Evidente é que a manipulação de material genético humana e o uso das técnicas de reprodução humana assistida tem causado diversos impactos na sociedade, bem como no campo jurídico, ético e moral.

Tais impactos devem ser verificados e possivelmente minimizados, sob pena de, no futuro, nos depararmos com uma série de indivíduos violados em sua constituição orgânica e psíquica.

Questões como o anonimato do doador podem dar origem a problemas como o incesto que, em grande escala, assumirá proporções capazes de degenerar a espécie humana.

Estes avanços científicos, por mais benéficos que possam ser, em se tratando de fatores médicos e biológicos, devem se submeter a limites, uma vez que estas novas técnicas conceptivas, como dito, solucionam os problemas de esterelidade dos casais e suprem o desejo paternidade, mas, por uma outra análise, acarretam vários problemas de cunho jurídico, religioso, social, psicológico, econômico, médico e bioético.

 

 

2.1. IMPACTOS SOCIAIS, ÉTICOS E MORAIS.

As técnicas de reprodução humana assistida tem por objetivo principal auxiliar na resolução dos problemas de infertilidade, facilitando o processo de procriação, enquanto outras técnicas terapêuticas são incapazes de suprir este déficit.

Nada mais justo que se conceda a estes casais o direito à descendência.

Entretanto um grande desafio há de ser enfrentado pela sociedade em razão de condutas que ferem as normas éticas e morais que permeiam a relação humana.

            Neste momento, importa ressaltar que, conforme afirma Khorkounov

“as normas éticas que presidem não à realização de fins distintos, mas á determinação das relação entre o conjunto dos fins não variam com a natureza do fim que se persegue em um momento dado. A mesma pessoa não pode ter regras éticas diferentes para diversas circunstâncias de sua vida. As regras éticas determinam a relação dos diferentes fins, elas são necessariamente as mesmas para todas as circunstancias.”[1]

            Tratando especificamente das técnicas de inseminação artificial homologa, na qual é utilizado material genético exclusivamente do casal e a fecundação ocorre in vivo, ou seja, dentro do aparelho reprodutor feminino, o que também pode ocorrer no GIFT (Tranferência Intrafalopiana de Gametas), é possível destacar que, no uso nestes tipos de técnicas, não são levantados grandes problemas, exceto no caso de utilização do embrião post mortem, o que será tratado posteriormente.

Isto porque nestes casos, por conta da inexistência de utilização de gametas de terceiros, a incidência de questões morais e éticas fica diminuída.

Entretanto, mesmo neste tipo de técnica é possível verificar alguns pontos de conflito, onde se suscitam questões morais, como por exemplo: o meio de conseguir sêmen; o uso de violência contra a mulher, induzindo-a à prática do processo de inseminação por maliciosa provocação, ou por dolo de aproveitamento nos casos em que o marido faz a companheira crer o material genético utilizado para a inseminação é seu, mas não o é, casos em que a mulher poderia promover denuncia por injuria grave, pleiteando um aborto legal em razão de um suposto “estupro científico”; simulação entre a mulher e o médico para o uso de sêmen de terceiro, dentre outras hipóteses de cunho estritamente moral, mas que certamente podem causar sérios problemas de ordem jurídica[2].

Não obstante a estas questão também nos encontramos diante de uma situação, pouco menos evidente, mas não menos possível, relativa à possibilidade de discordância por parte do marido, ou aquele “pai” em potencial que remete seu material genético para inseminação e, posteriormente, alega que o filho não é seu.

Neste caso em específico podem ser levantadas hipóteses como a troca de sêmen em laboratório, o que ensejaria a existência de adultério por parte da esposa, além da propositura de ação negatória de paternidade com a proca por meio de exame de DNA e, em casos extremos, mas não remotos, a separação judicial em razão do suposto adultério.

Por meio desta análise prévia é possível notar que diversas são as hipóteses de quebra da já instável relação entre as regras éticas e morais e o convívio social.

Passando agora aos casos de cais que se utilizam de inseminação heteróloga, ou seja, quando há utilização de material genético (sêmen) de terceiros será possível notar um incidência muito maior de possíveis condutas que promovem a quebra de normas éticas e morais ou trazem à tona uma problemática que envolve a rediscussão destes valores sociais.

