Impressões do Evento “Cidades Inovadoras” em Curitiba-PR. Inspirado pela declaração do colombiano de Bogota, Senhor Oskar Diaz, o pai do Planning the Sustainable, “só posso ser feliz com minha bike". Motivado também pelo desafio do perquisador Senhor Steven Johnson sobre as possíveis conexões entre Visualization and Action. E também ativar o cérebro e quem sabe poder servir melhor aos pesquisadores. Experimentar os desafios de um ciclista para criar novas sinapses no cérebro e alimentar com dados os administradores da cidade com informações reais para seus novos projetos e também para ver detalhes que passam despercebidos ao dirigir. Por tudo isso, decidi vir na minha solitária bike da chácara, localizada na região norte metropolitana, para o terceiro dia do evento “Cidades Inovadoras". Saí às seis da manhã com a intenção de convidar o pesquisador Oscar Diaz para pedalar nas imediações da FIEP, já que ele foi muito receptivo a meu projeto do TransFlex (Transporte Coletivo com Flexibilidade do Individual) para a sua cidade e seria um enorme prazer ser o cicerone dele em Curitiba. Experimentei momentos de felicidade como ele mencionou. Mas experimentei também: ignorância, dor, medo e humilhação; tive também saltos de esperança. Mas caía logo na angústia, no desespero, na raiva e, finalmente pude experimentar alívio e inspiração. Todos estes sentimentos apenas nesta saga de duas horas e meia na solidão entre o guidão e os pedais da minha bike. Saí de um vale, no meio de uma floresta de araucárias, num jubiloso pedalar. Talvez tivesse sido esta a felicidade do colombiano. Mas logo cheguei à Rodovia Federal, na Estrada da Ribeira, onde percebi então que não estava preparado para essa jornada, não pela minha falta de aptidão física, mas pela ignorância, a dor que mais dói em mim. Era por desconhecer a legislação. Não sabia se devia andar na mão ou na contramão, se na via dos veículos ou no acostamento. Optei pelo acostamento da contramão, mas devido aos buracos movi-me para a pista. Consegui chegar bem à cidade de Colombo, onde encontrei pista duplicada recém inaugurada com recursos do PAC. Bons acessos a cadeirantes, mas sem ciclovias. Este acesso induziu-me a avançar pela calçada junto com os pedestres, simpáticos, cederam espaço, cumprimentaram-me e um deles até me ajudou empurrando-me pelas costas numa dessas rampas. Este gesto me fez ter a sensação de pertencimento àquele lugar. É confortante ter este sentimento, apesar de estar cometendo uma infração. Vinha bem até me aproximar das Faculdades Integradas de Colombo. Por três quarteirões sumiram os acessos a cadeirantes e sumiram também as calçadas. Tive de carregar minha bike pela primeira vez num gramado esburacado. Logo encontrei novamente os acessos. E as calçadas tornaram-se asfaltadas. Lembrei-me de que uma calçada não deveria ser de asfalto. Mas a esta altura já estava começando minha angústia e com este sentimento não era possível pensar em absorção de água das chuvas, coisa de excêntricos ecologistas. Segui avante neste conforto de calçada asfaltada até o entroncamento da BR116, que agora é denominado Linha Verde. Mas não vi verde algum. Não devia ser chamada linha negra ou cinza, ou quem sabe prata acinzentada, por causa das cores predominantes dos carros engarrafados na entrada da cidade? Neste entroncamento experimentei pela primeira vez o medo, talvez o pior para o ciclista: o de ser acidentado. Uma opção mais segura foi carregar novamente a bike e passar para o acostamento do lado oposto. Mais adiante, um veículo da Polícia Rodoviária Federal passou lentamente e parou à frente. Serei multado, perguntei para mim mesmo? Não, a parada era só para observação: “quem será este excêntrico ser de roupa social numa bike, num lugar inóspito desses?” Justifiquei a mim mesmo, ao lembrar que vi executivo japonês em Tókio, de terno e gravata e o próprio Oskar Diaz indo ao trabalho pedalando sua bike. Quis aproximar e perguntar aos policiais: Como devia eu pedalar na rodovia federal? Na mão ou na contramão? Neste trecho eu já havia mudado para a mão. Mas os vidros do carro estavam fechados. Não quis incomodar seu conforto térmico enquanto eu derretia-me de suar. Talvez não os tenha interceptado por vergonha. Ou quem sabe era somente uma raiva brotando em mim. Raiva deles gastando dinheiro dos nossos impostos consumindo mais combustível com aquele ar condicionado ligado, nesta manhã ensolarada, fato tão raro em Curitiba. O fato é que com este sentimento não dá para falar com uma autoridade federal. Segui adiante, encontrei a verdadeira linha verde em gestação. Pequenas