RESUMO: O artigo em questão tem como finalidade analisar a Lei nº 12.654/2012 dentro da persecução penal. O tema relevante é a visão da constitucionalidade e da inconstitucionalidade referente à identificação genética feita por exames de DNA, observando que a Lei nº 12.654/12 alterou a Lei nº 12.037/2009, que trata sobre a identificação criminal do civilmente identificado. Importante destacar, para quem é a favor de sua inconstitucionalidade, a possível afronte aos Princípios tutelados pela Constituição Federal de 1988, como o Princípio da Presunção de Inocência e o Princípio à Autoincriminação. A modificação na Lei traz em seu corpo, que “Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no artigo 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor”, criando um banco de dados sigiloso, sob pena, de sanção penal, cível e administrativa. Contudo, o quanto de segurança o sentenciado terá sobre esse banco de dados, poderá padronizar perfis dispostos à delinquência e todos sofrer futuras discriminações? O Estado busca um banco de dados para ajudar na investigação de futuros crimes a serem cometidos por quem já está começando a prisão, sendo que esta não tem caráter de ressocialização? Não seria mais eficaz o Estado editar leis na qual visa uma estrutura penitenciária melhor, atendendo de uma forma digna tanto o sentenciado, como sua família, para atingir a mesma finalidade principal, evitar a reincidência de crimes?

 

 

Palavras-chave: Persecução Penal. Identificação Genética. Exame de DNA. Princípios Constitucionais. Inconstitucionalidade. Banco de dados genéticos.

1 INTRODUÇÃO

                        O presente artigo tem como objetivo tratar o tema da Identidade Genética de acordo com a Constituição Federal, Código Processual Penal, Código Penal e as Leis que tratam desse assunto, Lei nº 12.654/12 e Lei nº 12.037/09, dentro da persecução penal.

                        Em suma, a Persecução, no dicionário, tem como significado a perseguição, assim, no âmbito penal, é o momento em que se vai atrás de alguém objetivando uma sanção devido a um ato praticado contra o Ordenamento Jurídico, sendo assim, a Persecução penal trata-se da investigação criminal e também do processo adiante, na qual o Estado visa através de seu dever, reprimir as ações contra atos que a sociedade não aceita.

                        A identificação criminal tem como objetivo cadastrar dados do autor dos fatos ilícitos para expor em sua base de dados, auxiliando os órgãos policiais, públicos e o poder judiciário, transmitindo informação confiável e segura.

                         Expõe Guilherme de Souza Nucci (2010, p. 691) ao falar sobre identificação criminal:

Identificar significa determinar a identidade de algo ou alguém. No âmbito jurídico, que dizer, apontar individualmente e exclusividade de uma pessoa humana (...). No campo criminal individualiza-se a pessoa para apontar o autor, certo e determinado, sem qualquer duplicidade, da infração penal.

                        A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LVIII, trata:

 O civilmente identificado não será submetido à identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei.

                        Dessa forma, observa-se que a disposição acima está na parte que expõe sobre os direitos e garantias fundamentais, abrangendo os direitos e deveres individuais e coletivos, fazendo parte da famosa cláusula pétrea, ex vi artigo 60, § 4.º, inciso IV da Constituição Federal:

Art. 60: A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

IV - os direitos e garantias individuais

                        A cláusula pétrea traz para o Ordenamento Brasileiro segurança e certeza jurídica através de uma Constituição rígida e permanente, assim entendendo, o artigo 5º, inciso LVIII, da CF, não poderá sofrer qualquer tipo de retaliação, somente podendo ser alterada para melhor ou apenas com uma nova Constituição.

                        A parte final do artigo 5.º, inciso LVIII, da CF, abre a possibilidade de hipóteses previstas em lei, em que o civilmente identificado será levado à identificação criminal, conforme Lei nº 12.037/09:

           

Art. 1º  O civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nos casos previstos nesta Lei.

Art. 3º  Embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer identificação criminal quando:

I – o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação;

II – o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado;

III – o indiciado portar documentos de identidade distintos, com informações conflitantes entre si;

IV – a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa;

V – constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações;

VI – o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais.

                       

                        Sobre a Lei 12.037/09, Eduardo Luiz Santos Cabette, em seu artigo científico comenta:

A orientação legal prima por um “Princípio de Necessidade” para erigir um sistema proporcional em que se verifiquem os casos nos quais o identificado civilmente também deverá sê-lo criminalmente. Aliás, tal proporcionalidade já vem estampada no próprio texto constitucional quando estabelece como regra a insubmissão do civilmente identificado à identificação criminal, mas abre espaço para casos excepcionais previstos em lei.