Como bem ressalta Maria Helena Diniz, diversos são os problemas morais decorrentes desta técnicas, dos quais é possível destacar[3]:

                     i.        Desequilíbrio da estrutura básica do matrimônio, por contrariá-la no que atina ao pressuposto biológico da concepção, que advém do ato sexual entre pai e mãe.

                    ii.        Possibilidade de transexual ou homossexual pretender que companheira obtenha filho por meio dessa inseminação. A criança gerada artificialmente deverá ter direito a uma ‘dupla genitorial’ e a uma convivência familiar, que lhe garanta um desenvolvimento físico e psíquico sadio; logo não se poderia admitir que casais homossexuais venham a utilizar-se de reprodução assistida.

                   iii.        Falsa inscrição no registro civil, ante a presunção legal de que é filho do marido o concebido por meio de inseminação artificial heteróloga durante o casamento, desde que haja prévia autorização do marido.

                   iv.        Introdução numa família de peddoa sem o patrimônio genético correspondente ao do marido, embora tenha 50% do da mãe. O que poderá comprometer a transcendência genética.

                    v.        Eventualidade de o doador reclamar judicialmente sua paternidade, se, saindo do anonimato e conhecendo a destinatária de seu sêmen, pretender reconhecer como seu filho.

                   vi.        Provocação de interesses patrimoniais, uma vez que poderá ocorrer que o doador venha a conhecer o filho e a explorar o fato, pretendendo o reconhecimento de seus direito de pai, ou vice-versa, com o único objetivo de obter herança ou de tirar proveito econômico.

                 vii.        Insistência da mãe em conhecer o pai de seu filho, causando essa atitude situações graves e constrangimento de toda sorte.

Além destes pontos de destaque, uma situação importante que se pode salientar, é aquela relativa ao consentimento do cônjuge em caso de disposição do seu material genético.

A inexistência de consentimento em face da doação de sêmen ou oócitos de um dos cônjuges, eventualmente resultaria em injuria grave e possívelmente uma separação judicial baseada em tal conduta.

Neste mesmo contexto há de se verificar também a possibilidade de alegação de adultério da mulher por conta da inseminação artificial heteróloga, vez que o material genético introduzido na mulher não é de seu companheiro, ensejando, de igual forma, uma separação judicial litigiosa.

Outro ponto que causa grande polêmica, diz respeito à aceitação do pai, que não participou geneticamente da gravidez, uma vez que o sêmen usado é de terceiro, e posteriormente poderá vir a contestar esta paternidade, que como será analisado de forma mais aprofundada, é presumida, vindo a propor ação negatória de paternidade.

Inclusive, é de se levantar a hipótese de que o cônjuge sugira o aborto, ou depois do nascimento, insite o infanticídio, promova rejeição, abandono e até maus-tratos contra a criança, diante de um arrependimento após a realização da inseminação artificial heteróloga[4].

No mais, uma das questões ético-morais de maior relevância social é aquela relativa ao encobrimento da descendência verdadeira.

Não existem até então mecanismos governamentais de controle e cadastramento de doadores de esperma nos bancos de sêmen e nos centro de reprodução assistida, que tenham condições de dar rédeas a esta questão.

Tudo isto, sob pena de uma generalização da utilização da inseminação artificial heteróloga, dando óbice à possibilidade de incestos entre irmãos, ou até mesmo entre filhos e o próprio doador. Seria um caos social, sem levar em conta o fato de que uma catástrofe genética estaria prestes a ocorrer.

Por fim, é necessário analisar alguns pontos importantes no que diz respeito ao uso da técnica de fertilização in vitro. Aspectos próprios deste tipo de técnica uma vez que, como visto, a fertilização ocorre fora do corpo da mulher, dando margem a diversos problemas de ordem ética e moral.

Dentre os pontos destacados anteriormente, alguns outros podem ser relacionados aqui, tendo em vista a forma procedimental diferenciada desta técnica[5]:

                     i.        Ofensa ao direito de ser concebido naturalmente e à dignidade dos cônjuges, por provocar um desequilíbrio estrutural do casamento, visto que a fertilização in vitro poderá fazer com que o filho não contenha os caracteres genéticos do casal.

                    ii.        Modo de obtenção imoral de sêmen (masturbação ou eletroejaculação).

                   iii.        Conflito de maternidade e de paternidade, uma vez que, na fecundação na proveta, a criança poderá ter três pais e três mães, ou melhor dizendo, mãe e pai genéticos (os doadores do óvulo e do sêmen), mãe e pai biológicos (a que o gestouem seu ventre e seu marido) e a mãe e pai institucionais (os que a encomendaram à clínica), sendo os responsáveis legalmente por ela.

                   iv.        Possibilidade de gerar gêmeos com idades diferentes (fertilização na mesma data e implantação no útero em datas diferentes).

                    v.        Necessidade de efetuar exames médicos e psicológicos na mãe substituta, nos casos de transferência do embrião a útero alheio[6].