mudas de árvores bailando ao vento. Sua resistência deu-me esperança nesta minha aventura solitária. Vi o primeiro ciclista após ter pedalado por mais de duas horas. Ele, todo esportista, fez-me sentir um peixe fora d’água. Mas agora estou na verdadeira linha verde. Sou impulsionado para a felicidade do colombiano de Bogotá. Entretanto, o prazer durou pouco. O declive e a boa pista fica veloz demais para uma bike, logo cheguei na Avenida das Torres, o cartão postal de Curitiba para todos aqueles que chegam pelo ar. Finalmente, estou na Curitiba de índice de desenvolvimento europeu. Bastava localizar a ciclovia. Mas não a encontrava. Movi de uma pista a outra e nada de encontrar. Será que há uma pista subterrânea climatizada para ciclistas? Pensei, mas onde estaria o túnel de acesso?” Guardei o GPS na bolsa. Achar o túnel era meu desafio e a operadora de celular não estava me ajudando com este serviço extraordinário. Segui pedalando meio sem rumo, buzinas insistentes incomodavam-me muitíssimo. O incômodo virou indignação, pois à buzinação foram somados gestos obscenos. Na humilhação, queria até negar minha origem de mineiro interiorano. Nada de localizar o túnel, logo me perguntei: “não será por causa do meu cansaço que não consigo enxergar este túnel?”. Ah, deve haver um portal virtual para entrar e me cadastrar, pensei. Em Curitiba deve haver aquelas coisas lúdicas virtuais que o Senhor Patrick Cocquet montou em Paris, pois até o semáforo é temporizado, de alta tecnologia. Desisti, portanto, de procurar esse acesso à ciclovia. Não havia mesmo me cadastrado no portal virtual. Agora me restava liberar a mente criativa e procurar outras opções para chegar à FIEP. Segui avante pedalando sem rumo, desviando de um carro aqui e acolá. Senti-me um guerreiro, apesar de estar muito incomodado com o ruído das buzinas. Na sequência encontrei uma pequena faixa na extremidade da rua de não mais de dois palmos de largura. “Será ela a faixa de ciclovia?”, pensei. Mas por que tão estreita? Logo respondi a mim mesmo, em Curitiba tudo deve ser muito bem dimensionado; para que ciclovias tão largas se o pneu da bike é tão estreito? Pensei como engenheiro, pois ninguém fica impune por ter feito engenharia, como disse o Presidente da Perdigão, Senhor Nildemar Secches que também é engenheiro. Segui por esta estreita faixa. Mas os carros continuavam buzinando, não entendia se penava estar ou na faixa de ciclovia, isto é, então falta de educação e sei que curitibano é educado, mas aquela buzinação não era normal. Hoje não é mesmo o meu dia, pensei com meus botões. Logo um som estridente de derrapagem de pneu fez-me estremecer e por segundos, clamar a Deus perdão por todos os meus erros na eminência de uma morte brutal. Passei ileso por essa. A derrapagem era apenas uma disputa de espaço entre os carros. Não tinha nada a ver comigo e minha bike. Segui adiante a pedalar na tentativa de reconquistar a tal felicidade do colombiano de Bogotá. Até que numa acelerada maior deparo-me com um bueiro. Descobri então que não estava em ciclovia alguma. Aquilo era faixa de bueiro. E ao desviar do bueiro, um grande caminhão arregaçou uma buzina estridente e longa. Com o susto quase sofri um ataque cardíaco. Mais adiante, encontro um colega ciclista, destes que usam a bike para ir trabalhar, barba por fazer, cara de sofrido, logo pensei: se ele tem que fazer esta aventura diariamente não é uma pessoa comum, deva ser um cavaleiro templário a pedalar”. Segui carregando minha bike em todos os cruzamentos, pois para pegar a calçada de pedestre não encontrava nenhuma rampa de acesso a cadeirantes daquelas da Estrada da Ribeira. Já a essa altura, descubro que peguei o sentido oposto na avenida. Já estava chegando à cidade de São José dos Pinhais. Reconheci de uma distância bem considerável o portal, este real, bem glamoroso. Desesperei-me com a descoberta, não consegui apreciar aquela paisagem. Só a conclusão de ter que passar por todo o tormento que passei de novo ao voltar era desesperador. Odiei até minha existência. Chutei a coitadinha da bike que vinha cumprindo sua missão de forma impecável. Só não pude culpar o fornecedor do formidável serviço de GPS, pois o aparelho foi guardado na bolsa quando procurava pela ciclovia subterrânea. Comecei no desespero a eliminar pesos extras: primeiro foi o meu bloco de anotações, as pastas e tudo mais que me lembrava o congresso. Derramei fora toda a água e finalmente os suprimentos sólidos. Restaram-me apenas uns bolinhos de arroz integral enrolado em alga. Tinha que arregaçar as mangas, dar volta 180º, seguir adiante