DIREITO ADMINISTRATIVO - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, SUAS FORMAS, SANÇÕES E A ADMINISTAÇÃO PÚBLICA

 

 

                                        Jorge Clecio de Moraes Dias[1]

                                                                                               

Resumo

 

A improbidade administrativa é um dos maiores males envolvendo a máquina administrativa do nosso país e um dos aspectos negativos da má administração que mais justificam a implementação de um maior controle social. A expressão “improbidade” designa tecnicamente, a chamada “corrupção administrativa”, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública, de seus fundamentos básicos de moralidade, afrontando os princípios da ordem jurídica do Estado de Direito. Os diversos ilícitos contra a Administração pública, na sua quase que totalidade são puníveis criminalmente pela legislação do nosso Código Penal e legislações extravagantes, entretanto como sabemos, o judiciário é moroso e muitas vezes os delitos tornam-se prescritos pela própria legislação, beneficiando deste modo, os seus autores, e é por isso que o Estado, através do implemento da Lei 8.429/92 (lei de improbidade administrativa) tentou assegurar meios eficazes de reaver o erário subtraído, deste modo, objetivando proporcionar um maior conhecimento sobre a Lei 8.429/92, se faz necessário um estudo detalhado sobre os meios de combate aos ilícitos da Administração Pública.

 Palavras chave: Improbidade Administrativa – Formas de Improbidade – Sanções - Efetividade da Legislação.

 1. Introdução

O presente artigo visa conceituar tecnicamente e, determinar as principais e mais rotineiras formas de improbidade administrativa, com o objetivo de tentar encontrar meios eficazes de combate e controle de tais atos de malversação do patrimônio público.

Com o fito de erigir um trabalho que possa ser útil ao entendimento do senso comum no que se refere aos atos causadores de condutas ímprobas atinentes aos agentes públicos, nas suas diversas modalidades, para isto se fez necessário, na realização do presente trabalho, uma busca em obras literárias de doutrinadores especialistas no assunto, bem como fontes de outras naturezas.

O princípio da Honestidade diz respeito ao universo de moralidade que deve reger a conduta do agente público, todos devem seguir princípios morais para se viver em sociedade, e a honestidade é um destes princípios; imparcialidade, ou seja, que o agente deve ser impessoal em sua função e evitar qualquer forma de discriminação no exercício da função; legalidade significa que todo ato administrativo está delimitado por parâmetros legais e o efeito destes atos deve corresponder a estes limites.

O conceito de improbidade é bem mais amplo do que o de ato lesivo ou ilegal em si, é o contrário de probidade, que significa qualidade de probo, integridade de caráter, honradez. Logo, improbidade é o mesmo que desonestidade, mau caráter, falta de probidade. Assim, pode-se definir o que seja a improbidade administrativa, nos ensinamentos doutrinários dominantes, como sendo:

“A corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica (Estado de Direito, Democrático e Republicano) revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo "tráfico de influência" nas esferas da Administração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios ilícitos”. (PAZZAGLINI FILHO, M; ELIAS ROSA, M. F. e FAZZIO JÚNIOR, 1996.).

 

 

2. Histórico

 

A preocupação com a imoralidade dos atos dos administradores públicos, já se poderia ver no direito romano, de fato no ano 149 a.c., foi editada a  lex de repentudis, a qual penalizava o  mau administrador público mediante a devolução ao erário daqueles valores gastos irregularmente. Esse diploma legal pioneiro decorreu do árduo trabalho de L. Campunio Pisone que representava a plebe na cúria romana. Posteriormente foi sancionada a lex Julia, que ampliou esta pena, estabelecendo a devolução em quádruplo dos prejuízos, adicionando-se à sanção de perda dos direitos civis ao administrador ímprobo. (FREITAS, Juarez. 1998 p. 55).

Maurice Hauriou, historicamente lançou as primeiras bases sobre a temática da moralidade, em seu compêndio de Direito Administrativo. Antonio José Brandão, administrativista lusitano, assinala que no início do século XX, surgiu um movimento denominado: “moralização do Direito”, que trazia no seu conjunto um ânimo de vincular a atividade jurídica ao questionamento de ordem moral.