Dessa maneira não há inconstitucionalidade no fato do legislador permitir, em certas hipóteses, a identificação criminal do civilmente identificado. A questão encontra sua pedra de toque na proporcionalidade com que atua o legislador ordinário. Essa proporcionalidade somente pode orientar-se pelo critério já mencionado da “absoluta necessidade” da submissão à identificação criminal, a qual se consubstancia no fato de que a identificação civil apresentada não seja, por algum motivo plausível, suficientemente segura para a individualização e identificação da pessoa investigada. No seio desse proceder rigoroso respeita-se a dignidade humana, evitando humilhações e rituais de constrangimento desnecessários, bem como o interesse social na correta identificação dos envolvidos em investigações criminais.

A Lei 12.037/09 soluciona a contento essa falha da legislação antecedente. Em seu artigo 3º, I a VI, não elenca nenhuma infração penal para a qual seja obrigatória de forma abstrata a identificação criminal do civilmente identificado. Apenas arrola casos em que a identificação criminal mostra-se necessária devido à insegurança dos documentos apresentados pelo interessado, o que obedece estritamente a um critério de proporcionalidade e necessidade constitucionalmente desejável.

                        Contudo, a Lei 12.654/12 modificou a Lei 12.037/09 e a LEP (Execução Penal), assim, existe a possibilidade de coleta de material genético obrigatória para todos os condenados por crimes dolosos praticados com violência e por crimes hediondos, para formação de um banco de dados sigiloso que será utilizado eventualmente em crimes futuros. Assim, utiliza-se a Lei Federal 12.037/2009, com as transformações trazidas pela Lei Federal 12.654/2012.

                        Como já dito no resumo do presente artigo, é necessário observar os resultados advindos do uso da biotecnologia na área do direito, lógico que todas as inovações são bem vindas ao direito, além do mais o direito existe para solucionar problemas, buscando a verdade e julgando de forma justa.

                        Dessa forma, há necessidade de cautela, pois as informações sobre dados genéticos podem ferir Princípios como a intimidade ou a privacidade, já que estamos no Brasil, e este possui um perfil na quais todos sabem que informações são vazadas constantemente, em quase todos os âmbitos, existindo sim certo receio sobre o armazenamento de informações genéticas em um banco de dados específico.

                        Concluindo o pensamento acima, é importante que esses dados não sejam vazados, embora a Lei 12.654/12 já imaginou essa hipótese e colocou responsabilidade civil, penal e administrativa para quem utilizar os dados de forma ilegal caso os dados sejam desviados, pois podem propiciar a criação de um perfil e favorecer a discriminação, dificultando, por exemplo, as oportunidades de emprego (que já são difíceis para um sentenciado).

                        Por fim, o presente artigo jurídico visa trazer a Identificação genética na persecução penal com breves comentários sobre a Lei 12.654/12, que alterou a Lei 12.037/09 e as divergências sobre sua Constitucionalidade no Ordenamento Jurídico Brasileiro, podendo dessa forma, ajudar os estudantes e operadores do direito no âmbito penal e do processo penal, pois se trata de um tema de importância em razão da alta criminalidade encontrada no Brasil, especialmente para crimes hediondos, como o homicídio, latrocínio e o estupro.

2 LACÔNICOS COMENTÁRIOS SOBRE A LEI 12.654/12

Antes da entrada da lei em questão, a identificação criminal era feita, normalmente, por identificação datiloscópica (utilizando-se as impressões digitais do individuo, entrou no Ordenamento Jurídico pelo artigo 63 do Decreto 4.764 de 5 de fevereiro de 1903) e também por identificação fotográfica (através de fotografia do individuo). Nota-se que com a evolução da sociedade, o direito criminal utiliza dessa tecnologia para introduzir em seu corpo avanços que possam facilitar o esclarecimento de crimes. 

A Lei 12.654/12 adicionou mais uma opção, que é a identificação por meio de exame de DNA. Explica Paula Louredo, professora de Biologia, sobre o DNA:

O DNA (ácido desoxirribonucleico) é um dos ácidos nucleicos e pode ser encontrado tanto no interior quanto no exterior das células. Embora o DNA tenha se tornado conhecido apenas nas últimas décadas devido à popularização dos exames para identificação de paternidade duvidosa, ele já era conhecido no meio científico desde o início da década de 1950, quando ficou comprovado que o DNA é o material que constitui os genes. Através do DNA é possível identificar pessoas para esclarecer uma possível participação em um crime e também na realização de testes de paternidade. É importante lembrar que, com exceção dos gêmeos univitelinos, o DNA de cada pessoa é único. O teste de  DNA, chamado de DNA figerprint ou impressão digital genética, fornece um grau de confiabilidade bastante alto, ultrapassando 99,9% de certeza em seu resultado. As amostras de DNA são obtidas através de pelos, sangue, pedaços de pele, esperma etc.

