Imposto de renda incidente sobre o ganho de capital na alienação de imóvel rural por pessoa jurídica sujeita ao regime de apuração pelo lucro presumido – breves apontamentos.

 

 

I                Ganho de Capital - Regras Gerais

Na presente análise, consideraremos que a pessoa jurídica alienante do imóvel rural não possui atividade imobiliária, pelo que convém observar que os imóveis seriam contabilmente classificados como bens de ativo não circulante[1], por se tratarem de bens que, apesar de utilizados pela vendedora para atingir seus objetivos, não constituiriam o objeto principal de suas atividades.

Nas operações que envolvem a alienação de bens do ativo não circulante, tributa-se o ganho de capital de forma segregada da receita bruta – ou seja, fora das margens de presunção de lucratividade previstas em lei. A esse respeito, vale examinar o que estipula o artigo 32 da Lei nº 8.981/95:

“Art. 32. Os ganhos de capital, demais receitas e os resultados positivos decorrentes de receitas não abrangidas pelo artigo anterior serão acrescidos à base de cálculo determinada na forma dos arts. 28 ou 29, para efeito de incidência do Imposto de Renda de que trata esta seção. (Vide art. 9º da MP nº 627, de 11 de novembro de 2013)

(…)

§ 2º O ganho de capital nas alienações de bens ou direitos classificados como investimento, imobilizado ou intangível e de aplicações em ouro, não tributadas na forma do art. 72, corresponderá à diferença positiva verificada entre o valor da alienação e o respectivo valor contábil. (...)” – grifo nosso

Portanto, nas operações que envolvem a alienação de imóveis classificados como bens do ativo não circulante, o imposto de renda pessoa jurídica (“IRPJ”) incide, em regra, sobre a diferença positiva entre o valor da alienação e o respectivo valor contábil (ganho de capital) à alíquota de 25%, não sendo aplicáveis as margens de presunção de lucratividade previstas em lei.

II             Imóveis Rurais - Regras Específicas

Com a entrada em vigor da Lei n° 9.393/1996, foram fixados parâmetros diversos de apuração do ganho de capital decorrente da alienação de imóveis rurais, aplicáveis a partir de 1º de janeiro de 1997.

Mais especificamente, a Lei n° 9.393/1996 estipulou que, a partir de 1º de janeiro de 1997, para efeito de apuração do ganho de capital de imóvel rural, deve-se considerar como custo de aquisição e valor de alienação o Valor da Terra Nua (“VTN[2]”) informado no Documento de Informação e Apuração do ITR (“DIAT”) no ano da aquisição e o VTN informado no ano de alienação do imóvel, respectivamente. Veja, nesse sentido, o que prevê o artigo 19 dessa lei:

Art. 19. A partir do dia 1º de janeiro de 1997, para fins de apuração de ganho de capital, nos termos da legislação do imposto de renda, considera-se custo de aquisição e valor da venda do imóvel rural o VTN declarado, na forma do art. 8º, observado o disposto no art. 14, respectivamente, nos anos da ocorrência de sua aquisição e de sua alienação.

Parágrafo único. Na apuração de ganho de capital correspondente a imóvel rural adquirido anteriormente à data a que se refere este artigo, será considerado custo de aquisição o valor constante da escritura pública, observado o disposto no art. 17 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995.” - grifo nosso

Oportunamente, convém ressaltar que as próprias autoridades fiscais reconhecem ser essa a sistemática aplicável na apuração do ganho de capital de imóveis rurais auferidos pelas pessoas jurídicas sujeitas à sistemática do Lucro Presumido. Veja:

“SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 31 de 08 de Abril de 2011

ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica - IRPJ

EMENTA: GANHO DE CAPITAL Na alienação de propriedade rural, a determinação do ganho de capital obedece a forma de tributação utilizada pela empresa no período de apuração em que ocorre a venda. Se tributada pelo lucro real, a determinação do ganho de capital obedecerá ao disposto no § 1º do art. 418 do RIR/99. Se tributada pelo lucro presumido, para fins de apuração de ganho de capital, considera-se custo de aquisição e valor da venda do imóvel rural o Valor da Terra Nua - VTN constante do Documento de Informação e Apuração do ITR-DIAT, nos anos da ocorrência de sua aquisição e de sua alienação, respectivamente.” - grifo nosso

Assim sendo, diferentemente daquilo que se observa na sistemática geral de apuração de ganho de capital, em que o custo de aquisição é representado pelo respectivo valor contábil de aquisição e o valor de alienação pelo preço efetivo praticado na venda, no ganho de capital de imóveis rurais o custo de aquisição e o valor de alienação são, respectivamente, o VTN informado no ano de aquisição e o VTN informado no ano de alienação do imóvel.

