1]

 

Lucas Magalhães Barbosa **

             Viviane Santos Zeitouni

Sumário: 1 Introdução; 2 Limitações ao poder de tributar; 3 Imunidade cultural; 4 Análise da simetria de jurisprudência entre os Tribunais Superiores  e Tribunal de Justiça do Maranhão quanto a imunidade tributária cultural; Considerações Finais; Referências.

 

 

RESUMO

A limitação ao poder de tributar permite ao contribuinte restar tranquilo quanto ao seu direito subjetivo, sendo inconstitucional a atribuição e inserção de tributos àqueles que a Constituição Federal elencou expressamente como imunes. Frente às imunidades tributarias, apreciar-se-á as divergências doutrinárias e jurisprudenciais dos Tribunais Superiores e do tribunal de Justiça do Maranhão em relação a imunidades dos livros, jornais, periódicos e do papel destinado a sua impressão.

PALAVRAS-CHAVE

Imunidade tributária. Imunidade cultural. Análise jurisprudencial.

 

1 INTRODUÇÃO

A Carta Política de 1988 distribuiu o poder de criar tributos aos vários entes políticos da Federação – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – de modo que cada um tem competência para impor prestações tributárias, sempre, é claro, dentro da esfera que lhe é assinalada pela Constituição Federal.

Não obstante o livre poder de tributar, o mesmo legislador constituinte instituiu alguns balizadores a que os entes políticos devem se submeter no momento de decidir sobre a criação e incidência dos mesmos.

O presente trabalho teceu alguns comentários gerais sobre as imunidades tributárias, atribuindo uma visão ampla ao assunto, para depois se centrar no estudo aprofundado das imunidades dos livros, jornais, periódicos e do papel destinado a sua impressão.

Através da pesquisa realizada, extraiu-se a essência das imunidades tributárias previstas no artigo 150, inciso VI, e se ateve a alínea ‘d’ do referente inciso, pois tal matéria ancora-se em princípios marcantes, tais como a liberdade de expressão, a divulgação de ideias e conhecimentos, dentre outros que apreciaremos ao longo do texto.

  Desta forma, identificou-se que a importância do estudo das imunidades tributárias dos livros, jornais, periódicos e do papel destinado a sua impressão centra-se em valores econômicos, culturais e políticos que fazem parte de um contexto social e filosófico. A pesquisa foi embasada, então, em obras doutrinárias e jurisprudência dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Justiça do Maranhão, a fim de aferirmos como tais Tribunais apreciam a questão da imunidade cultural.

2 LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR

A Constituição Federal elencou precisamente a competência tributária e pautou as regras que norteariam os tributos. Segundo Eduardo Sabbag, exímio tributarista, a competência tributária apresenta-se como a aptidão jurídica para criar, in abstrato, tributos, descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas. Pertencendo a União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal a faculdade de instituir, em caráter privativo, todas as modalidades de tributos – impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições (2012, p. 284).

Não obstante o poderio de criar tributos, a mesma Carta Política delimitou este campo tributário de atuação. A limitação ao poder de tributar, norma constitucional prevista em seu artigo 150, destacou, então, por vez, a incompetência das entidades tributantes para exigir tributos de certas pessoas, seja em função de sua natureza jurídica, seja porque estas são coligadas a determinados fatos, bens ou situações (CARRAZA, 2002, p. 623).

As normas imunizantes são de eficácia plena e aplicabilidade imediata, desobedecê-las equivale a incidir em inconstitucionalidade, por conseguinte.  Eduardo Sabbag corrobora o caráter inconstitucional das leis ordinárias que desafiariam as imunidades tributárias quando expõe que o legislador ordinário está impedido de inserir no polo passivo da relação jurídico-tributária as pessoas e as situações guarnecidas pelo manto protetor de uma norma imunizante, sob pena de inafastável inconstitucionalidade. Por muito maior razão, não o poderá fazer a Administração Fazendária, que, interpretando e aplicando a lei, vier a se furtar do dever de obediência das limitações imunitórias ao poder de tributar (2012, p. 285).

