Impenhorabilidade da quantia depositada em caderneta de poupança:

O valor de até 40 salários e a possibilidade de penhora[1]

 

Márcia Christina Reis Perfetti

Milena de Fátima Nunes dos Santos Ferraz[2]

Diego Leonardo Andrade de Oliveira

Gabriela Silva Macedo[3]

RESUMO

O presente trabalho analisará os conceitos de patrimonialidade, bem como sua relação com o instituto da penhora no Processo de Execução. Analisará a impenhorabilidade das cadernetas de poupança com valores de até 40 salários e a controvérsia, a respeito da possibilidade, na Justiça do Trabalho, de penhorabilidade destes valores, colocando em atrito os princípios da efetividade e da menor onerosidade do devedor.

Palavras-chave: Patrimonialidade. Penhora. Efetividade e Onerosidade. Caderneta de Poupança com até 40 salários.

1 INTRODUÇÃO

O Código de Processo Civil Brasileiro de 1973 era profundamente influenciado pela ideologia liberal, o que se refletia no regime da execução civil, que hesitava em invadir o patrimônio do devedor a fim de satisfazer as pretensões do credor. No entanto, o processo civil brasileiro vem sofrendo várias transformações que o vem fazendo perder esta feição totalmente liberal, realizando reformas, que acabaram por afetar também o regime da execução. Desde 1994 estão ocorrendo mudanças legislativas, a fim de otimizar a jurisdição executiva, para que esta se torne mais eficaz e alcance os fins a que se propõe, que é satisfazer as pretensões do credor, em face do devedor, da melhor maneira possível, o que é facilmente observável na mudança nos regimes da execução de obrigação de entregar coisa certa ou incerta, de fazer ou não fazer e até mesmo nas de pagar quantia, considerada a execução mais delicada, vez que permite uma invasão incisiva no patrimônio do devedor. No entanto, a reforma legislativa realizada em 2006, trouxe um regime de penhora que restringe o alcance deste instituto em diversos bens, que segundo o CPC, são considerados impenhoráveis. O presente trabalho pretende analisar esta questão da impenhorabilidade com o princípio da patrimonialidade e a execução por quantia certa.

Será analisado mais profundamente a questão da impenhorabilidade da caderneta de poupança com valores de até 40 salários, inovação fruto da Lei 11.382/06, que teve por objetivo proteger este crédito, com visas a preservar a dignidade do pequeno investidor. No entanto, se verá que na Justiça do Trabalho, houve a mitigação deste preceito legal, tendo havido a penhora em caderneta de poupança nestas condições especificados pelo legislador processual civil.

2 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

2.1 Patrimonialidade e penhora na execução civil

O conceito de patrimonialidade atualmente encontra-se vinculado às noções de obrigação e débito. A patrimonialidade é considerada princípio e instituto necessário à satisfação da tutela executiva. A execução é real, nunca pessoal, e é através do patrimônio do executado que a mesma atingirá seu fim. Em tempos passados a execução de uma dívida se dava de forma direta, isto é, pessoal, no próprio corpo do devedor, havendo a predominância da dívida em face da própria vida do devedor[4]. Felizmente na atualidade não existe mais esta prática, pois até a própria prisão advinda do não pagamento de alimentos é considerada uma execução indireta, visto que tem por fim exercer uma pressão psicológica para a satisfação da dívida.

A ideia de patrimonialidade possui relação com o débito e a obrigação:

É que em uma relação obrigacional existem alguns elementos estruturais que compõem a dita relação, quais sejam: o direito de crédito, o dever de prestar (débito), o vínculo que os une, o objeto mediato (o bem a ser prestado) e o objeto imediato (a prestação em si mesma).[5]

O princípio da patrimonialidade também é conhecido como princípio da realidade e é através dele que o Estado vai atuar concretamente no mundo dos fatos. A obrigação, que deveria ter sido cumprida de forma espontânea, vai gerar crise de inadimplemento, que será finalizada pelo Estado. O Código de Processo Civil vai disciplinar este princípio em seu art. 591, que preconiza que o devedor responderá com seus bens presentes e futuros no cumprimento de suas obrigações. Isto contribui para a eficácia da execução. Observa-se que mesmo no cumprimento de obrigações que não tem por objeto necessariamente pecúnia, podem ser resolvidas mediante a invasão do patrimônio do executado, caso não sejam possíveis de serem resolvidas na forma primariamente prevista.