                        A persecução criminal é um procedimento criminal que possui duas fases, a investigação e a ação penal. Assim, a identificação genética pode ocorrer em ambas às fases, conforme artigo 5° da Lei 12.037/09.

Art. 5º  A identificação criminal incluirá o processo datiloscópico e o fotográfico, que serão juntados aos autos da comunicação da prisão em flagrante, ou do inquérito policial ou outra forma de investigação.

Parágrafo único. Na hipótese do inciso IV do art. 3o, a identificação criminal poderá incluir a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético (grifo nosso).

Art. 3º  Embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer identificação criminal quando:

IV – a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa;

                        Na fase de investigação criminal, poderá haver identificação através de coleta de material biológico para obter o perfil genético do acusado, contudo, somente na hipótese do artigo 3º, inciso IV, citado acima.

                        Nessa fase, a determinação para coletar o material biológico do acusado é do juiz, podendo ser de ofício ou representado pelo Ministério Público, pela defesa ou pela autoridade policial.

                        Em relação à outra etapa, observa-se o artigo 3° da Lei 12.654/12, que alterou a Lei de Execução Penal.

Art. 3º:  A Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 9-A: 

Art. 9º-A:  Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1º da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor. 

                        Enquanto na investigação criminal existe apenas a possibilidade/faculdade da identificação, tendo que demonstrar a necessidade da medida através de autorização judicial, após a condenação já é diferente, pois essa lei obriga a identificação genética através do DNA para condenados em crime hediondos (crimes equiparados a hediondos não entram nessa possibilidade - artigo 1º e 2º, da Lei 8.072/90) ou praticados dolosamente com violência grave contra pessoa, conforme artigo citado acima.

                        Essa condenação que obriga a identificação deve ser entendida após a condenação definitiva, ou seja, deve haver o transito em julgado da sentença para que após seja feita a identificação, esse entendimento parte do artigo 5º, da Constituição Federal, pois antes da sentença ninguém será considerado culpado (Principio da presunção de inocência).

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

                        Com as possibilidades da coleta do material genético (DNA) visto acima, é possível ver os objetivos que possui. A primeira é, juntamente com a identificação datiloscópica e a identificação fotográfica, ser utilizada para identificação criminal, e o outro objetivo, é servir como prova em futuras ações, sendo essa mais questionada sua constitucionalidade. Dessa forma, se o individuo que já tem seu material genético coletado, em crimes não transeuntes (que deixam vestígios), serão analisados os vestígios deixados no local do crime com o banco de dados criado, facilitando o trabalho dos profissionais no caso e revelando o autor do crime ou podendo inocentar algum acusado. Por exemplo, a análise do sêmen no crime de estupro, o sangue na roupa da vítima que reagiu, os fios de cabelos no local do delito, etc.

                        A própria Lei 12.654/12 se precaveu sabendo da possibilidade do vazamento de informações do banco de dados do material genético coletado, assim salientou o caráter de sigilo, conforme artigo 2º:

Art. 2o  A Lei no 12.037, de 1o de outubro de 2009, passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos: 

§ 2o  Os dados constantes dos bancos de dados de perfis genéticos terão caráter sigiloso, respondendo civil, penal e administrativamente aquele que permitir ou promover sua utilização para fins diversos dos previstos nesta Lei ou em decisão judicial. 

                        Sobre a exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados, segundo a própria lei, se dará no prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito resguardando o direito de intimidade do réu.

Art. 7º-A.  A exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá no término do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito. 

Art. 748, CPP: A condenação ou condenações anteriores não serão mencionadas na folha de antecedentes do reabilitado, nem em certidão extraída dos livros do juízo, salvo quando requisitadas por juiz criminal.

                        Por fim, um ponto polêmico, é a coleta do material genético durante o processo penal, ou seja, depois da investigação criminal e antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. Analisando todos os Princípios Constitucionais e penais, tratando-se de uma lei que visa restringir direitos, esta não deve ser analisada de maneira mais ampla, devendo apenas seguir o que nela foi escrito. Contudo, no direito há sempre exceções, e nesse caso, se o acusado tiver interesse em requerer o exame para provar sua inocência, não há violação nenhuma ao Ordenamento Jurídico, podendo dessa forma, ser realizado durante o curso do processo.