Torna-se claro, que as regras imunizantes concedem um direito inafastável aos contribuintes de não serem tributados. É o que ratifica o célere doutrinador José Wilson Ferreira Sobrinho, em verbis:

“A norma imunizante não tem apenas a função de delinear a competência tributária, senão que também outorga ao imune o direito público subjetivo de não sofrer a ação tributária do Estado. A norma imunizante, portanto, tem o duplo papel de fixar a competência tributária e de conferir ao seu destinatário um direito público subjetivo, razão que permite sua caracterização, no que diz com a outorga de um direito subjetivo, como norma jurídica atributiva, por conferir ao imune o direito referido” (1996, p. 102).

De forma reiterada, afirmar-se que a imunidade tributária possui assento constitucional, no qual normas infraconstitucionais não poderão ir de encontro a essas limitações. As imunidades contempladas na Carta Magna são uma decorrência natural dos princípios constitucionais tributários, que restringem a ação estatal de exigir tributos, são eles: o princípio da igualdade, da capacidade contributiva, livre difusão da cultura e do pensamento, proteção à educação, amparo aos desvalidos, entre outros. Portanto, não podem ter seu alcance diminuído nem mesmo por meio de emendas constitucionais, quiçá pelo legislador ordinário (CARRAZA, 2002, p. 630).

Ademais, para o Supremo Tribunal Federal, as imunidades e os princípios tributários são limitações constitucionais ao poder de tributar, adquirindo a estatura de cláusulas pétreas – limites não suprimíveis por emenda constitucional, uma vez assegurados de direitos e garantias individuais (art. 60, parag. 4º, IV, CF), aptos ao resguardo de princípios, interesses e valores, tidos como fundamentais ao Estado (SABBAG, 2012, p. 286).

 É salutar expor que a imunidade tributária alcança apenas a obrigação tributária principal, coligada ao dever patrimonial de pagamento do tributo, não tendo o poder de atingir as obrigações tributárias acessórias, isto é, os deveres instrumentais do contribuinte permanecem devidos. Sabbag (2012, p. 287) exemplifica que, uma entidade beneficente ou um partido político não serão alvos de impostos – por força da imunidade tributária – mas poderão ser plenamente fiscalizados e ter de apresentar seus documentos e livros à autoridade fazendária, dentre outros deveres instrumentais.

Como já relatado brevemente, é o artigo 150 da Constituição Federal que trata das imunidades em comento, estatuindo em seu inciso VI que “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e ao Município instituir impostos. Sabbag (2012, p. 289) relata que, apesar do texto constitucional fazer referência expressa apenas ao tributo imposto, as imunidades atingem tributos variados. O mesmo aduz ainda que se faz mister apresentar comandos imunitórios que prevejam desonerações de outros tributos, como por exemplo, as taxas. Visto que “a proposição afirmativa de que a imunidade é instituto que só se refere aos impostos carece de consistência veritativa”. 

Resta claro – antes de adentrar as imunidades tributárias em espécie – distinguir institutos que apresentam características similares, mas que possuem denotações distintas. São estes a imunidade e a isenção. Enquanto a norma imunizante releva uma dispensa constitucional de tributo, a regra isentiva indica uma dispensa legal, no campo da tributação. Para o Supremo Tribunal Federal, em se tratando de imunidade, não há que se falar em relação jurídico-tributária, uma vez que a norma imunizadora está fora do campo de incidência do tributo; enquanto que na isenção, o que se inibe é o lançamento do tributo, ou seja, há o fato gerador e é possível constatar o liame jurídico-tributário (SABBAG, 2012, p. 287).