Os positivistas se insurgiram contra essa idéia, tendente no fato em que o objeto da Ciência Jurídica passara a sofrer uma série análise crítico-valorativo. Isto porque o positivismo sistematizava uma cisão artificial no discurso jurídico. Mas a resistência positivista não exauriu os expoentes do movimento, certos que estavam da importância do pensamento em elaboração para o aperfeiçoamento da atividade estatal. O movimento da moralização do direito vai gradativamente ganhando espaço, sendo que a teoria do abuso do direito, figura mais incisivamente no Direito Privado, tendo se originado no Direito Público, a formulação do desvio de poder.

Dentro da análise jurisdicional do desvio de poder realizada por Hauriou, é que surge a idéia da moralidade administrativa. Este novo conceito apresentado desagradou inúmeros juristas, talvez por estes se esquecerem que, em todos os pedidos judiciais está subentendido que é em nome da justiça e da moral que se pretende a decisão favorável pleiteada. (BRANDÃO. 1951, p. 457)

A história do Direito atesta que ambas as noções: moral e justiça foram progressivamente tratadas com maior zelo. Os juristas tradicionais, contrariados ou não, terminaram por render-se, compreendendo a noção de moralidade administrativa. Dentro desta perspectiva, Hauriou foi um fecundo e operoso agitador de idéias, um jurista dotado de mente aguçado, sempre disposto a rever suas próprias criações. (BRANDÃO. 1951, p.458)

  A moralidade administrativa não se confunde com a moralidade comum, pois é constituída por normas de boa administração, advinda da disciplina interna da atividade administrativa, deste modo, é uma espécie do gênero moralidade comum, sendo uma forma especial desta. A administração no sentido de gestora administrativa concretiza as normas de Direito Público, a fim de satisfazer os interesses públicos do bem comum da população, por meio de serviços públicos específicos, qualificados e adequados. A boa administração é revelada na medida em que se aplicam o senso moral comum as normas do quotidiano administrativo, sem que isso represente a liberação do agente público da obrigação primordial de respeitar a ordem institucional.

Por via de conseqüência, o agente público, atenta contra a moralidade administrativa quando determinado por fins imorais e desonestos, deixando de lado a ordem institucional. Isto acontece quando embora zeloso profissionalmente, venha a ultrapassar sua competência legal, ou ainda, quando se atrever a tirar vantagens do patrimônio que tem o dever de guardar. A distinção entre moral comum e moral administrativa é uma questão complexa a ponto de algumas das vezes não se poder determinar quando começa uma e termina a outra ou mesmo em que pesa a situação onde é apropriada uma ou a outra. Pois a noção de uma boa administração abrange a moral comum e conseqüentemente prescrições de ordem técnica.

O artigo 37 da Constituição Federal de 1988, parágrafo 4º, elevou o principio da moralidade ao plano constitucional, delegando aos legisladores infraconstitucionais a tarefa de editar lei disciplinadora dos atos de improbidade. Após a exposição introdutória do tema, passa-se a uma reflexão mais incisiva sobre o tema da moralidade administrativa, construindo-se a base do assunto proposto.

3. As Formas de Improbidade

 

A nossa lei de improbidade (Lei 8.29/92) dividiu os atos de improbidade em três grandes grupos, sejam eles: os atos de improbidade que importassem enriquecimento ilícito, art.9º; os atos de improbidade que causassem lesões ao erário, art. 10 e os atos que atentassem contra os princípios constitucionais da administração pública, art. 11. As três categorias de improbidade administrativa têm a mesma natureza, que fica nítida com o exame do étimo remoto da palavra improbidade. O vocábulo latino "improbiatte" tem o significado de "desonestidade" e a expressão "improbus administrator" quer dizer "administrador desonesto ou de má-fé”. Portanto, a conduta ilícita do agente público para tipificar ato de improbidade administrativa deve ter esse traço comum ou característico de todas as modalidades de improbidade administrativa: desonestidade, dolo ou má-fé e, a falta de probidade no trato da coisa pública.

3.1 Atos de improbidade que causam enriquecimento ilícito

O enriquecimento ilícito disposto no artigo 9º, Lei n° 8.429/1992, caracteriza-se pelos atos que importem auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do cargo, mandato, função, emprego ou atividade.

Alguns atos que ilustram este dispositivo são os contratos firmados com empreiteiras, atos demasiadamente valorizados, participação em lucros com empresas terceirizadas para a execução de serviços, o recebimento de propinas e vantagens em detrimento do patrimônio público, a utilização de máquinas e instrumentos públicos em benefício próprio, adquirir, para si ou para outrem, no exercício do mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público, dentre outros.