III          Valor da Terra Nua

O VTN, o qual será utilizado na apuração do ganho de capital do imóvel rural, é calculado pelo próprio contribuinte do ITR com base nos parâmetros de apuração definidos no artigo 8°, da Lei nº 9.393/1996, o qual segue abaixo reproduzido:

“Art. 8º O contribuinte do ITR entregará, obrigatoriamente, em cada ano, o Documento de Informação e Apuração do ITR - DIAT, correspondente a cada imóvel, observadas data e condições fixadas pela Secretaria da Receita Federal.

§ 1º O contribuinte declarará, no DIAT, o Valor da Terra Nua - VTN correspondente ao imóvel.

§ 2º O VTN refletirá o preço de mercado de terras, apurado em 1º de janeiro do ano a que se referir o DIAT, e será considerado auto-avaliação da terra nua a preço de mercado.

§ 3º O contribuinte cujo imóvel se enquadre nas hipóteses estabelecidas nos arts. 2º e 3º fica dispensado da apresentação do DIAT.” – grifo nosso

Nos termos do §2º, do artigo 8°, da Lei nº 9.393/1996 (acima destacado), o VTN deverá refletir o preço de mercado de terras apurado em 1º de janeiro do ano a que se referir seu respectivo DIAT.

IV          Ausência de DIAT - Ano de Alienação

Como já esclarecido, na apuração do ganho de capital decorrente da alienação de imóvel rural, o custo de aquisição e o valor de alienação consistem, respectivamente, no VTN do ano de aquisição e no VTN do ano de alienação informados nos DIATs desses anos.

No entanto, na prática, podem ocorrer situações nas quais a alienação do imóvel ocorra antes da data de apresentação da DIAT, de modo que não haveria um VTN referente ao ano da alienação.

Com a ausência do VTN refletido no DIAT do ano de alienação, não seria possível a utilização da regra geral prevista pela Lei nº 9.393/2006, segundo a qual o ganho de capital é obtido por meio da confrontação entre o VTN do ano de aquisição com o VTN do ano de alienação informados nos respectivos DIATs.

Método de Mensuração do Preço das Terras - Lei nº 9.393/2006

Tendo em vista a impossibilidade de utilização do VTN informado no DIAT do ano de alienação, a Receita Federal poderia determinar o lançamento de ofício do imposto, considerando as informações sobre preços de terras e os dados de área total, área tributável e grau de utilização do imóvel, apurados em procedimentos de fiscalização específico. A esse respeito, o artigo 14, da Lei nº 9.393/2006 assim dispõe:

Art. 14. No caso de falta de entrega do DIAC ou do DIAT, bem como de subavaliação ou prestação de informações inexatas, incorretas ou fraudulentas, a Secretaria da Receita Federal procederá à determinação e ao lançamento de ofício do imposto, considerando informações sobre preços de terras, constantes de sistema a ser por ela instituído, e os dados de área total, área tributável e grau de utilização do imóvel, apurados em procedimentos de fiscalização.

§ 1º As informações sobre preços de terra observarão os critérios estabelecidos no art. 12, § 1º, inciso II da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, e considerarão levantamentos realizados pelas Secretarias de Agricultura das Unidades Federadas ou dos Municípios.