Paulo de Barros Carvalho confirma o entendimento de Eduardo Sabbag ao narrar, em verbis que:

“O preceito de imunidade exerce a função de colaborar, de uma forma especial, no desenho das competências impositivas. São normas constitucionais. Não cuidam da problemática da incidência, atuando em instante que antecede, na lógica do sistema, ao momento da percussão tributária. Já a isenção tributária se dá no plano da legislação ordinária. Sua dinâmica pressupõe um encontro normativo, em que ela, regra de isenção, opera como expediente redutor do campo de abrangência dos critérios da hipótese (...) do tributo” (2012, p. 213).

À luz das considerações iniciais vislumbradas sobre as limitações ao poder de tributar outorgadas pelo legislador ordinário, resta nos elencar quais são as principais garantias a que os contribuintes estarão assegurados. O já relatado artigo 150 da Constituição Federal, inciso VI, expõe:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

VI – Instituir impostos sobre:

a)             Patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

b)             Tempos de qualquer culto;

c)              Patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

d)             Livros, jornal, periódicos e o papel destinado à sua impressão.”

Atentar-se-á, entretanto, na pesquisa em questão, a imunidade cultural referente aos livros, jornal, periódicos e o papel destinado à sua impressão, visto a importância da livre expressão do pensamento, a livre divulgação da cultura e da informação e sua acessibilidade ao maior número possível de indivíduos.

3 IMUNIDADE CULTURAL

A redação do supracitado artigo 150, VI, alínea “d”, da CF/88 trata sobre a imunidade tributária instituída no livro, no jornal e nos periódicos, e também no papel destinado à sua impressão. Não importando a frequência da edição, ou sua quantidade, nem como a que livro tenha atributos peculiares, ou, até, que sua destinação final, haverá a imunidade.

Todo periódico ou livro, assim como o todo papel aproveitado para sua impressão estarão suscetíveis aos anseios tributários do Estado, no que pertence aos impostos, tendo sua eficácia plena e aplicabilidade imediata, pouco importando as qualificações pessoais da entidade que obra com esses bens assim como, não necessita de regulação por lei. Possui tanto imunidade política quanto incondicionada.

. Impende frisar ainda que a imunidade de imprensa – nomeada assim por Eduardo Sabbag (2012, p. 365-380), possui natureza objetiva também denominada de reais. Que são aquelas instituídas em virtude de determinados fatos, bens ou situações importantes para o bom desenvolvimento da sociedade.

Por ser de natureza objetiva, não alcança a empresa jornalística, a empresa editorial, o livreiro, o autor etc. Que, portanto, deverão pagar o imposto sobre os rendimentos que obtiverem com o livro, jornal, o periódico e o papel destinado para sua impressão.

As imunidades tributárias tratadas acima se baseiam no aspecto finalístico ou teleológico, pois o intento da dispensa constitucional do imposto é a proteção da cultura e a livre manifestação de pensamento e da expressão da atividade intelectual, artística e científica; da livre comunicação e do acesso a informação assim como da livre publicação de informações em todo o território nacional, resguardando a livre expressão do pensamento- base essencial na construção de um legítimo regime democrático de um Estado de Direito (BALEEIRO, 2000, p. 148-150).

E ainda, reitera Eduardo Sabbag que é possível verificar que tal liberdade é fundada no direito a educação, que deve ser fomentado pelo Estado, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa e ao seu preparo, para o exercício da cidadania e à sua qualificação para o trabalho, na atividade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar pensamento, a arte e o saber (SABBAG, 2012, p. 265-280).

      Contudo, para Baleeiro, essa imunidade cultural concedida pela Constituição possui dois objetivos: um deles é amparar, estimular a cultural, garantir a liberdade de pensamento e etc. Já o outro intuito seria servir de instrumento de controle estatal das liberdades individuais, no sentido de que o imposto poderia ser meio para embaraçar a liberdade de pensamento (BALEEIRO, 2000, p. 339-340).