2.1 Negar o fornecimento do material genético quando solicitado

                        Se o indivíduo for submetido à coleta do material genético (DNA) e se recusar a fazer o exame, qual será as consequências?

                        De princípio deve-se pensar que alguma sanção ou consequência será realizada perante o sujeito que negou, contudo, não haverá nenhuma consequência, pois como todos conhecem, ou começaram a conhecer a partir do exame do teste do bafômetro nas ruas e estradas, nenhuma pessoa é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Assim, o sujeito que nega o fornecimento do material genético, esta apenas se valendo de um Princípio Constitucional da autodefesa (nemo tenetur se detegere),. Dessa forma, ainda que a coleta seja obrigatória, simples e indolor, o Estado não pode impor e coagir o sujeito à realização do exame.

                        Concluindo, a Lei 12.654/12 é apenas uma possibilidade para quem se sujeita a fazer o exame, fazendo a lei ter reduzida efetividade.

                        Importante ressaltar, que é favorável o entendimento do Supremo Tribunal Federal ao Princípio da não autoincriminação, dessa forma, se for seguir a linha de pensamento adotada pelo STF, a coleta de material genético pelo investigado ou pelo condenado somente poderá ser feito se este tiver consentimento, não podendo ser feito de forma forçada, ademais, serão vistos outros Princípios fundamentais que também são temas controversos a respeito da constitucionalidade da identificação genética.

            Abaixo estão alguns julgados do STF a respeito do Princípio da autoincriminação.

HABEAS CORPUS. DENÚNCIA. ART. 14 DA LEI Nº 6.368/76. REQUERIMENTO, PELA DEFESA, DE PERÍCIA DE CONFRONTO DE VOZ EM GRAVAÇÃO DE ESCUTA TELEFÔNICA. DEFERIMENTO PELO JUIZ. FATO SUPERVENIENTE. PEDIDO DE DESISTÊNCIA PELA PRODUÇÃO DA PROVA INDEFERIDO.

1. O privilégio contra a auto-incriminação, garantia constitucional, permite ao paciente o exercício do direito de silêncio, não estando, por essa razão, obrigado a fornecer os padrões vocais necessários a subsidiar prova pericial que entende lhe ser desfavorável.

2. Ordem deferida, em parte, apenas para, confirmando a medida liminar, assegurar ao paciente o exercício do direito de silêncio, do qual deverá ser formalmente advertido e documentado pela autoridade designada para a realização da perícia.

(HC 83096, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 18/11/2003, DJ 12-12-2003 PP-00089 EMENT VOL-02136-02 PP-00289 RTJ VOL-00194-03 PP-00923)

EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. RECUSA A FORNECER PADRÕES GRÁFICOS DO PRÓPRIO PUNHO, PARA EXAMES PERICIAIS, VISANDO A INSTRUIR PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO DO CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO. NEMO TENETUR SE DETEGERE.

Diante do princípio nemo tenetur se detegere, que informa o nosso direito de punir, é fora de dúvida que o dispositivo do inciso IV do art. 174 do Código de Processo Penal há de ser interpretado no sentido de não poder ser o indiciado compelido a fornecer padrões gráficos do próprio punho, para os exames periciais, cabendo apenas ser intimado para fazê-lo a seu alvedrio. É que a comparação gráfica configura ato de caráter essencialmente probatório, não se podendo, em face do privilégio de que desfruta o indiciado contra a auto-incriminação, obrigar o suposto autor do delito a fornecer prova capaz de levar à caracterização de sua culpa. Assim, pode a autoridade não só fazer requisição a arquivos ou estabelecimentos públicos, onde se encontrem documentos da pessoa a qual é atribuída a letra, ou proceder a exame no próprio lugar onde se encontrar o documento em questão, ou ainda, é certo, proceder à colheita de material, para o que intimará a pessoa, a quem se atribui ou pode ser atribuído o escrito, a escrever o que lhe for ditado, não lhe cabendo, entretanto, ordenar que o faça, sob pena de desobediência, como deixa transparecer, a um apressado exame, o CPP, no inciso IV do art. 174. Habeas corpus concedido.

(HC 77135, Relator(a):  Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 08/09/1998, DJ 06-11-1998 PP-00003 EMENT VOL-01930-01 PP-00170)

                        Por fim, invertendo a pergunta, se o indivíduo for submetido à coleta do material genético (DNA) e consentir a fazer o exame, será constitucional?