§ 2º As multas cobradas em virtude do disposto neste artigo serão aquelas aplicáveis aos demais tributos federais.” – grifo nosso

Da análise do parágrafo 1º do dispositivo acima destacado, observa-se que os preços de terra deverão ser calculados e informados sempre de acordo com o que prevê o artigo 12, da Lei nº 8.629/1993, que também segue abaixo reproduzido para análise:

“Art. 12. Considera-se justa a indenização que reflita o preço atual de mercado do imóvel em sua totalidade, aí incluídas as terras e acessões naturais, matas e florestas e as benfeitorias indenizáveis, observados os seguintes aspectos: (Redação dada Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)

I - localização do imóvel;

II - aptidão agrícola;

III - dimensão do imóvel;

IV - área ocupada e ancianidade das posses;

V - funcionalidade, tempo de uso e estado de conservação das benfeitorias.

§ 1° Verificado o preço atual de mercado da totalidade do imóvel, proceder-se-á à dedução do valor das benfeitorias indenizáveis a serem pagas em dinheiro, obtendo-se o preço da terra a ser indenizado em TDA.

§ 2° Integram o preço da terra as florestas naturais, matas nativas e qualquer outro tipo de vegetação natural, não podendo o preço apurado superar, em qualquer hipótese, o preço de mercado do imóvel.

§ 3° O Laudo de Avaliação será subscrito por Engenheiro Agrônomo com registro de Anotação de Responsabilidade Técnica - ART, respondendo o subscritor, civil, penal e administrativamente, pela superavaliação comprovada ou fraude na identificação das informações.” – grifo nosso

Esse preço, conforme indicado no parágrafo 3°, deverá ser consubstanciado e devidamente justificado por meio de laudo de avaliação subscrito por engenheiro agrônomo e dotado de registro de Anotação de Responsabilidade Técnica.

Possível aplicação da Instrução Normativa n° 84/2001

Apesar de a Instrução Normativa n°84/2001 se aplicar exclusivamente ao ganho de capital auferido pelas pessoas físicas, não afastamos a possibilidade de as autoridades fiscais se valerem, uma vez constatada a ausência da DIAT referente ao ano de alienação, do parágrafo 2°, do artigo 10, desse ato normativo, inobstante ser a vendedora pessoa jurídica.

De acordo com o mencionado parágrafo 2°, do artigo 10, da Instrução Normativa n° 84/2001, na hipótese de não apresentação da DIAT referente ao ano de alienação do imóvel rural, deve-se considerar, como custo de aquisição e valor de alienação, os valores constantes nos respectivos documentos de aquisição e de alienação. Veja, nesse sentido, o que prevê artigo 10 dessa Instrução Normativa:

“Art. 10. Tratando-se de imóvel rural adquirido a partir de 1997, considera-se custo de aquisição o valor da terra nua declarado pelo alienante, no Documento de Informação e Apuração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (Diat) do ano da aquisição, observado o disposto nos arts. 8o e 14 da Lei No 9.393, de 1996.

§ 1° No caso de o contribuinte adquirir:

I - e vender o imóvel rural antes da entrega do Diat, o ganho de capital é igual à diferença entre o valor de alienação e o custo de aquisição;

II - o imóvel rural antes da entrega do Diat e aliená-lo, no mesmo ano, após sua entrega, não ocorre ganho de capital, por se tratar de VTN de aquisição e de alienação de mesmo valor.

§ 2° Caso não tenha sido apresentado o Diat relativamente ao ano de aquisição ou de alienação, ou a ambos, considera-se como custo e como valor de alienação o valor constante nos respectivos documentos de aquisição e de alienação.

§ 3° O disposto no § 2° aplica-se também no caso de contribuinte sujeito à apresentação apenas do Documento de Informação e Atualização Cadastral (Diac).” - grifo nosso

Desse modo, a Receita Federal poderia compreender que a ausência do DIAT referente ao ano de alienação autorizaria a utilização do valor de alienação efetivamente praticado e constante do respectivo documento de alienação.

Oportunamente, vale apontar que, para fins de fixação da carga tributária total incidente sobre o lucro proveniente da alienação dos imóveis, também deveria ser considerada a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”), incidente à alíquota de 9%. O mesmo não ocorreria com o PIS/COFINS, que não incidiram em razão da operação consistir na alienação de bens do ativo não circulante, conforme o artigo 3°, §2°, IV, da Lei n° 9.718/1998.[3]

De todo o modo, na hipótese de eventual autuação, entendemos que seria possível argumentar pela inaplicabilidade do parágrafo 2°, do artigo 10, Instrução Normativa n° 84/2001, pois, conforme já explicado, esse dispositivo, por definição, aplica-se exclusivamente às pessoas físicas.