O núcleo central do art. 9º refere-se a “auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício do cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° da lei”. Percebeu-se que o legislador quis fechar qualquer porta de acesso daqueles que desejariam aproveitar-se de alguma forma do seu cargo público para que em razão dele conseguisse burlar qualquer meio de fiscalização e se apropriar de vantagem quer seja patrimonial ou não.

Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:

        I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;

        II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado;

        III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;

        IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;

        V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;

        VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

        VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;

        VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;

        IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza;

        X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;

        XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei;

        XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.

3.2 Atos de Improbidade Lesivos ao Erário

A lei é cristalina, quando trata dos atos de improbidade que causam prejuízo ao erário (tesouro, fazenda pública). A improbidade administrativa, neste caso, manifesta-se, pela ação ou omissão dolosa (voluntária) ou culposa (involuntária) que produza perda patrimonial, desvio, apropriação, malbarato ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades discriminadas no artigo 1º da Lei 8.429/92, então vejamos:

Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.

Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.

O erário é o fisco, a fazenda pública, o tesouro, refere-se ao aspecto econômico – financeiro, o patrimônio público é mais abrangente, pois abarca os bens de valor econômico – financeiro e também os de valor histórico, estético, cultural, artístico e turístico.

O agente público estará sujeito aos imperativos da norma do artigo 10, quando da sua conduta resultar lesão ao erário público. O elemento subjetivo tanto poderá ser a culpa quanto o dolo, conduta ativa ou omissiva. (PAZZAGLINI FILHO, Marino.; ROSA, Marcio Fernando Elias.; FAZZIO JUNIOR, Waldo. 1999, p. 75).

A repressão à perda patrimonial do erário, se atingida as condutas culposas, se torna mais larga que a do enriquecimento ilícito, no que se referem aos prazos, multas e outras. O rigor legal dessa previsão, ao englobar as condutas meramente culposas, tem uma razão de ser. É inconteste que todo agente público que trate com dinheiro público deve pautar sua conduta pela máxima diligencia possível, sob pena de se ver inserto no tipo ilícito.

Obviamente, esse foi o pressuposto no qual se assentou o legislador ao considerar passíveis das sanções da regra do artigo 10º os ímprobos culposos, na qual a redação é:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;

IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;

V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;

VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;

VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;

IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;

X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;

XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;

XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;

XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.

XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei; (Incluído pela Lei nº 11.107, de 2005)

 XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei. (Incluído pela Lei nº 11.107, de 2005)

 

 

3.3 Atos contrários aos princípios Administrativos

O desenvolvimento das atividades administrativas deve focar a satisfação do interesse social, não sendo admissível, nem desejável que a estrutura administrativa se volte a atender aos interesses dos particulares. O interesse público deve prevalecer sobre os interesses dos administrados, logo, os administrados podem e devem esperar que os agentes públicos, sejam de qualquer nível, reúnam um conjunto mínimo de virtudes ligadas à moralidade administrativa, v.g. honestidade, lealdade, imparcialidade, impessoalidade, esses são os adjetivos imprescindíveis a qualquer profissional que pertença aos quadros da administração pública. (FIGUEIREDO, Marcelo. 1998)

O artigo 37 da CF/88 previu como princípios constitucionais, a legalidade, a moralidade, a impessoalidade, a publicidade, e mais recentemente, foi incluído pela Emenda Constitucional nº. 19, de 4 de junho de 1998, o princípio da eficiência. É certo que não podemos somente nos ater a esses princípios, visto que, a doutrina e a jurisprudência expressivamente salientam a existência de outros princípios, tais como: prevalência do interesse público sobre o privado, razoabilidade, proporcionalidade, ampla defesa, segurança jurídica.

É mister que a conduta dos administradores públicos esteja sempre sob a mira da fiscalização da população, e também que essa fiscalização por parte dos administrados e da imprensa em geral perceba uma séria de ocorrências, irregularidades, desvio dos valores públicos e práticas de atos ilícitos contrários aos princípios da administração pública. Esses fatos maculam o bom desempenho da máquina pública, colocando-a em descompasso com a expectativa de seriedade dos agentes públicos e atentando contra os vários princípios éticos e jurídicos que norteiam a administração.