                        Esses casos são interessantes quando o sentenciado já tenha feito o exame há tempos e sofre nova condenação, e essa condenação só advém em razão da comparação do material genético encontrado nos fatos, assim, o réu contrata um advogado de defesa ou é nomeado um defensor público. Nesses casos, interessante utilizar a tese da prova ilícita, Adeildo Nunes (2013, pg. 118) narra:

A primeira vista, havendo o consentimento do criminoso, torna-se-ia impossível suscitar a posteriori qualquer prejuízo. Entretanto, tratando-se de uma prova ilícita, nova inconstitucionalidade se vislumbra, porque a Constituição Federal não admite a condenação com base em prova obtida de forma ilícita. À luz do disposto no artigo 157 do Código de Processo Penal, com a nova redação conferida pela Lei Federal nº 11.690/2008, provas ilícitas são aquelas obtidas com à violação a Constituição Federal ou às leis. Assim, pois, confessando o acusado a pratica de um delito, sob tortura, coação ou maus tratos, essa prova é absolutamente ilícita e imprestável, pois a Carta Magna de 1988 assegurou a todos o direito à incolumidade física, conforme seu artigo 5°.

            Lembrando que é possível fazer uma diferenciação da colheita de prova, podendo ser ativa ou passiva (tema de grande debate na doutrina), pois caso seja passiva, a prova está de acordo. Um exemplo de prova ativa é o bafômetro, soprar, fazer o exame de sangue, ir ao local dos fatos, dessa forma, com o princípio da não autoincriminação, não se precisa fazer, não precisa se sujeitar, pois é uma prova ativa, diferente, porém a participação passiva, por exemplo, ser reconhecido, esta se subordina a uma atividade e não está participando no polo ativo, assim, é possível essa prova de acordo com a maioria dos doutrinadores. No caso em questão, fornecer material genético entra no campo de colheita de prova ativa, pois o sujeito deve participar fornecendo seu material através de um exame, assim, o sujeito pode negar a se submeter em razão que nenhuma pessoa é obrigada a produzir prova contra si mesmo.

                       

3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E A INCONSTITUCIONALIDADE ALEGADA NA LEI 12.654/09

 

          Existem inúmeros Princípios, tantos constitucionais (implícitos e explícitos), tanto Princípios Processuais. Leonardo Barreto Moreira Alves (2010, p.36) comenta:

No estudo da disciplina, portanto, impõe-se ao operador do direito a leitura de institutos defasados estampados no Código de Processo Penal à luz dos Princípios Constitucionais, para que se encontre o ponto de equilíbrio entre o direito de punir do Estado e os direitos fundamentais do cidadão, desenhando-se assim um Processo Penal justo, na medida em que a sanção penal possa ser eventualmente aplicada sem desrespeitar os direitos mais caros ao acusado (grifo nosso).

 

                        Segundo José Afonso da Silva, os princípios constitucionais são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas. Abaixo serão analisados alguns Princípios relevantes que tocam a Lei 12.654/12.

3.1 Princípio de não produzir prova contra si (Nemo tenetur se detegere)

                        Essa garantia está consagrada pela Constituição, assim como pela legislação internacional, expresso no art. 8.2 da Convenção Americana de Direitos Humanos, na qual o Brasil é signatário.

Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.  Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

 g. direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada;
 

                        Esse Princípio afeta o Estado em sua função de acusar, pois o ônus da prova e o dever de quebrar a presunção de inocência são da parte acusatória, não podendo esperar ajuda da parte acusada.

                        Embora o artigo 5°, inciso LXIII, da Constituição Federal, trata o direito do preso ao silêncio, ela abrange muito mais que isso, sendo que a grande parte dos doutrinadores estudiosos do direito criminal, entendam que não é somente o silêncio mas sim, que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.

                        Concluindo, pois esse Princípio já foi falado no tópico da recusa do material genético por parte do sujeito, ainda que a coleta seja obrigatória, simples e indolor, o Estado não pode impor e coagir o sujeito à realização do exame.

                       

3.2 Princípio da dignidade da pessoa humana

                        A Constituição Federal no artigo 3º, expõe:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

                        Esse é um dos Princípios mais antigos, que vem evoluindo conforme a sociedade avança e se altera, contudo, se destaca por defender as pessoas contra todos os atos que agridem sua dignidade, em todos os sentidos, constituindo assim uma unificação de direitos fundamentais trazidos em nossa Constituição.