Também de modo a reforçar os argumentos do contribuinte, na hipótese de eventual defesa, vale ressaltar que há jurisprudência que entende pela ilegalidade do aludido parágrafo 2°, do artigo 10, da Instrução Normativa n° 84/2001. Note-se:

“TRIBUTÁRIO. GANHO DE CAPITAL. IMÓVEL RURAL. LEI N.º 9.393/96. CUSTO DE AQUISIÇÃO E ALIENAÇÃO. SISTEMÁTICA DEAPURAÇÃO. ART. 10, § 2.º, DA IN SRF N.º 84/01. ILEGALIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MINORAÇÃO. 1. O parágrafo segundo, do art. 10 da Instrução Normativa n.º 84/2001, segundo a qual, na falta do DIAT, os custos de aquisição e alienação do imóvel rural devem ser equiparados ao valor constante dos respectivos instrumentos negociais, está em nítido descompasso com a legislação que lhe serve de sustentáculo. 2. Os custos de aquisição e de alienação de imóvel rural, estimados para fins de apuração de ganho de capital, deverão se pautar por aqueles valores da terra nua declarados pelo contribuinte, no DIAT apresentado nos respectivos anos. 3. No caso de não terem sido entregues tais documentos informativos, o art. 14 da Lei n.º 9.393/96 especifica os critérios que deverão ser levados em conta pela Receita Federal para apurar o imposto, entre eles o sistema de preço de terras. No caso dos autos, o antigo proprietário que efetivou a entrega da Declaração, não obstando a apuração do ganho de capital. 4. O valor da escritura pública considerado como custo de aquisição, conforme previsto na lei anterior, somente persiste quanto aos imóveis adquiridos antes de1997, o que não é a hipótese dos autos. 5. Honorários advocatícios fixados no valor de R$ 1.000,00, nos termos do art. 20, §§ 3° e 4°, do CPC. “(TRF4. SEGUNDA TURMA. APELREEX 200771160005140. Julgamento em 01/12/2009[4]) – grifo nosso

Nos termos do precedente acima indicado, o parágrafo 2°, do artigo 10, da Instrução Normativa n° 84/2001 - segundo o qual, na falta do DIAT, os custos de aquisição e alienação do imóvel rural devem ser equiparados ao valor constante dos respectivos instrumentos negociais - não encontra amparo na legislação[5].



[1] Registro contábil utilizado na classificação de todos os bens de permanência duradoura, destinados ao funcionamento normal da entidade e do seu empreendimento, assim como os direitos exercidos com essa finalidade.

[2] Nos termos do artigo 10, §1°, da Lei n° 9.393/1996, para os efeitos da apuração do ITR, o VTN será considerado o valor do imóvel, excluídos os valores relativos (i) construções, instalações e benfeitorias; (ii) culturas permanentes e temporárias; (iii) pastagens cultivadas e melhoradas; e (iv) florestas plantadas.

[3] “Art. 3° O faturamento a que se refere o art. 2o compreende a receita bruta de que trata o art. 12 do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977.

(...)

§ 2º Para fins de determinação da base de cálculo das contribuições a que se refere o art. 2º, excluem-se da receita bruta:

(...)

IV - as receitas de que trata o inciso IV do caput do art. 187 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, decorrentes da venda de bens do ativo não circulante, classificado como investimento, imobilizado ou intangível; e

(...)”

[4] Vide, no mesmo sentido, o acórdão nº2005.71.10.003248-7/RS , do TRF4, de relatoria do Des. Federal Joel Ilan Paciornik, julgado em 19/11/2008.

[5] Ademais, convergindo com o nosso entendimento manifestado acima, a segunda turma do TRF4 demonstrou, por meio desse julgado, entender que, que, na ausência de entrega da DIAT, a Receita Federal deverá levar em consideração os critérios de preço fixados no artigo 14, da Lei n° 9.393/1996.