O discurso ideológico permeia toda a esfera da sociedade e por isso está presente também nas salas de aula dos cursos de Ensino Superior, permitindo assim que se produzam formadores de opinião que também aplicarão esse discurso ideológico em sua práxis. Ora, se a universidade é uma instituição social, ela reflete a realidade sócio-política da sociedade na qual está inserida. Não há como dissociar uma coisa da outra.

É dessa forma que a universidade, espaço de debate e reflexão, acaba por funcionar como um aparelho ideológico. A ideologia não passa de um pensamento teórico-estruturado, exprimindo uma falsa visão da história, cuja finalidade é ocultar um projeto social, político e econômico da classe dominante (GADOTTI, 1980, p.31)

Desde os primórdios que os grupos dos que pensam surgem da classe dominante de uma sociedade e suas reflexões visam a atender aos seus interesses. Hoje, embora o acesso às universidades atinja também classes menos favorecidas (em menor proporção, é claro) forma intelectuais que pensam com as idéias dos dominantes. Não o fazem conscientemente, mas involuntariamente, pois que a sociedade sustenta um aparelho ideológico repressivo, por vezes ostensivo, que combate toda forma de desvelamento da ideologia, transformando as relações sociais existentes em naturais e não as encarando como resultados da ação humana, que como tal, pode ser transformada.

Logo, ao ingressar na universidade já carregamos uma bagagem de idéias que tomamos como naturais. Marx chamou esse processo de alienação social. O estado de alienação perpetua as desigualdades sociais e a passividade do sujeito. O papel da universidade enquanto espaço de reflexão seria o de desvelar o discurso ideológico, fazendo-nos capazes de interpretar as relações sociais em suas raízes.

A formação em Ensino Superior não tem garantido esses objetivos porque a universidade tem oferecido uma formação também baseada em discursos ideológicos pois que isso é inerente à qualquer instituição social, desde a família, a igreja, a escola, etc. Não seria diferente na universidade, em que os intelectuais, em boa parte pertencentes ou envolvidos no grupo dominante, têm o poder de transmitir as idéias de sua classe, transformando a consciência daqueles que serão os futuros professores das universidades. Isso gera um ciclo vicioso, mas involuntário, como afirmado anteriormente. Sim, porque não podemos afirmar que o homem, reconhecendo as causas de sua miséria, nada faça para modificar sua realidade. Marilena Chauí (2000) explica bem nossa tendência em repetir o discurso ideológico: nascemos e somos criados com essas idéias e nesse imaginário social, não percebemos a verdadeira natureza das coisas. Isso não significa que os docentes que atuam no Ensino Superior sejam incompetentes nas suas áreas, mas, muitas vezes não cumprem esse papel de desvelar o pensamento ideológico, seja por egoísmo, ignorância ou impotência. Como educadores, seu papel é o de disseminar o hábito da reflexão a cerca das condições de sua existência e da vida em sociedade. Mas não podemos deixar de levar em consideração também que a banalização do Ensino Superior nos últimos anos tem trazido como conseqüência uma baixa qualidade no ensino pela formação de docentes desqualificados.

Na maior parte das vezes, não é apenas no discurso que está presente a ideologia, mas na própria atitude das pessoas. A própria universidade opera segundo os interesses da classe dominante. Poderia enumerar uma série de distorções presentes no discurso e na prática acadêmica, mas seria por demais cansativo e desnecessário.

Esse despertar para a constante reflexão das origens das relações sociais, políticas e econômicas, é o verdadeiro desafio na busca por uma educação de qualidade. Quando falamos em educação, falamos em ato político e, portanto, ligado à atividade social. Logo, não podemos exigir esse despertar apenas na universidade, mas da sociedade como um todo. Entretanto, todo ato educativo é baseado numa práxis. Gadotti (1980, p.34) afirma que a educação, sendo práxis, porque ela é práxis é que pode escapar à ideologia. Ele diz que no ato educativo sempre fica um espaço livre e que é esse espaço que deve ser aproveitado como espaço de libertação.

Isso implica em que a universidade não se preste apenas ao papel de ensinar, mas que permita uma práxis da liberdade, pois educar não se resume à pura transmissão de conhecimentos, mas à formação de uma consciência crítica, que perpasse as paredes das salas de aula e se firme em atitude, em transformação.

Entretanto, ao se deixar utilizar como aparelho ideológico, a universidade forma cidadãos passivos, que se reconhecem impotentes frente às injustiças sociais. Ao reproduzir o discurso ideológico, distorce a realidade através da manipulação de informações superficiais e fragmentadas. Não estimula a reflexão, a conscientização de que o que vivemos é fruto da ação humana. E se  vivemos o resultado daquilo que fizemos, é na práxis que devemos atuar.

Não é no simples reconhecimento e crítica ao estado de alienação que surgirá modificação na consciência humana. Aliás, não são as idéias que transformam a realidade. Segundo uma visão marxista, a realidade explica nosso nível de consciência, não o contrário. Logo, a realidade em que vivemos reflete nosso pensamento. Isso significa dizer que estamos pensando errado? Não. Significa que não estamos pensando. A universidade está formando gente que não pensa ou que pensa a realidade de forma distorcida, tomando os efeitos pelas causas (inversão) sem indagar como tal realidade foi concretamente produzida.