                        Cristina Queiroz, professora portuguesa e autora de diversos livros de direitos fundamentais, expõe a importância da dignidade no Estado Constitucional, conceituando:

 Este conceito de “dignidade” sofreu igualmente uma evolução. Não se refere ao indivíduo desenraizado da abstracção contratualista setecentista (“teorias do contrato social”), mas o ser, na sua dupla dimensão de “cidadão” e “pessoa”, inserido numa determinada comunidade, e na sua relação “vertical” com o Estado e outros entes públicos, e “horizontal” com outros cidadãos. A ideia de “indivíduo” não corresponde hoje ao valor (individualista) da independência, mas ao valor (humanista) da autonomia onde se inclui, por definição, a relação com os outros, isto é a sociabilidade. O conceito de “pessoa jurídica” não constitui hoje somente a partir da “bipolaridade” Estado/indivíduo, antes aponta para um sistema no qual as grandes instituições sociais desempenham um papel cada vez mais relevante.

                        Para Kant, famoso filosofo na área do direito, expõe sobre a importância da dignidade:

No reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto não permite equivalente, então ela tem dignidade.

                        Esclarecendo, dignidade não tem valor na qual se pague, seja em dinheiro, seja em estimativa, pois acima de tudo ela é indisponível, não podendo sofrer retaliações ou mudar. Dessa forma, a dignidade atinge um valor supremo que chama para si todas as demais garantias, servindo como base.

Como nos ensina Sarlet:

[...] é a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

                        A Lei nº 12.654/12 deve respeitar o Princípio da dignidade humana, pois o Princípio serve para o Estado, demonstrando até onde ele pode chegar, devendo sempre zelar pelo respeito à moral de cada pessoa.

 3.3 Princípio da presunção de inocência

                        O Princípio da Presunção de Inocência previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, traz a ideia que antes do trânsito em julgado, ninguém será considerado culpado.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

                        Tourinho Filho (2009), em seu livro, lembra a épocas históricos sobre a evolução do Princípio da presunção de inocência:

O princípio remonta o art. 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão proclamada em Paris em 26-8-1789 e que, por sua vez, deita raízes no movimento filosófico- humanitário chamado “Iluminismo”, ou Século das Luzes, que teve à frente, dentre outros, o Marques de Beccaria, Voltaire e Montesquieu, Rousseau. Foi um movimento de ruptura com a mentalidade da época, em que, além das acusações secretas e torturas, o acusado era tido com objeto do processo e não tinha nenhuma garantia.

                        Coelho (2011) expõe sobre as funções do direito penal:

As funções do Direito Penal, assim, podem ser sintetizadas como, por um lado, o controle social, através de mecanismos simbólicos de prevenção. Por outro lado, paralela e paradoxalmente, a garantia do indivíduo frente ao Estado e suas pretensões de intervir sobre a liberdade individual. É no contraponto entre essas duas faces da esfera penal que se pode destacar que o Direito Penal contemporâneo caminha para ser uma esfera jurídica centrada no enaltecimento do ser humano como referência e razão principal das relações sociais.

                        Assim, somente depois do trânsito em julgado da sentença condenatória de um processo que ocorreu com as garantias constitucionais, através da ampla defesa e do devido processo legal, é que se pode tirar a inocência de uma pessoa. Isto é uma garantia contra o Estado para evitar punições injustas por meio da justiça.

                        Se a sentença condenatória fizer coisa julgada e determinar a identificação genética, persistirá a inconstitucionalidade? Adeildo Nunes (2013, pg. 118) expõe:

Em primeiro lugar, não há previsão legal no sentido de obrigar o juiz a efetivar tal determinação. Nesse caso, para tanto, seria necessário introduzir essa exigência no artigo 387 do Código de Processo Penal, cujo dispositivo disciplina os requisitos objetivos que o juiz deve analisar, sempre que proferir uma sentença penal condenatória, depois, a realização do exame não está elencada no rol dos efeitos genéricos e específicos da condenação consagrado nos artigos 91 e 92 do Código Penal.

                        Trazendo esse Princípio para a identificação genética, conclui-se que após o transito julgado é que poderia haver o uso do exame genético para coleta do material DNA, pois na persecução penal, o sujeito ainda goza de inocência, e entrando nesse banco de dados fere diversas garantias constitucionais, contudo, o juiz não é obrigado a determinar a realização e como a lei não supriu essa lacuna dita na citação, cabe esperar o STF decidir sobre a matéria.

3.4 Ônus da prova

 

            Esse tema é importante, pois aqui se diz quem tem o dever de provar. O artigo 156 do Código de Processo Penal, traz critérios do ônus no processo penal.