para o evento as “Cidades Inovadoras”, pedalando nas faixas de carro, na minha exclusiva faixa de bueiro, carregando novamente a bike nas costas em todo os cruzamentos de rua e por algumas calçadas de grama. Cada bueiro que encontrava lembrava a possível ciclovia subterrânea, pois o bueiro era um prenúncio desse mundo subterrâneo nesta linda avenida. A esperança que as árvores-bebê da linha verde me deram já não mais surtia efeito. Era eu uma angústia em pessoa pedalando. Mesmo assim segui determinado, inspirado agora pelo cavaleiro templário da bike que havia encontrado. Sabia que ele estava na mesma direção, à frente a mim inspirar. As dificuldades transforam a angústia numa incontrolável raiva. Primeiro do colombiano de Bogotá ao me inspirar nesta aventura com sua profunda sensibilidade de ciclista apaixonado. Depois veio raiva do admirado Jaime Lerner, por ele não ter aproveitado aquela época de inovação revolucionária em Curitiba para construir as faixas de ciclovia. Se elas existissem desde aquela época, eu teria encontrado outros ciclistas e não um único cavaleiro templário nesta avenida e, talvez também não sentiria tão excêntrico na melhor opção de transporte para uma cidade. A raiva passou para o Steven Johnson, não por xenofobia por ser ele americano, mas por ele não ter me dado a resposta de quantas pessoas são necessárias para mudar uma cultura numa cidade; uma vez que na espécie dos macacos serem necessários apenas 100 deles. Ele com 1,5 milhões de pessoas a segui-lo no Twitter, com tanto sucesso e tanta pesquisa com cidades e organismos vivos, poderia ter nos dado esta resposta e assim, quem sabe ter dado um pingo de esperança para os empreendedores sociais, como a iniciativa da cooperativa de segurança fundada por este autor. Até quando a cultura exclusivista e antirelacional dos curitibanos se manterá? Steve Johnson com toda a sua humildade respondeu apenas que não havia se aprofundado na pesquisa da experiência do centésimo macaco. Aceitei sua justificativa até porque ele foi aberto à ideia de promover o projeto do TransFlex na sua terra. Por causa deste assunto tive raiva também do americano, senhor J. Brock Mc Clane, ao informar em sua palestra que foi graças à cordialidade dos habitantes de Orlando que a cidade foi transformada na melhor capital para se investir. O sentimento do visitante de pertencer ao local cria o bem estar e a pessoa fica e investe. Mas havia tão poucos ouvidos curitibanos na plateia, por que ele não repetiu com mais veemencia para que pelo menos os poucos presente pudese colocar a carapuça. A raiva chegou ao francês, responsável pelo Digital City de Paris, senhor Patrick Cocquet. Não entendo porque transformar a Cidade Luz em Digital City, me perguntava, pois eu não conseguia ver prazer em atividade lúdica virtual em Paris. Por que ele não emprestou algum parco recurso necessário e a fundo perdido para o Mayor de Curitiba fazer as faixas de ciclovias, no lugar de gastar tanto por lá só para colocar as pessoas da cidade das luzes para a realidade virtual? Tive raiva do espanhol de Barcelona, Senhor Josep Roig, que sumiu assim que terminou a palestra, talvez fosse o único com poder sobre algum fundo que poderia emprestar tais recursos para construir as ciclovias que este autor demanda tanto neste momento. Odiei até o neurobiologista chileno Senhor Maturama, o pai da teoria autopoiese e da biologia do conhecimento; que injustiça! Ele, tão desapegado, tão iluminado, até me inspirou a buscar na inocência e que também serviu de inspiração para esta jornada do terceiro dia de bike. Também deva ser pela inocência que procurarei pelo portal de entrada na ciclovia subterrânea climatizada da Avenida das Torres. Foi ele o responsável por fazer-me acreditar no poder da inocência para inovar e construir uma cidade mais justa. Mas como? Se nem faixa de ciclovia há na única capital brasileira com índice de desenvolvimento humano europeu? Descobri, somente neste dia do evento, que as ciclovias, em Curitiba, servem apenas ao lazer. Pergunto? O invento da roda, que tem na bike sua melhor representação, servir apenas a lazer não é um desperdício na cidade mais ecológica? Os antepassados do povo desta cidade que tanto plantaram o verde nas ruas será que desejavam apenas carros nestas ruas arborizadas? Quando entro num destes túneis verdes nas ruas de Curitiba sinto-me deslocado para um mundo encantado. Como gostaria de poder apreciar de bike este espaço público. Mas nestas vias rápidas não há nem acostamento e as calçadas são tão estreitas e desniveladas que até para pedestre é difícil e