Herbert Alcântara Ferreira 
Luana Freitas Zica 
Poliana Lopes Gusmão  

RESUMO

O presente trabalho tem por escopo a abordagem dos aspectos gerais da Improbidade Administrativa, com fundamento na Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) e nos princípios constitucionais que norteiam a Administração Pública, especialmente aqueles contidos no artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Assim, buscou-se tratar sobre os pressupostos básicos para o correto exercício das atividades da Administração Pública, as formas de controle exercidas sobre essas atividades e as características dos atos de improbidade administrativa, analisando-se sua natureza jurídica, os sujeitos envolvidos, as penalidades impostas e as medidas assecuratórias visadas através da aplicação das normas estabelecidas na Lei de Improbidade Administrativa na busca por uma gestão eficiente e na defesa dos interesses públicos.

 

1 INTRODUÇÃO

  • A ÉTICA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

                   O Estado Democrático de Direito pressupõe a existência de uma sociedade livre, justa e solidária, de maneira que o poder emana do povo e deve ser exercido precipuamente em seu proveito, fundamentando-se essencialmente no princípio da soberania popular. Dessa forma, a atuação da Administração Pública deve ocorrer sem desvio de finalidade, respeitando-se os seus princípios basilares.

                  Para a correta consecução das atividades próprias da Administração Pública em conformidade com o interesse público, pressupõe-se a existência de poder. Esse poder enseja a capacidade geral de agir, havendo a possibilidade de utilização de meios coercitivos próprios, a fim de que seja efetivamente sobreposto o interesse público ao privado sem a necessidade de se recorrer ao Poder Judiciário para tanto. Contudo, deve-se ressaltar que se trata de um poder-dever, visto que existe para o benefício coletivo. Assim, a administração da coisa pública deve se efetivar buscando-se o respeito à lei, à moral e à finalidade correspondente ao cuidado e preservação dos bens, bem como a busca pelo bem estar dos cidadãos de forma individual, focando sempre no progresso social. Tais fins devem ser realizados observando-se o princípio da legalidade, com lícita atuação por parte dos agentes públicos, que devem agir respeitando a delimitação de sua competência atribuída em lei.

                  Percebe-se, no Direito Administrativo, constante busca pela dinamicidade no equilíbrio entre as prerrogativas inerentes ao Poder Público e os consolidados direitos dos administrados, combatendo-se o uso abusivo dos poderes conferidos ao administrador. Para tanto, um dos pressupostos básicos da Administração Pública é a atuação do agente público em consonância com os limites legais, de maneira que respeite as restrições quanto à sua discricionariedade, sob pena de incorrer em excesso ou desvio de poder. 

                 O desempenho das funções dos agentes públicos deve ocorrer em observância a princípios norteadores previstos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), especialmente aqueles expressamente previstos em seu artigo 37, quais sejam: a legalidade, a moralidade, a impessoalidade, a publicidade e a eficiência. Dentre aqueles previstos de forma implícita, cabe destacar os princípios da supremacia do interesse público sobre o privado, da finalidade, da proporcionalidade e da razoabilidade. A Lei do Processo Administrativo Federal complementa, ainda, com os princípios da motivação, da segurança jurídica, do interesse público, da finalidade, da ampla defesa e do contraditório. É imprescindível a observância de todos esses princípios por parte de todo e qualquer indivíduo que desempenhe alguma atividade de caráter público, cumprindo, também, com os deveres de eficiência, probidade e prestação de contas. Objetivou-se, com o estabelecimento desses princípios e deveres, a imposição de um comportamento ético e moral por parte de todos os agentes que servem o Estado, visto que são estes os responsáveis pelas decisões governamentais e pela execução de tais decisões. Por conseguinte, a CRFB/1988 estabeleceu os pressupostos elementares do exercício da Administração Pública de maneira eficaz e moralmente compromissada com os interesses sociais.

                Um competente meio de controle utilizado para garantia da conduta moral e ética dos agentes públicos no exercício de suas funções, em conformidade com a base principiológica constitucional, é a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92), a qual se apresenta como garantia, à sociedade, de que a gestão ocorra livre de vícios e em cumprimento ao seu objetivo primordial, qual seja o interesse público.

1.2 O CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 

                 Tendo em vista que a Administração Pública é voltada para o cumprimento dos interesses sociais, são colocados à disposição da sociedade, através da lei e da própria atuação do Ministério Público, mecanismos que possibilitam o controle das atividades administrativas. Portanto, existem meios de monitoramento e contenção de abusos das atividades inerentes à Administração Pública. Esse controle pode ocorrer internamente, caracterizando um autocontrole, ou externamente, pelo Ministério Público ou pelos Poderes Legislativo e Judiciário.