Neste diapasão é de suma importância salientar temas como a saúde do embrião e, consequentemente, da criança, além da saúde da doadora de óvulos, possível mãe.

No que concerne à saúde da doadora de óvulos, quesito importante a ser ponderado é o que envolve os procedimentos de para obtenção dos gametas femininos, que são feitos, na maioria das vezes de forma cirúrgica, o que poderia ocasionar complicações à saúde.

Além disso, os tratamentos hormonais devem ser considerados, uma vez que para provocar a ovulação, a doadora necessita receber doses fortíssimas de hormônios.

Essas supercargas hormonais também podem vir a prejudicar a saúde do embrião, promovendo alterações genéticas nos óvulos que serão fertilizados e causando problemas congênitos.

Inclusive é possível que o embrião tenha doenças genéticas ou psicoses hereditárias advindas da carga genética do doador de gametas. Tal questão poderia ocasionar na rejeição da criança após dada a luz.

Ao revés, é possível o uso de técnicas para obtenção de embriões geneticamente modificados e, portanto, mais resistentes ou, de certa forma, superiores e geneticamente predominantes por meio de seleção de sexo, por exemplo.

Técnicas como a maturação de espermatozóides, usada em casos de deficiência no sistema reprodutor masculino que impedem sua maturação natural, também são possíveis e consistem na retirada de espermatozóides do testículo, por meio de incisão, colocando-os em um meio de crescimento em contato com hormônio folículo estimulante (FSH)[7] e testosterona[8].  Uma vez maduro, o espermatozóide é injetado no óvulo retirado da mulher, usando a técnica de injeção intracitoplasmática (ICSI). Esta exposição a hormônios de forma não natural, também pode acarretar complicações genéticas ao embrião.

Fatores econômicos também permeiam estas situações e conduzem a sociedade à situações de imoralidade.

O altíssimo custo das técnicas de reprodução humana assistida e os casos de locação de útero por valores exorbitantes, são fatores que devem ser considerados, principalmente em um país como o Brasil e mais especificamente sobre a locação de útero, é possível perceber o pairar da imoralidade sobre o tema, uma vez que esta atitude se daria, praticamente, como uma prestação de serviços de gestação em troca de uma vultosa quantia em dinheiro.

2.2. IMPACTOS JURÍDICOS

Infinitos e ainda mais complexos são os impactos essencialmente jurídicos verificados por conta dos usos das técnicas de reprodução assistida anteriormente destacas, visto que inexiste regulação legal especifica.

Está presente um exemplo gritante do que ocorre quando o Direito não acompanha os avanços da sociedade ou, neste caso, os avanços da medicina genético-reprodutiva.

Estão destacadas a seguir algumas hipóteses de maior relevância e debate no mundo jurídico.

 

 

2.2.1. Conflito de paternidade.

 

 

            O conflito de paternidade é uma ocorrência nada remota nos casos de reprodução humana assistida, principalmente quando aplicadas técnicas que permitem a utilização de gametas de terceiros.

            Ocorrem principalmente com utilização de Inseminação Artificial (IA) e Fertilização in vitro.

            Nestes casos, em razão da doação de material genético por terceiro, existirá a duplicidade na paternidade, um pai jurídico e um genético – se a doação for de sêmen.

            Ainda pode-se levantar a questão relativa à possibilidade de o doador eventualmente reclamar em juízo sua paternidade, se sair do anonimato e conhecer a destinatária do seu sêmen, pretender reconhecer como seu o filho gerado.

 

 

2.2.2. Uso de embriões criopreservados e a reprodução humana assistida post mortem.

Existe ainda a possibilidade de que alguns métodos de reprodução humana assistida ocorram após a morte do doador de material genético. No caso este material do doador fica depositado e criopreservado (óvulo, sêmen, zigoto ou embrião) até que seja utilizado para a gestação posterior a morte de um dos doadores do material genético fecundado e gerado.

            Os casos mais comuns, são aqueles em que há utilização do sêmen do marido falecido.

            Na reprodução humana assistida post mortem, o fator que gera pode gerar mais conflitos é aquele relativo à herança baseada no direito sucessório, sendo que existem, basicamente, duas correntes que tratam sobre este assunto polêmico.

            A primeira corrente entende não ser possível a reprodução humana assistida post mortem, uma vez que, se permitida fosse, geraria insegurança jurídica aos herdeiros já nascidos e aos concebidos no momento da abertura da sucessão[9].