perigoso, imagine para ciclistas? Há também uma questão social, como bem disse Oscar Diaz. Se o trabalhador puder ir de bike economizará para colocar alimento à mesa. A inocência que busquei, entretanto, só me fez suar. Com isso a raiva direcionou, agora para o grande filósofo canadense, Sr. Pierre Lévy. Por que ele não aceitou colocar o capital espiritual na mandala de capitais dele, o que sugeri em público tão inocentemente? Na nossa discussão particular nos corredores, enquanto a tietagem de jovens (estes que não se permitem frustrar em suas buscas efêmeras de conhecimento no buscador) permitisse, disse-me não acreditar em um quociente de inteligência espiritual, pois espiritual não é quantitativo, pois não se pode medir. Finalizou que espiritual está em tudo e que sua visão espiritual está no livro que me apresentou, ao pegar de outra jovem ansiosa por um autógrafo. Informou-me que desconhecia o livro Capital Espiritual dos pesquisadores D. Zohar e de I.Marshall. Não pude recriminá-lo por isso, pois desconhecia o livro dele também, mas lhe disse: o espiritual pode ser medido por um quociente e a inteligência espiritual deva existir, sim, haja vista, que os cientistas já descobriram o ponto de Deus no cérebro e que a inteligência divina é a integral da somatória das inteligências humanas no intervalo menos infinito a mais infinito. Deste passei a ter raiva deste grande admirador de Curitiba, Sr. Marc Weiss, presidente do Global Urbam Development ao defender que devemos ser frugais como nossos avós pela qualidade de vida e pela sustentabilidade das cidades. Se isto é tão importante para ele por que não fez ecoar minha sugestão em criar o dia internacional da frugalidade, todos num único desafio: “Viver com um dólar e meio por dia em um dia no ano”. Exercício para treinar esta frugalidade perdida ou criar novas formas para viver de forma mais sustentável na sociedade moderna. Não seria um meio de conscientizar como se faz no dia internacional das cidades sem carros nas ruas? Se Waren Buffet, Jorge Paulo Lemann, que mesmo bilionários nos inspiram a uma vida assim, como, então, não poderia ecoar um dia internacional como este se há tão bons exemplos a inspirar? A FIEP nunca chegava e o cansaço vez a raiva chegar ao grande empresário Gerdau. Ele pôde vir ao evento, certamente estava em uma de suas inúmeras obrigações mundo afora na promoção de uma das mais internacionais empresas brasileiras. Raiva, só e somente só, por ele ter mandado um executivo brilhante o representar, Senhor. Erik Camarano, sem o avissar que o evento seria no Brasil onde se fala português, Fernando Pessoa que considerava a língua portuguesa como sua pátria, deve ter torcido no túmulo ao ouvir o importante serviço da MBC Brazil Competitive Movement ser explanado em inglês em terras tupiniquins. A raiva foi passando por todos que abrilhantaram este evento até que finalmente chegou ao meu herói, o Barão de Serro Azul, neste ponto receio ter ficado neurótico. Imagine ter raiva de um espírito tão venerável aos empreendedores desta cidade. Mas não podia aceitar ele não ter salvado sua pele e ter deixado os maracatos saquearem esta cidade. Quem sabe com a cidade saqueada as pessoas tivessem que andar mais de bike e este hábito poderia ter transformado a cidade, que ele tanto amava, numa cidade mais sustentável? Finalmente estacionei a bike em frente a FIEP. Cheguei são e salvo. Ao descer da bike não senti meus pés tocarem o chão de tanto cansaço. Uma sensação de flutuar. Pensei: se posso sentir flutuar apenas por cansaço físico neste brilhante evento que tanto elevou minha consciência, posso voar. E se puder voar, não precisarei mais desta bike. Logo, na favela em frente pude vendê-la, só espero que as duas notas de 50 reais não sejam falsas. Depois desta minha vivência, não poderia mesmo convidar nenhum visitante a pedalar, pois além de ser uma ousadia seria um marketing negativo para a cidade, considera capital verde e a única de índice de desenvolvimento europeu do Brasil. Ao retornar ao meu vale das araucárias, de onde saí, agora não de bike, mas no meu cavalo caramelo parei na vila Roseira e comprei outra bike, não qualquer uma que se encontra por aí, mas uma histórica, um grande achado para pendurar na parede. Esta sorte deve ser uma recompensa do universo a este meu singelo esforço para ajudar a construir uma cidade melhor. O prazer que busquei pedalando foi transferido, agora, no orgulho da posse desta peça de museu. Se você leu até aqui, para mim foi um mérito e até me envergonho das raivas de outrora. paulorguimarã[email protected] 12-02-2010