Com o propósito de tentar eliminar esses vícios que podem contaminar a conjuntura administrativa, o legislador previu, no artigo 11 da Lei 8.429/92, uma regra de reserva, para os casos de improbidade administrativa que não acarretam lesão ao erário, nem importam em enriquecimento ilícito do agente público que a pratica, compreendeu-se deste entendimento, que o bem jurídico tutelado pelo diploma em questão é a probidade administrativa, revelada pelo artigo 21, quando ventila a possibilidade de se caracterizar como ato de improbidade, ainda que sem a efetiva ocorrência de prejuízo.

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

 I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;

IV - negar publicidade aos atos oficiais;

V - frustrar a licitude de concurso público;

VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;

VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.

4. Sanções

A lei 8.429/92 não define crimes, os atos tipificados nos artigos 9°, 10 e 11 não constituem crimes no âmbito da referida lei, muitos desses comportamentos são também de natureza criminal, definidos, em outras leis, como por exemplo, o Código Penal, o Decreto-lei201, aLei n° 8.666/93 etc.

A sanção é de natureza política ou civil, cominada na lei sob estudo, independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação própria. “O agente ou terceiro beneficiário dos bens ou de valores acrescidos ao patrimônio que deu origem ao enriquecimento ilícito, ficará sujeito à perda desses bens”. (OSÓRIO, Fabio Medina,1999).

Assim, para ilustrar as penalidades cabíveis, depois de discriminados os atos de improbidade administrativa que importam em enriquecimento ilícito, apresentam-se as seguintes cominações:

1) perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio;

2) ressarcimento integral do dano, quando houver;

3) perda da função pública;

4) suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos;

5) pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial;

6) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos.

Na ocorrência da prática de atos de improbidade, que causem prejuízo ao erário, as sanções são:

I) ressarcimento integral do dano, se houver;

II) perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância;

III) perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos;

IV) pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano;

V) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditício, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.

Por fim, a prática de atos de improbidade, que atentam contra a moralidade e demais princípios da administração, acarreta as seguintes sanções:

1) ressarcimento integral do dano;

2) perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos;

3) pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente;

4) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefício ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos

5. Medidas Cautelares

Na lei de improbidade, estão prevista três medidas cautelares específicas: a indisponibilidades dos bens, art. 7º; o seqüestro dos bens e bloqueio de contas bancárias, art. 16º; e o afastamento do agente público do cargo ou função pública, art. 20º, sendo estas medidas preparatórias ou incidentais, consoante o caso em espécie.

Art. 7° Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.

Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.

Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do seqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.

§ 1º O pedido de seqüestro será processado de acordo com o disposto nos arts. 822 e 825 do Código de Processo Civil.

§ 2° Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no exterior, nos termos da lei e dos tratados internacionais.

Art.20. Aperda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.

O procedimento cautelar de indisponibilidade e seqüestro de bens visa à garantia da execução que venha a condenar o agente ímprobo à devolução dos bens havidos ilicitamente ou mesmo a perda patrimonial do erário. O pedido de indisponibilidade poderá, inclusive, atingir terceiros beneficiários dos atos de improbidade e não se limita a bens imóveis, podendo atingir contas bancárias e aplicações financeiras no Brasil e exterior.

O afastamento provisório da autoridade administrativa poderá ocorrer na fase investigatória ou judicial, pois o agente público, durante o período, perceberá normalmente seus vencimentos. O objetivo da medida é evitar o desaparecimento de prova documental. E ainda, visa inibir a influência, intimidação ou constrangimento dos subordinados.

Entretanto, a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LIV, eleva o direito fundamental a garantia do que, sem o devido processo legal, nenhum cidadão será privado de seus bens ou direitos. A regra constitucional como toda regra jurídica, comporta suas exceções. Dessa maneira, medidas que atinjam o patrimônio do cidadão, somente serão permitidas, caso se mostre indispensáveis e ainda dentro de limites e contornos definidos em lei e com a chancela do judiciário.

O poder judiciário, detentor do poder geral de cautela, deverá com prudência, conceder liminares de indisponibilidade de bens, afastamento do cargo ou outras medidas equivalentes, o bloqueio e a indisponibilidade de bens é uma medida assecuratória da execução da sentença. O pedido poderá ocorrer no curso do procedimento administrativo, a par do que preceitua o artigo 16 da Lei de Improbidade, desde que existam fundados indícios de responsabilidade. A comissão processante encaminhará representação ao Ministério Público ou a Procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente, a decretação do seqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.

