IMPROBIDADE LEGISLATIVA AMEAÇA SEGURANÇA PRIVADA NO BRASIL

Há muitos tipos de projetos de lei. Há aqueles que são necessários e oportunos e aqueles que beiram as raias do cômico. Estes últimos, espalhados pelo mundo causam prejuízos, risos e indiferença. Vejamos alguns exemplos:

Em Haifa, Israel, é proibido levar um urso à praia. Em Idaho, nos Estados Unidos, é proibido pescar montado no pescoço de uma girafa. Em Oklahoma, quem fizer caretas para cachorros pode ser multado e até preso. Em Menphis, Tennessee, os sapos são terminantemente proibidos de coaxar depois de 11:00 da noite. No Baldwin Park, Califórnia, é proibido andar de bicicleta dentro das piscinas, lá, também, é ilegal nadar no seco, enfim, se fossemos relatar mais pérolas legislativas, nem todos os papiros ¨ del mundo ¨ seriam suficientes.

Esquisitices a parte, verifica-se no legislativo brasileiro, graves desvios técnicos que pedem remédio urgente. Obscuridades, inconstitucionalidades, desnecessidades, dúvidas e algazarra legislativa resultam em cascatas de processos judiciais, posteriores à publicação e vigência, que por sua vez, abarrotam o judiciário causando prejuízos econômicos e sociais travando o pais e desestabilizando a sociedade.

Mas não é só. Alguns ¨projetos¨ se sobressaem, pela capacidade de destruir aquilo que décadas de evolução legislativa logram alcançar. Contudo, o pior legislador não é aquele que legisla sem saber o que faz, é aquele que legisla descuidadamente destruindo o que já está consolidado dentro e fora dos tribunais, por anos e anos de debates, reuniões, conquistas classistas, julgamentos e negociações coletivas. Esse traduz uma legislatura perigosa e leviana. Tantos danos são causados ? segmentos econômicos inteiros vivem reféns desses ¨iluminados¨.
Deveras, são projetos e projetos. Muitos positivos, necessários até, motivados por sentimentos legislativos desinteressados e altruístas, outros verdadeiramente aventureiros, motivados por manobras sorrateiramente eleitoreiras e inconfessáveis.
Justo por isso, rabisco o presente texto. Há projetos de lei desastrosos, que, depois de publicados e do alto de seu poder legal, despencam no abismo de alturas jurídicas colossais, lançados por Ministros, Desembargadores e Juízes que, via de regra, no seu íntimo, lamentam a qualidade da lei e questionam a probidade legislativa de seus autores, contudo, não sem antes, assistirem indefesos, seus efeitos nefastos entre os segmentos atingidos pelo delírio legislativo de seu autor.

De outro giro, e para não perder o foco, cito um projeto de lei, que de tão ímprobo, conseguiu estarrecer e contrariar gregos e troianos, digo, empregados e empregadores. O PL 4.436/2008 e seus apensos que, se não barrado a tempo, certamente entrará para a história dos Tribunais, como o mais imperfeito dos instrumentos legislativos já elaborados, pior até, que aquele, proibidor da pesca montado no pescoço de uma girafa.

Por este instrumento legislativo, tenta-se, de forma quase infantil, a vigência de lei, a qual devia denominar-se ¨lei da insegurança privada¨ que, por óbvio, também, resultará em ¨insegurança pública¨, opondo-se a tudo o que se consolidou de bom, útil e legal, nas últimas décadas, relativamente ao setor.

Destaco aqui, alguns pontos, que de tão distorcidos do ordenamento jurídico, merecem especial atenção:

Locação de mão-de-obra via ¨prestadores individuais¨ ou via ¨cooperativas de vigias¨; transporte de valores de até R$ 10.000,00 por qualquer meio de transporte (carroça, bicicleta, velocípede, a pé ou, ainda, via foguete); suspensão da atividade por até noventa dias; assistência psicológica continuada às expensas das empresas, dispensa da obrigatoriedade da contratação de segurança, quando o contratante alegar que sua atividade não suporta o custo; entre outras tantas irrazoabilidades.

Nababesco não?


A questão seria singela, não fosse o fato de que a locação de mão-de-obra envolve operação de extrema complexidade, com vínculo empregatício inquestionável e indefensável nos Tribunais do trabalho, alíquotas tributárias, verbas rescisória, auxílios-alimentação, horas extras, férias, reservas técnicas, décimo - terceiro salários, benefícios convencionais, seguro de vida em grupo, EPI´s, rescisões de contrato de trabalho, recolhimento de FGTS, intervalos intrajornadas, adicionais noturnos, avisos prévios, encargos sociais, Sesc, Incra, Sebrae, Auxílio enfermidade, faltas legais, licença paternidade, acidentes de trabalho, uniformes, treinamentos, reciclagens, ISS, Pis, Cofins, etc.