Art.156. Aprova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:

I - ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;

II - determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

          Gustavo Badaró (2003, p. 173) utiliza um enfoque diverso dos demais:

É um enfoque jurídico na qual o ordenamento jurídico estabelece determinada conduta para que o sujeito onerado obtenha o resultado favorável. Em outros termos, para que o sujeito onerado obtenha o resultado favorável, devera praticar o ato previsto no ordenamento jurídico, sendo que não a realização da conduta implica na exclusão de tal beneficio, sem, contudo, configurar um ato ilícito.

          Sabendo-se que ônus significa incumbência, em regra, alegou tem que provar, chamando para si o ônus.

            Dessa forma, o órgão acusatório que em regra é o Ministério Público, deve conseguir provas não só da existência do fato, mas também de sua autoria, demonstrando quem é o culpado e as possíveis agravantes ou atenuantes, ficando para a defesa o ônus dos fatos impeditivos, extintivos ou modificativos.

            Observa-se que o ônus é uma garantia tão grande para a defesa, que nesses últimos tempos, surgi uma corrente não majoritária, que adota a posição que o ônus fica para a acusação, provando os fatos impeditivos, extintivos ou modificativos. Uma analise mais rígida do princípio da presunção de inocência, mas vale-se ainda da doutrina tradicional.

            Trazendo o ônus da prova para a identificação genética, sabendo que este é da acusação, não se pode requerer do sujeito qualquer conduta ativa que lhe traga prejuízos, pois somando todos os Princípios alegados nesse capítulo, não existe a razão do sujeito ser obrigado a fazer o exame de DNA contra si próprio, pois além do mais, é dever do Estado acusar e não se valer de medidas que ferem Princípios somente para acusar.  

        

4 BANCO DE DADOS DA IDENTIFICAÇÃO GENÉTICA

 

                        A Lei nº 12.654/12 traz que os dados coletados a partir do material genético, ficarão armazenados em um banco de dados gerenciado por unidade oficial de perícia criminal, conforme artigo 2°, que alterou tanto a Lei 12.037/09, como a Lei de Execuções Penais:

Art. 2o  A Lei no 12.037, de 1o de outubro de 2009, passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos: 

Art. 5o-A.  Os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser armazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade oficial de perícia criminal. 

§ 1o  As informações genéticas contidas nos bancos de dados de perfis genéticos não poderão revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto determinação genética de gênero, consoante as normas constitucionais e internacionais sobre direitos humanos, genoma humano e dados genéticos. 

§ 2o  Os dados constantes dos bancos de dados de perfis genéticos terão caráter sigiloso, respondendo civil, penal e administrativamente aquele que permitir ou promover sua utilização para fins diversos dos previstos nesta Lei ou em decisão judicial. 

§ 3o  As informações obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos deverão ser consignadas em laudo pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado.

                        Observa-se que a partir da lei, que as informações obtidas não podem revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, apenas as determinações genéticas de gênero, conforme as normas constitucionais e internacionais sobre direitos humanos, genoma humano e dados genéticos.

                        Além disso, há previsão legal para o banco de dados ser de caráter sigiloso, respondendo civil, penal e administrativamente aquele que permitir ou promover sua utilização para fins diversos dos previstos nesta Lei ou em decisão judicial. Além das informações obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos deverão ser consignadas em laudo pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado.

                        Adeildo Nunes (2013, pg. 117), em seu livro da Execução Penal, expõe críticas sobre o banco de dados:

Como se observa, esse banco de dados servirá muito mais como elemento de prova indiciária e, por isso, será muito mais útil à autoridade policial encarregada das investigações criminais – polícia judiciária – mormente nos crimes de difícil elucidação, principalmente no que tange àqueles desprovidos de prova testemunhal presencial ou confissão do réu.

                        Interessante destacar que a Lei nº 12.654/12 somente prevê a exclusão do banco de dados ao fim do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito, conforme o artigo 7º. Assim, não há previsão para o cancelamento das informações antes da prescrição acima citado. Analisando as leis de outros países, é possível perceber, por exemplo, no caso da Espanha, que a lei aceita o cancelamento em vários motivos, até permitindo recurso caso seja negado de forma injustificada.

 

4.1 Ideologia Lombrosiana

                        Tema de extrema relevância e aplicabilidade no direito atual, à ideologia de Cesare Lombroso, psiquiatra, antropólogo e criminalista, sobre a identidade do criminoso é muito conhecida. O banco de dados, fundamentado em “estereótipos comportamentais” de regresso à delinquência, “periculosidade oculta”, “possibilidade de reincidência”, não merecem acolhimento, porque existe a superficialidade e não-cientificidade, baseados por preconceitos sociais e muito rejeitado pela psicologia.