Já o Ilustre autor Ricardo Lobo Torres (1999, p. 282) preceitua com ressalva:

As imunidades tributárias dos livros, jornais, periódicos e do papel destinado à impressão não é verdadeiro tipo de imunidade tributária, pois lhe falta o traço característico que é ser atributo dos direitos fundamentais e constituir numa plena garantia da liberdade de expressão, tendo como fundamento a idéia de justiça ou de utilidade, categorizando-se melhor como um privilégio constitucional, podendo em alguns casos, como no dos jornais, assumir o aspecto de "privilégio odioso".

Além disso, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento à Ação Direta de Inconstitucionalidade 939-7, publicado pelo Diário de Justiça na data de 18 de março de 1994, incluiu no rol das imunidades tributárias, os jornais e livros e a declarou insuscetível de alteração por Emenda Constitucional, apreciando-a como preceito imunizante.

Atribuindo-se assim, um caráter similar ao de uma cláusula pétrea, pois, se tal dispositivo não pode ser alterado via Emenda Constitucional, também não poderá ser alterado por qualquer outro tipo de norma.

     Há entendimento majoritário na doutrina de que a vedação do artigo 150, inciso VI, letra "d", ampara tão somente aos impostos, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre Serviços (ISS) e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) excluindo as taxas e contribuições (TORRES, 1999, p.300- 305).

                Os tributos subjetivamente incidentes, todavia, como o imposto de renda, que recai sobre as disponibilidades financeiras de autores, editores, empresas jornalísticas e outras pessoas envolvidas com o mundo das publicações não possuem imunidade (TORRES, 1999, p. 305). Através do entendimento acima citado, entende-se que o artigo 150, inciso VI, letra "d", não articula a respeito das imunidades tributárias, mas sim das imunidades de impostos, posto que a Carta Magna não se refere a tributos.

O doutrinador Ricardo Lobo Torres preceitua que o fundamento precípuo da intributabilidade ou não-tributação dos livros, jornais e periódicos é fundamentado na ideia de justiça fiscal, nela compreendida a de utilidade social, consubstanciada na necessidade de baratear o custo dos livros e das publicações. Dessa forma, em um país com gravíssima crise de educação e com a necessidade premente de se ampliar o número de pessoas alfabetizadas e instruídas, torna-se vital diminuir o custo da produção dos seus instrumentos os mais importantes – os livros e os periódicos (TORRES, 1999, p. 283).

Assim como o professor Aliomar Baleeiro (2000, p. 148) que diz:

A imunidade tributária, constitucionalmente assegurada aos livros, jornais, periódicos e papel destinado a sua impressão, nada mais é que uma forma de viabilização de outros direitos e garantias fundamentais expressos no artigo 5°, da Magna Carta, como a livre manifestação do pensamento, a livre manifestação da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença (inciso IV e IX), artigo 206, II (a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber), artigo 220, § 1° e 6° (a proibição da criação de embaraço, por lei, à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social e inexistência de licença de autoridade para a publicação do veículo impresso de comunicação), dentre outros. Mais do que isso, a imunidade há de ser invocada como instrumento imprescindível à realização do Estado Democrático de Direito, do qual o pluralismo político, a crítica e a oposição são requisitos essenciais.

4 ANÁLISE DA SIMETRIA DE JURISPRUDÊNCIA ENTRE OS TRIBUNAIS SUPERIORES  E TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MARANHÃO QUANTO A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA CULTURAL

A partir desse momento, analisar-se-á cada elemento da alínea “d”, VI do artigo 150. Começando pelo livro. Seu conceito é tido como suportes materiais utilizados à propagação de um pensamento formalmente considerado. Devendo conter a parte física e um finalidade que seria seu conteúdo- de geração do bem educativo. O livro pode abranger diversos tipos, como o livro virtual, cibernético, impresso em papel podendo conter folhas soltas, com capa flexível ou dura e etc.