Poderíamos abordar, também, questões tributárias, contratuais, responsabilidades cíveis e criminais na execução dos serviços, bem como aquelas ligadas a saúde ocupacional, meio ambiente do trabalho e, principalmente, ao rigoroso controle da atividade pela Policia Federal, mesmo em situações em que não se verifica o uso de arma de fogo, contudo, esse não é o objetivo desse resumido trabalho.

Não obstante isso, e apenas a título de exemplo, coloca-se para reflexão: suponhamos que determinado ¨prestador individual¨ durma no serviço e que, em virtude disso, determinada residência sofra assalto de grande monta, inclusive, com seqüestro e perda de vidas, quem responderá pelos prejuízos e mortes? O assalariado? Não sendo este, empregado de empresa, quem lhe prestará assistência psicológica continuada? O tomador dos serviços? quem o substituirá enquanto se trata? O tomador pagará o salário dos dois?

Na verdade, aqueles que militam no segmento, sabem que se instalará o caos. Milhões de reclamatórias trabalhistas serão distribuídas pelos advogados de plantão, requerendo de tudo, de horas extras e vínculos empregatícios a indenizações por danos morais e materiais.

Pergunta-se: Abarrotar o judiciário com demandas judiciais, totalmente previsíveis e evitáveis, causa prejuízos ao erário público e à sociedade? Gerar insegurança jurídica, desemprego, inviabilizar a iniciativa privada, genuína geradora de emprego e renda, retirar garantias legais de empregados e fraudar a legislação trabalhista, resultando em diminuição ilegal na arrecadação, causa danos ao erário e à sociedade? Sobrecarregar o Ministério Público do Trabalho com processos judiciais coletivos e demandas desnecessárias gera dano ao erário e prejuízo à sociedade? Fazer com que órgãos públicos e empresas privadas respondam subsidiariamente por verbas e encargos trabalhistas que ultrapassarão a casa dos bilhões, resulta em prejuízo à fazenda pública e à sociedade? É realmente lamentável o referido PL.

Devo ressaltar, que até mesmo os leigos na matéria, sabem, que cooperativas de trabalho, nascem para prestar serviços aos seus cooperados, jamais para terceiros, menos ainda ofertando mão-de-obra, o que, por sua vez, resultará em vínculo empregatício diretamente com o pobre e desinformado tomador dos serviços, tanto é assim, e tamanho foi o prejuízo do erário, que o Ministério Público da União, Procuradoria Geral do Trabalho e Advocacia Geral da União, firmaram Termo de Ajustamento de Conduta visando a não contratação de mão-de-obra ofertada por ¨Cooperativas de Trabalho¨.

Falando nisso, façamos um pequeno exercício mental, para justificar o título do presente artigo. A lei 8.429/1992 prescreve em seu art. 1º que os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.

Para que se espanque qualquer dúvida, o seu artigo 2º reputa agente público, como sendo todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vinculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

Em remate dispõe o artigo 3º que a referida lei é aplicável, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

Deve-se registrar, por fim, que constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário, qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei.

Com base nisso, e sem cometer nenhuma heresia jurídica, pode-se vislumbrar a possibilidade material do enquadramento legal. Vou mais além, verifica-se até, a possibilidade de instauração de Inquérito Civil, pelo Ministério Público, após o início da vigência da lei, para apurar improbidades legislativas que resultaram em sérios prejuízos sociais e econômicos causadores de sonegação fiscal, desempregos e desordem social. Ora, o legislador deve ter o mínimo de preparo, afinal, fora eleito para bem representar os interesses de seus eleitores.

Preparem-se, Operadores do Direito, Ministério Público do Trabalho, Receita Federal do Brasil, Juízes, Desembargadores, Ministros, Sindicatos, Federações, Superintendências Regionais do Trabalho, ONG´s, enfim, vai ser dada a largada ....................... pensando bem, vou parar por aqui, para o bom legislador meio texto deve bastar.

SALMEN KAMAL GHAZALE
Empresário, Advogado militante, pós-graduado em Direito Processual Civil, Direito Tributário e Direito Constitucional. Vice-presidente para assuntos jurídicos e institucionais da Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de Valores ? FENAVIST ? Membro titular da Comissão Consultiva para Assuntos da Segurança Privada - CCASP.