           

Esta corrente considera-se não inclusiva, uma vez que não conhece direitos ao filho gerado após a morte do genitor, pois mesmo havendo prévia autorização, entende-se que ela seria considerada revogada com a morte do doador, mantendo-se o vínculo somente com o genitor sobrevivente.

            Por este entendimento, o indivíduo gerado por meio da reprodução humana assistida post mortem não possui direitos sucessórios. Teria condições apenas de pleitear futura indenização decorrente da ausência do ente genitor no decorrer de sua vida.

           

            A esse respeito admoesta Maria Helena Diniz, no sentido de que, tal prática deveria ser proibida ou, ao menos, regulamentada:

“[...]É preciso evitar tais práticas, pois, como já dissemos alhures, as conseqüências ético-jurídicas que delas advirão são muito graves. Por isso, necessário será que se proíba legalmente a reprodução humana assistida post mortem, e, se porventura houver permissão legal, dever-se-á prescrever quais serão os direitos do filho, inclusive sucessórios, diante, por ex., do disposto no art. 1.798 do Código Civil.”[10]

            Trata-se de uma interpretação restritiva do regramento jurídico atual que determina que a sucessão se dá com a morte (art. 1.784 do Código Civil) e dela participam as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão (art. 1798 do Código Civil).

           

Analisando por este aspecto, estão excluídos da sucessão todos aqueles que forem implantados no útero após o evento morte, independente da vontade do falecido.

            A segunda corrente entende pela possibilidade do uso da técnica de reprodução humana assistida post mortem, valendo-se, principalmente, dos princípios constitucionais da vida e da não discriminação dos filhos.

             

            Os defensores desta corrente entendem pela necessidade de se conferir plenos efeitos à reprodução humana assistida post mortem, admitindo direitos ao indivíduo na seara do direito sucessório.

            Pondera-se o disposto no artigo 226 da Constituição Federal, que faz referência à proteção do Estado para com a família, tornando possível a entidade monoparental.

Além disso, leva-se em consideração o princípio do livre planejamento familiar, sendo que seria proibida qualquer forma coercitiva para cicio deste direito.

            Entende-se que deve ser prévia e expressa a autorização do de cujos para que possa se reconhecer a paternidade, e que o genitor sobrevivente não contraia novo matrimônio ou relacionamento com outrem para que não surjam maiores confusões parentais.

           

Para esta corrente acrescenta-se também a questão relativa ao conceito de nascituro que abarca, portanto, o conceito de embrião, sendo que seria problemática a separação jurídica dos termos, uma vez que pode trazer mais confusão do que solução, pela interpretação de que sejam diferentes casos.

            Nesse sentido pode-se verificar que a questão sobre a garantia ou não dos direitos sucessórios gira em torno do status legal do embrião.

            Se prevalecer o entendimento de que embrião e nascituro devem receber o mesmo tratamento, então é necessário resguardar os direitos hereditários aos embriões.

            A questão aqui não só é de ordem prática no processo de inventário e partilha. Um herdeiro em potencial, não nascido nem concebido, gera insegurança jurídica aos demais herdeiros, levando a inventários sem fim, pois existiria aquela presunção de vida por um longo tempo.

            Trata-se também de questões muito maiores, envolvendo ética, moral e crenças na forma de lidar com as possibilidades tecnológicas que interferem profundamente na vida do homem, como é a manipulação de células germinativas e embriões.

           

 

2.2.3. Reconhecimento da paternidade pelas hipóteses dos incisos III, IV e V do artigo 1.597 do Código Civil de 2002.

Com o grande avanço das técnicas de reprodução humana assistida, surgiu a necessidade de se regulamentar as relações jurídicas decorrentes de sua utilização, em especial no Direito de Família, no que diz respeito à filiação e ao parentesco.

O Código Civil de 1916 não tratava da matéria, mas o Código Civil de 2002, embora de forma ainda insuficiente, já trouxe consigo o tratamento desta questão da reprodução humana assistida no capítulo referente à filiação, mais especificamente no artigo 1597, incisos II, IV e V.

Nos termos do artigo 1597 do Código Civil:

“Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

[...]III – havidos por fecundação homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.” [11]

Tal dispositivo trata das hipóteses de inseminação artificial homóloga e heteróloga, dizendo-se homóloga aquela em que o material genético pertence ao casal, e heteróloga, aquela em que há utilização de material genético de terceiro.

 

A filiação decorrente da reprodução humana homóloga, realizada com material genético exclusivamente do casal, não apresenta grandes discussões.

No caso de haver o consentimento de ambas as partes para realização do procedimento, a lei lhes atribui a paternidade e a maternidade do filho assim gerado.Desse modo, haverá coincidência entre a filiação biológica e a filiação jurídica.