No mesmo viés, o STF incluiu, como sendo caracterizado livro, os manuais técnicos e apostilas no Recurso Extraordinário 183.403/SP tendo como relator o Ministro Marco Aurélio no ano 2000.

Deve-se lembrar de que sempre se excluem dessa imunidade tributária livros que não veiculam ideias, nem pensamentos formalmente considerados, como os livros de bolso, livros de bordo, livro de atas e nem mesmo livros com conteúdo difundido como os livros eróticos (SABBAG, 2012, p. 363-366).

Há jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que decide sobre o COFINS ser um tipo de imposto que também deve ser excluído do rol de impostos a ser cobrado, como se observa:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. FINSOCIAL. IMPOSTO. LIVROS. JORNAIS E PERIÓDICOS. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. CORREÇÃO MONETÁRIA DEVIDA A PARTIR DO PAGAMENTO INDEVIDO E JUROS DE MORA, DO TRÂNSITO EM JULGADO. PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL.1. A imunidade tributária referente aos livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão alcança o Finsocial por ter este sido recepcionado pela Constituição de 1988 como imposto não discriminado. Precedentes desta Corte.Constituição2. Essa imunidade garante a liberdade de pensamento e escrita, bem como estimula a produção e circulação informativa e cultural.3. Na repetição do indébito, a correção monetária é devida a partir do pagamento indevido e os juros de mora, do trânsito em julgado.4. A prescrição deve ser contada em cinco anos a partir da data do ato ou fato do qual se originaram as dívidas, bem como todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública, nos termos do art. 1º do Decreto nº 20.910/32.1º20.910 (5412 DF 1997.01.00.005412-4, Relator: JUIZ EUSTAQUIO SILVEIRA, Data de Julgamento: 30/08/2000, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: 10/11/2000 DJ p.44).

Quanto à publicação eletrônica que possui periodicidade variada, com conteúdo em uma mídia eletrônica, a qual possui seu conteúdo em um suporte físico como fitas magnéticas, CD, CD-ROM, disquete, há divergência sobre o assunto. O doutrinador Sabbag entende que tais materiais possui a imunidade tributária, mas com a ressalva que o conteúdo desse material, deve se mostrar didático e instrutivo, buscando a difusão do conhecimento. Defende ainda, que tal norma de imunidade de imprensa deve ter sua interpretação constitucional evolutiva com a chamada mutação constitucional, não significando que há analogia do texto constitucional, mas sim de uma adequação a realidade do mundo atual no meio eletrônico (SABBAG, 2012, p. 363-370).

Carraza (2008, p. 774-775), no mesmo viés, afirma:

Devem ser equiparados a ao livro, para fins de imunidade, os veículos de ideias, que hoje lhe fazem às vezes nos livros eletrônicos ou até,  o substituem (..) A palavra livros está empregada no texto constitucional não no sentido restrito de conjunto de folhas de papel impressas, encardenadas e com capa, mas sim, no de veículos de pensamentos, isto é, meios de difusão da cultural.

Valioso avaliar que em 2010, o Ministro Toffoli em decisão monocrática, declarou por meio de um recurso extraordinário que a imunidade tributária para livros eletrônicos, não deve prosperar. Mesma decisão de Toffoli, em outros julgamentos monocráticos, foram as dos ministros Eros Grau, Cezar Peluzo e Joaquim Barbosa, que votaram também contra a extensão da imunidade a conteúdos eletrônicos.