O patrimônio, no caso os bens, na análise de Araken de Assis, constituem o objeto final do processo ou são em verdade, o objeto para sua instrumentalização, uma vez que servirão para operacionalizar os meios de execução:

Veja-se o caso de uma obrigação pecuniária: ou existe dinheiro no patrimônio do executado, satisfazendo desde logo o credor, ou não existe – nesta hipótese empregar-se-á a alienação coativa para transformar o bem instrumental, entrementes penhorado (p. ex. um imóvel), em dinheiro e, desta forma, no objeto final desta espécie de execução.[6]

Aqui tem início a relação entre patrimonialidade e penhora. O Estado, no exercício da jurisdição executiva, vai individualizar o bem ou bens, para a satisfação do débito. Seria, de acordo com Humberto Theodoro Junior, o primeiro ato executivo no processo de execução por quantia certa[7]. É ato inicial de expropriação, que vai individualizar o bem, transformando a responsabilidade patrimonial genérica em específica, visto que agora será voltado para um bem, ou bens.

Individualizados os bens que haverão de dar efetividade à responsabilidade patrimonial, segue-se o ato de apreensão dele pelo órgão executivo, e a sua entrega a um depositário, que assumirá um encargo público, sob o comando direto do juiz da execução, ficando, assim, responsável pela guarda e conservação dos bens penhorados e seus acessórios, presentes e futuros.[8]

O executado, uma vez concluídos todos os atos relativos à penhora não pode mais dispor livremente destes. A penhora produz efeitos, terá eficácia, perante o credor, devedor e até mesmo perante terceiros. Obviamente a penhora recairá sobre um bem penhorável, vez que a própria lei imporá limites ao seu alcance.

2.2 Lei 11.382/06 e as mudanças a respeito da penhora

O modo de operacionalizar o Processo de Execução vem sofrendo diversas alterações, desde 1994, com o advento da Lei 8.952, a fim de que esta se torne mais eficaz e por que não mais célere, menos danosa para o devedor e mais efetiva para o credor. As reformas continuam, com a Lei 11.232/2005 e por fim ocorrerão mudanças com relação à penhora, com a Lei 11.382/2006, que tem por objetivo a melhoria dos procedimentos executivos, havendo alteração nas regras de penhorabilidade e impenhorabilidade.

A redação do art. 649 sofreu alterações e houve a inclusão de textos.  Com relação à impenhorabilidade, explicita Didier:

A impenhorabilidade de certos bens é uma restrição ao direito fundamental à tutela executiva. É técnica processual que limita a atividade executiva e que se justifica como meio de proteção de alguns bens jurídicos relevantes, como a dignidade do executado, o direito ao patrimônio mínimo e a função social da empresa. São regras que compõem o devido processo legal, servindo como limitações políticas à execução forçada.[9]

Tais reformas visam dar maior efetividade ao processo de execução e visam também proteger o devedor, assegurando uma menor onerosidade ao mesmo. A título de limitação de objeto, se analisará uma mudança acrescentada pela referida lei, diz respeito à impossibilidade, tida como absoluta, de penhorar quantias de até 40 salários mínimos que se encontrem em caderneta de poupança. É uma interessante discussão a respeito do aparente choque entre o princípio da efetividade e o princípio da menor onerosidade.

3 DA IMPOSSIBILIDADE DA PENHORA EM POUPANÇA

3.1 O limite legal de 40 salários

O legislador buscou proteger a caderneta de poupança, com valores de até 40 salários, da possibilidade de sofrer penhora e por conseguinte ser forma de operacionalizar a execução. Abelha Rodrigues vai além e afirma que qualquer verba aplicada que tenha este limite pecuniário, quer seja fundo de renda fixa, CDB, CDI, etc, não poderá sofrer penhora[10]. Já Araken de Assis afirma que apenas a caderneta de poupança será objeto de proteção, afirma ainda ser este o “investimento mais popular entre as pessoas de baixa renda”[11], o que na opinião deste doutrinador foi um avanço da parte das políticas legislativas. É bem possível que com a edição de um Novo Código de Processo Civil, este valor sofra uma diminuição, para até 30 salários. Vê-se aqui uma clara preocupação do legislador com a situação do credor, tentando evitar uma onerosidade excessiva.

3.2 A controvérsia desta hipótese na doutrina e nos tribunais

A impenhorabilidade de conta poupança com valores de até 40 salários mínimos é considerada do tipo absoluta, que não pode sofrer mitigações. Inúmeros são os julgados que podem exemplificar tal afirmação. Ainda que este valor encontre-se pulverizado em várias cadernetas de poupança.

PENHORA BLOQUEIO ON LINE CONTA-POUPANÇA SALDO INFERIOR A 40 SALÁRIOS MÍNIMOS IMPENHORABILIDADE ART. 649, X, DO CPC AGRAVO PROVIDO. 649XCPC (815327920128260000 SP 0081532-79.2012.8.26.0000, Relator: Dimas Carneiro, Data de Julgamento: 26/07/2012, 37ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 27/07/2012)

Os órgãos julgadores matem a decisão do legislador em não efetuar a penhora nas referidas cadernetas. No entanto, na Justiça do Trabalho, o entendimento dos julgadores se deu de forma diferente, com vistas à efetuar a penhora, pois a natureza dos créditos trabalhistas são especiais.