O dispositivo em tela atribui a paternidade dos filhos havidos por inseminação artificial homóloga ao marido ou companheiro, mesmo que o nascimento tenha ocorrido após o falecimento deste e utilizados os embriões excedentários.

Aqui encontra-se um problema, já analisado anteriormente, onde se verifica a existência de dois posicionamentos básicos em relação a possibilidade de se reconhecer a paternidade nos casos de utilização dos embriões, ou até mesmo esperma, após a morte do doador. Tais discussões, como visto, se dão preferencialmente, por conta das questões ligados ao direito sucessório.

Pois bem. Realizada, a inseminação artificial com sêmen do marido ou companheiro, estabelece-se a relação de filiação, que não poderá ser questionada segundo a lei civil brasileira.

Do ponto de vista biológico, tais procedimentos não apresentam maiores indagações quanto à paternidade, já que o material utilizado pertence exclusivamente ao casal. Sendo assim, o filho gerado será biologicamente filho do marido e da mulher, embora possam existir algumas discussões no âmbito do direito sucessório, conforme apontado, considerando que o filho, fruto da inseminação artificial homóloga, pode nascer e até mesmo ser concebido após a morte de seu genitor.

Quanto ao inciso V, do artigo 1597 do Código Civil, verifica-se que este atribui a paternidade ao marido, dos filhos havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que aquele tenha autorizado previamente.

Portanto, se autorizar a realização da inseminação artificial heteróloga na sua mulher, o marido reconhece a paternidade do filho resultante, fazendo com que incida a presunção estabelecida neste dispositivo.

Embora não se trate de paternidade biológica, juridicamente é considerada a existência de laço afetivo, semelhante ao produzido pela geração natural havida no casamento com a participação dos cônjuges, geneticamente falando.[12]

Não há disposição no sentido de como deve ser feita esta autorização, ou seja sua forma, entendendo-se, portanto, que esta deve ser escrita e expressa, o que garante mais segurança ao procedimento e evita dúvidas quanto à atribuição de paternidade.

Também existem alguns entendimentos no sentido de que a autorização deveria ser feita por escrito, por instrumento público ou particular, de maneira expressa, firmado pelo marido ou por procurador a quem ele tenha conferido poderes especiais para tal.

O intuito de se prever a existência de autorização expressa do marido, é de prevenir a contestação da paternidade, o que ocasionaria uma paternidade incerta e, consequentemente, prejudicial ao individuo gerado.

Por esta razão o art. 1.597, inciso V do Código Civil procurou fazer com que o princípio de segurança nas relações jurídicas prevalecesse diante do compromisso entre cônjuges de assumir paternidade e maternidade, mesmo como componente genético de terceiro, dando-se prioridade ao elemento jurídico-institucional e não ao biológico.

Além disso, importante é considerar o a relação socioafetiva estabelecida em cada caso, uma vez que na reprodução humana assistida, o desejo de ter um filho e assumir todas as conseqüências da paternidade e da maternidade é muito mais forte do que qualquer traço genético que une os pais ao filho, assim como ocorre na adoção.



[1] KHORKOUNOV, N. M. Cours de théorie générale du droit. Paris: M. Giard & Brière, 1903, p. 48.

[2] DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 5 ed.  ver.aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 528.

[3] Ibid., p. 528-535.

[4] DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 5 ed.  ver.aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 530.

[5] Ibid., p. 538 – 553.

[6] Também popularmente denominado barriga de aluguel. O termo técnico mais apropriado para esta técnica é a maternidade por substituição ou gravidez por substituição. Basicamente consiste na cessão do útero com o objetivo de gerar e dar à luz uma criança que será criada por outra mulher.

[7] O hormônio folículo estimulante (FSH) é uma glicoproteína que regula o crescimento, desenvolvimento, puberdade, reprodução e secreção de hormônios. O FSH é secretado pela glândula pituitária anterior.

[8] A Testosterona é um hormônio masculino produzido nos testículos pelas células intersticiais.

[9] Considera-se aberta a sucessão no instante da morte ou no instante presumido da morte de alguém. Nasce o direito hereditário e ocorre a substituição do falecido pelos seus sucessores nas relações jurídicas em que o falecido figurava.

[10] DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 5 ed.  ver.aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 539.

[11] BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF, 10 de janeiro de 2002. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 08 de março de  2013.

[12] MATIELLO, Fabricio Zamprogna. Código Civil Comentado. 2. ed. São Paulo: LTR, 2005. p. 1042.