Entendimento divergente ao do STF foi decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Maranhão, que decidiu pela extensão da imunidade tributária aos livros eletrônicos. Segue ipsis literis o julgado:

DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA, CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO. IMUNIDADE PREVISTA NO ART. 150, VI, D, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONTEMPLAÇÃO DE LIVROS INSERIDOS EM MÍDIAS DIGITAIS. APLICAÇÃO DA TEORIA DA MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL. NECESSIDADE DE ADAPTAÇÃO DO TEXTO CONSTITUCIONAL À REALIDADE VIGENTE. AÇÃO PROCEDENTE. I - A atual definição de livro, no direito positivo brasileiro, encontra-se defasada em relação à realidade vigente, porque vincula intrinsecamente o conteúdo ao papel, ao meio físico, com detrimento do chamado livro eletrônico, sendo destoante, portanto, do progresso científico e tecnológico hoje vivenciado. II - "Denomina-se mutação constitucional o processo informal de mudança da constituição, por meio do qual são atribuídos novos sentidos, conteúdos até então não res­saltados à letra da constituição, quer através da interpretação, em suas diversas modalidades e métodos, quer por intermédio da construção (construction), bem como dos usos e dos costumes constitucionais" (UADI LAMMÊGO BULOS, Constituição Federal Anotada. 4a ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 22). III - Apesar do entendimento do STF, estende este Tribunal de Justiça que a imunidade tributária do art. 150, VI, d, da Constituição Federal, contempla os livros eletrônicos, inexistindo, em consequência, relação jurídica tributária entre a empresa que os comercializa e o Fisco Estadual, que legitime a cobrança de ICMS, devendo ser restituídos os valores cobrados a esse título, observado o quinquênio prescricional. IV - Em repetição de indébito tributário, os juros de mora são devidos a partir do trânsito em julgado da condenação (CTN, art. 167 e Súmula 188 do STJ), e a correção monetária incide a partir do pagamento indevido (Súmula 162 STJ). V - Apelação provida.

     Sobre os jornais, que são gazetas diárias ou não, que visam carrear notícias e informações a seus leitores, são em regra, todos imunizados pela norma da Carta Maior. Como toda regra possui sua exceção, o STF já decidiu por diversas vezes que as propagandas que são veiculadas nos jornais possuem imunidade, desde que estejam impressas no corpo do jornal.

     Já se forem encartes de propagandas distribuídos com os jornais, essa incidência tributária não ocorrerá, pois não correspondem aos objetos tutelados no preceito normativo.

No tocante aos periódicos, estes se referem as revistas, álbuns. O legislador constitucional não diferencia que tipos de revista seriam. Seu conceito abarca e considera todas as revistas como merecedoras de proteção imunizante até mesmo as revistas de pouco conteúdo intelectual, como as revistas eróticas.

Por outro lado, não podem ser considerados periódicos, os calendários comerciais, pois não veiculam pensamentos e ideias formalmente consideradas, com objetivo político ou cultural.  O STF possui decisão sobre isso:

Os calendários comerciais não constituem em periódicos para os efeitos da imunidade constitucional assegurada pelo artigo 19, II, d, da CF, pois não se destinam a veicular ou transmitir pensamentos ou ideias. (RE 87.633/SP, 2ª TURMA, relator ministro Cordeiro Guerra, 1978.)

Os álbuns de figurinhas também são protegidos pela jurisprudência da Corte Suprema conforme se observa:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. ART. 150, VI, D DA CF/88. "ÁLBUM DE FIGURINHAS". ADMISSIBILIDADE.

1. A imunidade tributária sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão tem por escopo evitar embaraços ao exercício da liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, bem como facilitar o acesso da população à cultura, à informação e à educação.

2. O Constituinte, ao instituir esta benesse, não fez ressalvas quanto ao valor artístico ou didático, à relevância das informações divulgadas ou à qualidade cultural de uma publicação.

3. Não cabe ao aplicador da norma constitucional em tela afastar este benefício fiscal instituído para proteger direito tão importante ao exercício da democracia, por força de um juízo subjetivo acerca da qualidade cultural ou do valor pedagógico de uma publicação destinada ao público infanto-juvenil.

4. Recurso extraordinário conhecido e provido.

Análise do papel destinado para impressão. O papel é o único insumo protegido, tratado pelo legislador não sendo a imunização abrangente as tintas, as maquinas, tiras de plásticos e outro materiais que são utilizados na fabricação de livros, jornais e periódicos.

