O fenômeno religioso é tão antigo quanto a humanidade. A palavra religião é de origem latina (religio). O significado não é claro. Cícero (106-43 a. C.) no De Natura Deorum afirma que a palavra vem da raiz relegere (“considerar cuidadosamente”), oposto de neglere, descuidar. Já Lactâncio, escritor cristão (m. 330 d.C.), diz que vem de religare (“ligar”, “prender”). Para Cícero, a religião é um procedimento consciencioso, mesmo penoso, em relação aos deuses reconhecidos pelo Estado. Para Lactâncio, a religião liga os homens a Deus pela piedade. Um termo de partida e um de chegada, em que princípio e fim são os mesmos. As duas raízes complementam-se

A religião tem sido tema para discussões e resultante de inúmeras interpretações. Ao longo da História, tem-se feito inimizades e travado guerras em nome da religião e da fé. E quem está com a razão? Ninguém se atreve a admitir estar errado no campo religioso. A Igreja Católica medieval dona de uma postura intransigente e autoritária – reivindicava para si a missão de guiadora e detentora do direito de decidir o destino das almas. Em conseqüência disso, condenou inocentes à fogueira na certeza de estar fazendo a vontade de Deus. A postura de determinadas instituições religiosas modernas, em certos pontos, não tem sido diferente. Algumas Igrejas evangélicas adotam políticas egoístas e prepotentes na condição de guiadora de almas.

No século XVI, com o surgimento do capitalismo, vai aparecer um fenômeno novo no campo das relações de fé. Com a prática capitalista do ganho material – condenada a princípio pela Igreja Católica - o protestantismo justifica essa prática atribuindo o sucesso material ao favor de Deus. Max Weber, falando sobre esse tema afirma que o capitalismo encontra sua razão de ser com a conduta dos puritanos que se consideravam eleitos.  Segundo Weber, “o ascetismo intramundano praticado pelos puritanos – com seu grau de racionalização – engendrou, segundo ele, o espírito do capitalismo, produzindo empresários e trabalhadores ideais para a consolidação de uma nova ordem social, que integrou, como nenhuma outra, um numero excepcional de pessoas sintonizadas entre si, para canalizar esforços produtivos (na economia) conforme a orientação (política) preestabelecida.” Esse espírito do capitalismo desenvolveu na vida dos primeiros protestantes o desejo de ganho material como dádiva divina, ou seja, a riqueza - antes condenada pela igreja católica – agora era bem vinda como sinal do favor de Deus. E em contrapartida, a igreja protestante usa essa “dádiva” para autorizá-la como instituição legítima e verdadeira. Cabe aos membros aceitarem pela fé as orientações do líder espiritual – verdadeiro guia do povo – e retribuir essa dádiva em forma de dízimos e ofertas. Nessa relação de fidelidade condicional entre membro e oferta está envolvido o destino eterno dos membros. A fidelidade nas ofertas torna-se um fator condicional para a entrada no reino celestial.

Nas igrejas evangélicas de estilo carismático, predomina o sentimentalismo, em que as emoções são o fator motivador para a realização de “curas” e “milagres” ao gosto e necessidade de cada um. Esse fenômeno é responsável por um crescimento vertiginoso; é a teologia da prosperidade material hoje e agora. Essa relação imediatista vida terrena/bens materiais, vem de encontro das necessidades de um povo carente e esquecido pelos poderes públicos. Abandonado e desassistido, só lhe resta apegar-se a esses “profetas” da prosperidade para enfrentarem a realidade dura e miserável. Sem esperança de uma vida melhor – negada pelo Estado -, só resta refugiar-se na fé e olvidar da realidade que o cerca.

A relação crente/igreja foi assunto de reflexão do filósofo Dewey. Ele faz distinção entre ter uma religião e ser religioso. Para ele, ter uma religião é pertencer a uma Igreja e obedecer aos dogmas por ela impostos. Ser religioso é encaminhar o pensamento para os aspectos cósmicos da vida, ou seja, para a humildade, a simplicidade e o amor ao próximo.

   Karl Marx observando esse comportamento alienante dos que professam uma fé, afirmou que a religião é o ópio do povo. Essa frase soa para os religiosos como uma blasfêmia. Se analizarmos o fenômeno religioso moderno, verificamos que Marx não estava errado. A fé dissociada de uma dose de racionalidade (o que não contradiz a fé) leva a atitudes perigosas e inconseqüentes. Pessoas que doam toda os seus pertences e, em casos extremos, praticam suicídios coletivos por ordem de visionários fanáticos. E como não falar nas manobras de políticos corruptos se aproveitando desse estado de alienação das massas como verdadeiros “currais eleitorais”?

  O educador Ruben Alves afirma que “... quando o pobre/oprimido, das profundezas do seu sofrimento, balbucia:” é a vontade de Deus”, cessam todas as razões, todos os argumentos, as injustiças se transformam em mistérios de desígnios insondáveis e a sua própria miséria, uma provação a ser suportada com paciência, na espera da salvação eterna de sua alma. E adiante, o escritor conclui: “E os poderosos usam as mesmas palavras sagradas e invocam os poderes da divindade como cúmplices da guerra e da rapina”.

Corrigindo a frase de Marx de que a “religião é o ópio do povo”, diria que o papel de pseudo-religiosos na condução espiritual do povo é o responsável por sua alienação; subvertendo o verdadeiro sentido da relação criatura/Criador ,os falsos guias acabam oprimindo a gente humilde e ingênua afastando-a das verdadeiras benesses cristãs. Somente com uma fé consciente e certo grau de racionalidade, é possível à religião cumprir seu verdadeiro papel: a re-ligação do adorador com o autor de todas as coisas.

 

 

 

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           ALVES, Ruben. O que é religião. Col. Primeiros passos, brasiliense, s/d

 

           WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo:   

            Martin Claret.