                        Os bancos de dados genéticos visam guardar provas para crimes futuros a serem cometidos por sujeitos que começaram a cumprir pena recentemente, quebrando toda a função da pena que o Estado tanto reforça que é a ressocialização do sentenciado. Assim, os bancos de dados são visto como excessivamente simples manifestação individual e desviante de cidadãos moralmente não adaptados. Existe a necessidade de combater medidas que separam e fazem surgir preconceitos e exclusões nas sociedades, gerando diversas violações, como já citado, a dignidade da pessoa humana.

                        Nesse raciocínio, Antônio Alberto Machado discorre:

 Esse banco de dados parece ser mais uma daquelas “medidas de efeito”, uma espécie de “pirotecnia processual repressiva”, criada pelo legislador para dar a impressão de que a criminalidade está sendo eficazmente combatida, com rigor e com o auxílio da ciência (tal como supostamente ocorre nos países desenvolvidos), enquanto que as causas reais do crime permanecem intocadas, alimentando e fazendo crescer os índices de violência e insegurança pública. Sob esse aspecto, o Brasil continua seguindo o seu equivocado destino histórico de “dar tratamento policial aos problemas sociais”, pois os países avançados que adotam essas biotecnologias modernas contra o crime há muito que já tomaram outras providências no terreno das políticas públicas e sociais, estas sim, bem mais eficazes no combate à criminalidade que é um fenômeno coletivo, com raízes sociais, econômicas e políticas. É relevante destacar, por fim, que a coleta de material biológico, a análise do DNA do indivíduo e o armazenamento de dados genéticos pelo Estado, são providências severas de controle estatal que ameaçam radicalmente a privacidade das pessoas e ainda podem ter o efeito de revolver as ideias positivistas do médico italiano, Cesare Lombroso, que no século XIX acreditava ser possível definir os caracteres morfológicos e comportamentais dos “criminosos natos”, naturalmente propensos à prática de crimes. (grifo nosso)

                        Concluindo, no Brasil, a violência está todos os dias na mídia, e a sociedade brasileira em geral, começou a ter ódio sobre os bandidos, entretanto, não se debate as causas dos crimes, fazendo a sociedade idealizar que os criminosos são pré-identificados, por sua origem pobre e pelo seu “perfil genético”. Usando os argumentos da citação acima, a Lei 12.654/12 foi criada para ser uma medida de efeito, dando a impressão de que a criminalidade está sendo combatida com o auxilio do avanço tecnológico, contudo as verdadeiras causas permanecem intocadas, somente fazendo os índices de criminalidade e reincidência subirem, seguindo o caminho de dar tratamento policial aos problemas sociais. Por fim, observa-se que em países mais avançados do que o Brasil, adotam medidas não só como a identificação por meio de DNA, mas providencias no âmbito das politicas publicas e sociais.

7 CONCLUSÃO

                        Se for considerada constitucional, essa lei trará mudanças no Ordenamento Jurídico em razão da facilidade como meio de prova, tirando um pouco a atenção da prova testemunhal, que hoje predomina no Brasil, tanto nas investigações como no processo penal.

                        Contudo, ainda é questionada a constitucionalidade a Lei no 12.654/12, mostrando pontos de discriminação entre os indivíduos, iguais perante a lei, protegidos pela Constituição Federal e organizados em um “Estado Democrático”.                                                As principais críticas apontadas foram às afrontas aos Princípios Constitucionais, como o Princípio da não autoincriminação, da dignidade da pessoa humana e da presunção de inocência. Além do mais, foram apontados críticas sobre o ônus da prova, que é dever da acusação, além das críticas ao banco de dados que fazem o armazenamento do material genético.

                        No âmbito da política social, percebe-se que utiliza tratamento policial aos problemas sociais, observando que países desenvolvidos que utilizam esse meio também tomam outras providencias no terreno das políticas públicas e sociais. E como todos sabem, as penitenciarias brasileiras, são extremamente precárias, sem condições nenhuma de conseguir uma ressocialização, evitando novos delitos e por consequência, o não uso dessa lei.

Concluindo esse presente artigo, percebe-se que a Lei nº 12.654/12 embora seja uma grande amiga da parte acusatória, principalmente para as investigações criminais de indivíduos que já tem seu material genético coletado e exposto no banco de dados, é um tema muito controvertido, pois como já disposto nos capítulos acima, há muita discussão na doutrina sobre sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade.

 

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