                O controle interno corresponde àquele efetuado pela própria Administração Pública e fundamenta-se no artigo 74 da CRFB/1988, segundo o qual

Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:

I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União;

II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;

III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União;

IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.     

                Trata-se de uma vigilância hierárquica interna que avalia o cumprimento dos preceitos constitucionais impostos para o correto cumprimento da gestão. Existe um poder-dever de autotutela, que se cumpre através da fiscalização de órgãos inferiores por órgãos superiores, bem como por órgãos especializados. É prerrogativa da Administração Pública a anulação dos próprios atos quando da constatação de vícios que caracterizem sua ilegalidade, podendo, também, revogá-los em defesa do interesse público. Outros meios de se controlar internamente a atuação da Administração Pública são a aprovação e a homologação, além da fiscalização contábil, financeira, operacional e patrimonial interna.

                Pode-se dizer que ao administrado é facultada a participação, de certa forma, na controle dos atos no âmbito Administrativo, através da exigência da instauração do procedimento de controle, na defesa de seus interesses particulares e coletivos. Tal possibilidade instrumentaliza-se através do direito constitucional de peticionar, seja almejando a defesa de um direito ou em detrimento da ilegalidade ou abuso de poder. Também cabe ao administrado a interposição de recursos administrativos que visem à revisão do ato pela Administração Pública.

                Os atos da Administração Pública também podem ser fiscalizados por órgãos, instituições e entidades não integrantes do Poder Executivo, que correspondem ao controle externo exercido sobre a mesma. O controle externo é exercido primordialmente pelo Poder Legislativo, Poder Judiciário, Ministério Público e Tribunais e Conselhos de Contas.

                 O controle pelo Poder Legislativo tem caráter político e financeiro, conferindo proteção aos interesses público e estatal, e realiza-se através dos órgãos legislativos, ou seja, Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores, ou ainda por Comissões Parlamentares. Cumpre ressaltar que o controle da Administração Pública por parte do Poder Legislativo deve ocorrer necessariamente em conformidade com as hipóteses preestabelecidas constitucionalmente, pois ocorre interferência de um Poder sobre outro. O Tribunal de Contas apresenta-se como órgão auxiliar do Poder Legislativo e, nessa condição, atua controlando e orientando a Administração Pública. Nesse sentido, a fiscalização financeira, contábil, orçamentária, operacional e patrimonial das atividades da Administração Pública são exercidas pelo Poder Legislativo, que, para tanto, pode contar com o auxílio do Tribunal de Contas.

                 O exercício do controle pelo Poder Judiciário demanda provocações, de forma que a probidade administrativa é fiscalizada mediante iniciativa popular, por meio de ação popular ou ação civil pública, por exemplo. Sua incidência se dá de forma direta na legalidade da atuação da Administração Pública, combatendo atos ilegais e abuso de poder, de maneira que podem ser objeto de exame atos da Administração Público vinculados ou discricionários. A legalidade deve ser avaliada considerando-se os objetivos intrínsecos almejados, como a busca pelo bem estar social e o efetivo acesso, pelos cidadãos, aos serviços públicos tidos como essenciais.  O artigo 37 da CRFB/1988 dispõe, em seu §4º, que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. Dessa forma, restou implícito que a efetivação de tais medidas se dá através do Poder Judiciário, com respeito ao princípio do devido processo legal e da inafastabilidade da jurisdição.

                Cabe ao Judiciário, assim, quando provocado, o combate aos atos dos agentes públicos que contrariem a norma jurídica e configurem-se como atos arbitrários que desrespeitem os limites de liberdade de que, a princípio, revestir-se-iam. Seu âmbito de atuação abrange, ainda, a apreciação da legalidade ou constitucionalidade dos atos normativos emanados do Poder Executivo, mas não engloba a análise de atos que estabelecem normas relativas ao funcionamento interno de órgãos públicos, salvo se contrários aos princípios constitucionais e direitos individuais e coletivos.

                   Por fim, cabe destacar a atuação do Ministério Público, o qual se apresenta como protetor do patrimônio público, assim como da moralidade e da legalidade administrativa. Suas funções compreendem a fiscalização e também a implementação do controle jurisdicional, à medida que lhe cabe a titularidade do inquérito civil e a iniciativa para ação civil pública em detrimento de atos ímprobos, preservando a correta gestão da coisa pública.

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