Diversos tribunais pelo território nacional, já entendem que a imunidade a este material deve ser estendida, por exemplo, a tinta destinada a impressão de veículos de pensamento com o fundamento de que é um insumo imprescindível para publicação.

O STF, entretanto, se mantém fiel ao texto literal da Constituição vedando qualquer que seja a extensão sobre tal insumo. Sobre o papel, a Corte Suprema aceita a imunização para todo e qualquer tipo de papel que venha a ser utilizado na produção de livros, jornais, periódicos como, por exemplo, o papel telefoto, papel fotográfico. Entendimento pacífico na jurisprudência é que o benefício constitucional alcança não só o papel utilizado diretamente na confecção dos bens referidos, como também insumos nela consumidos, como são os filmes e papeis fotográficos (RE 174.476, Pleno, rel Ministro Maurício Correa).

Tal entendimento é de tanta valia que foi despontado recentemente sumula do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto. A Súmula de número 657 afirma que a imunidade tributária abrange os filmes e papéis fotográficos necessários à publicação de jornais e periódicos.

Além desse, há julgado recente que corrobora com a ideia, do Ministro Ricardo Lewandowski:

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ISS. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DO ART. 150, VI, D, DA CF. ABRANGÊNCIA. SERVIÇOS DE COMPOSIÇÃO GRÁFICA. IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. AGRAVO IMPROVIDO. I -A imunidade tributária prevista no art. 150, VI, d, da Constituição Federal não abrange os serviços de composição gráfica. Precedentes. II -O Supremo Tribunal Federal possui entendimento no sentido de que a imunidade em discussão deve ser interpretada restritivamente. III -Agravo regimental improvido.150VICF150VIdConstituição Federal (659637 MG , Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 10/04/2012, Segunda Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 24-04-2012 PUBLIC 25-04-2012)

Contudo, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu que são imunes à cobrança de ICMS e IPI as peças sobressalentes para equipamentos de preparo e acabamento de chapas de impressão offset para jornais. Sobre a matéria a ministra Carmem Lucia afirma e decidiu que a imunidade tributária relativa a livros, jornais, periódicos é ampla, total, apanhando o produto, maquinário e insumos. A referencia no preceito constitucional é exemplificativa  e não exaustiva. Com tal veredicto, o STF começa a dar passos que poderá vir a dar proteção mais abrangente sobre o assunto (SABBAG, 2012, p. 365-376).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como se pode ver, não é remansosa a matéria constitucional que trata sobre a imunidade cultural. Há várias nuances de julgados por todo o território nacional sobre a matéria, ou seja, não é pacifico o entendimento sobre os materiais previstos no artigo 150, VI, alínea d da Constituição de 1988.

Considera-se que o tema da imunidade de imprensa não se mostra imune ao panorama da alterabilidade, diante da jurisprudência que ainda oscila, e da doutrina que também se movimenta. Necessário é acompanhar a constante evolução do tema.

REFERÊNCIAS

BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11. ed. Atualizadora Misabel Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

____________. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 9 ed. Editora Forense, 2000.

CARRAZA, ANTONIO ROQUE. Curso de direito constitucional tributário. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

CARVALHO, PAULO DE BARROS. Curso de direito tributário. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

SOBRINHO, JOSÉ WILSON FERREIRA. Imunidade tributária. Ponto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1996.

TORRES, RICARDO LOBO. Imunidades tributárias. Coordenador Ives Gandra da Silva Martins, São Paulo: Revista dos Tribunais, Pesquisas Tributárias, Nova Série - 4, 2001.

__________. Tratado de direito constitucional, financeiro, tributário: os direitos humanos e a tributação. Imunidades e Isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. V. III.

           



[1] Paper apresentado à disciplina de Direito Tributário I do curso de Direito da UNDB, ministrada pelo professor orientador Fabiano Ferreira Lopes.

** Graduandos do 7º período de Direito na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.