A regra, em comento, concedeu aos autores da ação de improbidade o juízo de oportunidade da indisponibilidade ou seqüestro do bem, desde que existam fundados indícios de responsabilidade, o pedido deverá ser motivado e acompanhado da documentação, mesmo que incipiente.

Fabio Medina Osório afirma que a indisponibilidade dos bens do agente ímprobo é “medida obrigatória” não sendo faculdade concedida às entidades legitimadas. O perigo na demora na medida seria proveniente da gravidade dos fatos, do montante, em teses dos prejuízos causados ao erário. Prepondera aqui, a análise do requisito da fumaça do bom direito. Se a pretensão do autor do ato se mostra plausível, calcada em elementos sólidos, com perspectivas concretas de procedência, a conseqüência jurídica adequada, desde logo, é a indisponibilidade patrimonial e posterior seqüestro dos bens.

 

6. Casos práticos

Exemplificamos alguns julgados na seara dos ilícitos administrativos a fim de demonstrar a real capacidade da lei em comento:

EMENTA:  SERVIDOR PÚBLICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MUNICÍPIO DE MUÇUM. APROPRIAÇÃO DE VALORES. AMPLO CONTEÚDO PROBATÓRIO. CONDENAÇÃO DA SERVIDORA. COMINAÇÃO NAS PENAS PREVISTAS NO ART. 12, I, DA LEI Nº 8.429/92. Condenação da servidora do Município de Muçum pela prática de improbidade administrativa causada por desvio de valores a que tinha acesso quando exercia a atividade de tesoureira. Amplo conteúdo probatório a corroborar a tese de responsabilização sustentada pelo Ministério Público. Procedência da ação. Aplicação da Lei nº 8.429/92. Cominações legais de: 1) ressarcimento do dano causado ao erário municipal; (2) pagamento de multa civil correspondente ao dobro do valor do acréscimo patrimonial que obteve que, no caso, corresponde ao mesmo valor a ser apurado como dano ao erário; (3) perda da função pública; (4) suspensão dos direitos políticos por oito anos; e (5) proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócia majoritária, pelo prazo de 10 (dez ) anos. Manutenção da sentença. APELAÇÃO IMPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70013386743, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson Antônio Monteiro Pacheco, Julgado em 14/09/2006).

 

EMENTA:  APELAÇÃO CÍVEL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DOAÇÃO DE CALÇADOS AO MUNICÍPIO DE ROCA SALES. DESVIO DE BENS PÚBLICOS PELO SECRETÁRIO DA ADMINISTRAÇÃOEM PROVEITO DE CANDIDATOÀ VEREANÇA. DAÇÃO DE CALÇADOSEM TROCA DE SUFRÁGIO.PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE OBSERVADOS NA DOSIMETRIA DA PENA. HIPÓTESEEM QUE AJUSTADAS AOCASO AS PENAS DE RESSARCIMENTO DO DANO, DE MULTA E DE SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS POR CINCO ANOS. NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. (Apelação Cível Nº 70013867858, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Matilde Chabar Maia, Julgado em 20/07/2006).

Também alguns casos foram relatados pela imprensa no que se refere à atuação da justiça no combate aos ilícitos administrativos:

Ribeirão Bonito-SP “Ex-prefeito BUZZA, condenado por atos de improbidade administrativa”: Essa condenação é referente a sua gestão anterior de1989 a1992, o tribunal de Justiça do Estado de São Paulo confirmou de forma definitiva a sentença proferida pela Juíza de Ribeirão Bonito que julgou procedente ação condenando o então Prefeito Antonio Sergio de Mello Buzzá, a ressarcir aos cofres públicos3.832 kgde carne, 1530 telhas romanas, 1000 telhas francesas,121 m².  De laje treliçada e a devolver CR$ 16.400.000,00 corrigido desde dezembro de 1992 até a data do efetivo pagamento e, ainda, foi-lhe imposta a pena do inciso II, art. 12, da Lei 8.429/92. (Apelação nº 226.319.5/2-00 – autos nº 436/96. Disponível: <http://www.amarribo.org.br/mamb>. Acesso em 06 de nov. de 2006.).