PENHORA. BLOQUEIO DE CRÉDITOS EM CONTA DE POUPANÇA. ARTIGO 649, INCISO X DO CPC. Inaplicável nesta seara trabalhista o disposto no inciso X do artigo 649 do CPC, que determina a impenhorabilidade dos depósitos em conta bancária de poupança, inferiores a 40 salários mínimos. É que o artigo 655 do CPC autoriza a penhora sobre numerário, encontrando-se o dinheiro em primeiro lugar no rol de preferência ali descrito. Ademais, a teor do que dispõe o artigo 53 da Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho: "Tratando-se de execução definitiva, se o executado não proceder ao pagamento da quantia devida nem garantir a execução, conforme dispõe o artigo 880 da CLT, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento da parte, emitir ordem judicial de bloqueio via Sistema Bacen/Jud, com precedência sobre outras modalidades de constrição judicial". Logo, não pode o empregador pretender se eximir de arcar com o pagamento do crédito do trabalhador que despendeu sua força de trabalho, ao argumento de que os valores bloqueados, inferiores a 40 salários mínimos são mantidos em conta poupança, eis que tal procedimento contraria a própria natureza alimentar do crédito trabalhista. (TRT 3ª R Turma Recursal de Juiz de Fora 00744-2008-037-03-00-0 AP Agravo de Petição Rel. Desembargador Marcelo Lamego Pertence DEJT 02/09/2009 P.238).

Esta turma recursal admitiu a penhora na caderneta de poupança, inovando na interpretação e contrapondo a natureza desta aplicação com a natureza dos créditos trabalhistas. Que neste caso seriam de natureza alimentar. Vê-se aqui o que prevalece é o princípio da efetividade da execução. O STJ já se pronunciou a respeito da impossibilidade desta penhora, que na interpretação desta corte, ainda que espalhados em diversas cadernetas, estes valores tem por escopo garantir o mínimo existencial do indivíduo. Prevalece a defesa do princípio da menor onerosidade.

4 CONCLUSÃO

O Processo de Execução sofreu diversas mudanças legislativas, a fim de torná-lo mais efetivo. Viu-se que a questão da patrimonialidade é intrínseca ao conceito de obrigação, e que no caso de descumprimento, existe a necessidade de utilização de técnicas executivas, que serão utilizadas pelo Estado, a fim de promover a resolução da crise de inadimplemento. Com vistas a promover a proteção dos indivíduos, no que diz repeito à sua dignidade, o legislador ampliou o rol dos bens impenhoráveis, acrescentando aí, com a Lei 11.382/06, a hipótese de impenhorabilidade das cadernetas de poupança com valores de até 40 salários mínimos. Isto exemplifica o choque entre efetividade da execução e a menor onerosidade em relação ao devedor.

A justiça comum vem respeitando este preceito legal, e inúmeros são os julgados que afirmam esta hipótese de impenhorabilidade legal. No entanto a Justiça do Trabalho, como justiça especializada que é, entendeu, inovando na interpretação, que é possível penhorar estes valores na caderneta, pois o crédito trabalhista tem natureza alimentar. Prevalece o entendimento da eficácia da execução, mesmo sob pena de onerar excessivamente o devedor. O STJ, no entanto, continua se posicionando de acordo com o texto legal do CPC, que diz que tais valores são absolutamente impenhoráveis. A questão não se encontra pacificada na jurisprudência ou doutrina.

REFERÊNCIAS

ABELHA, Marcelo. Manual de execução civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.

ASSIS, Araken de. Manual da execução. 11. ed. São Paulo: RT, 2012.

DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 8 ed. V. 4. Salvador: Juspodivum, 2012.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Método, 2012.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. II. Rio de Janeiro: Forense, 2012.



[1] Trabalho apresentado à disciplina Processo de Execução da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

[2] Alunas do 9º Período do curso de Direito da UNDB.

[3] Professores Orientadores, especialistas.

[4] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Método, 2012.p. 860

[5] ABELHA, Marcelo. Manual de execução civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p. 67

[6] ASSIS, Araken de. Manual da execução. 11. ed. São Paulo: RT, 2012. , p. 226

[7] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. II. Rio de Janeiro: Forense, 2012. , p. 275

[8] THEODORO JUNIOR, OP. CIT. p. 277

[9] DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 8 ed. V. 4. Salvador: Juspodivum, 2012, p. 551

[10] RODRIGUES, op. Cit. p. 101

[11] ASSIS, op. Cit. p. 255