Maluf é condenado por improbidade administrativa por: JORNAL NACIONAL/O GLOBO ONLINE . A Justiça condenou o ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, por improbidade administrativa. Ele teve os direitos políticos cassados por dez anos. Pela decisão, ele deve devolver dinheiro aos cofres públicos e ainda pagar multa. Ele foi condenado em primeira instância por ter feito promoção pessoal usando recursos públicos quando ainda era prefeito. Os advogados dele vão recorrer para suspender os efeitos da condenação ate o julgamento final do caso. Maluf foi o deputado federal mais votado de São Paulo e, depois de tomar posse, terá direito a foro privilegiado. Isso significa que ele só poderá ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). (Disponível em: <http://canais.ondarpc.com.br/eleic. phtml?id=3182>.  Acesso em 06 de nov. de 2006.)

7. Conclusão

A Lei 84.29/92 surgiu como meio regulamentador do princípio da moralidade administrativa, inserto na Constituição Federal de 1988, meio este que refletiu na seara do controle sobre os ilícitos da administração pública, inexorável efetividade, tendo em vista a sua material aplicabilidade, conjugado com as diversas legislações protetivas, isto é, Código Penal, Ação Civil Pública, Inquérito Civil e estatutos dos mais diversos órgãos dos poderes e da administração pública... Aliado ao poder judicante e fiscalizador, este diploma conferiu importante ferramenta aos juízes e agentes do Ministério Público.

Em nosso sistema harmônico de divisão de poderes não se pode permitir as intempéries de uns sobre os outros, o poder político e econômico jamais poderá se sobressair às instituições republicanas. É comedido e eficaz o funcionamento dentro do sistema de pesos e contrapesos, com a finalidade de se criar uma sociedade mais justa.

Combater severamente a impunidade daqueles que malversam os recursos públicos, enriquecem ilicitamente, à custa do tesouro público; lutar pela moralidade administrativa, pelos princípios éticos e morais de lealdade, probidade, impessoalidade, publicidade, transparência... É um árduo desafio, complicado, no entanto necessário à construção de uma sociedade digna, isonômica no cenário dos países capitalistas em desenvolvimento, situados na periferia dos grandes blocos desenvolvidos mundialmente.

 Assim, não somente se refere aqui, aos atos do executivo, mas a todos os agentes públicos e políticos que integram os três poderes, pois a todos é devido o irrestrito dever de retidão, probidade no trato dos atos e coisas públicas.

Estamos diante de um poderoso instrumento legal de controle dos atos administrativos públicos, a Lei 8.429/92, juntamente com a independência do Ministério Público e a ampliação do controle jurisdicional, tendo o magistrado o poder real de transformação, pois julgando, esse reconstrói o fato, se municia de circunstâncias probatórias, escolhendo a norma a ser aplicada para em seguida dar-lhe extensão do seu alcance determinado.

Deste modo, garantindo a eficácia no controle e sanção dos ilícitos da administração pública, pode-se conferir mitigação da impunidade e aos anacrônicos métodos de hermenêutica processual que refletem os interesses setoriais em detrimento dos sociais. O patrimônio público, aqui estritamente conceituado como erário, é parte integrante do patrimônio de cada cidadão, componente da sociedade brasileira, se existem problemas diversos no que diz respeito às questões sociais de educação, segurança pública, saúde, previdência e etc... É porque nossos administradores públicos ainda não se aperceberam, talvez pela cultura brasileira, desde os tempos do império, de sempre levar a melhor em relação aos outros, no pensamento equivocado em que “o que é público não é de ninguém”. Quando o que deveria prevalecer seria o raciocínio de que “o que é publico é de todos”.

Portanto a Lei 8.429/92, apesar de alguns anos de implementada, veio trazer, ainda que potencialmente, as medidas eficazes no combate aos ilícitos causados pelos maus gestores públicos, oferecendo medidas diversas, independente das sanções criminais aplicadas.

 

REFERENCIAS

 

BRANDÃO, Antonio José. Moralidade Administrativa. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 25 p. 454-467, jul/set. 1951;

 

OSÓRIO, Fabio Medina. Improbidade Administrativa. 2. ed. Porto Alegre: Sintese1998;

 

FREITAS, Juarez. O Controle dos Atos Administrativos. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999;

 

FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade Administrativa. Comentários à Lei 8.429/92. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000;

 

PAZZAGLINI FILHO, Marino.; ROSA, Marcio Fernando Elias.; FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade Administrativa: Aspectos Jurídicos da Defesa do patrimônio Público. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 1999.



[1] Bacharel em Direito - Universidade Rio Grande do Sul. Pós- Graduação-Criminologia e Gestão Segurança Pública, Pós Graduação Metodologia do Ensino Superior – UNISUL/SC.