Identidades de gênero
Analisando discursos presentes nas propagandas: Produtos de limpeza: Bom Bril. Cervejas: Skol; Kaiser e Nova Schin. Carros: Renault; Novo Doblo ? Fiat 2010; Fusion e Volkswagen.

Ana Lúcia Alves de Oliveira

Segundo Silva, 2000 "... parece ser fácil definir "identidade". A identidade é simplesmente aquilo que se é: "sou brasileiro", "sou negro", "sou heterossexual", "sou jovem", "sou homem"." Mas definir a identidade de uma pessoa não é isso simplesmente. Se pensarmos no que está implícito nessas informações, veremos que ao dizer quem somos estamos também negando o que não somos, ou seja, negamos o que é diferente de nós. Então, "Nesta perspectiva, a identidade é a referência, é o ponto original relativamente ao qual se define a diferença." Ibid.
Ao nascermos não temos identidade formada, nem noção do que é diferente, com o tempo à medida que vamos crescendo aprendemos a falar uma língua, a vestir como menina ou menino, a nos comportarmos de acordo com o meio em que vivemos. Somos influenciados em todas as escolhas que fazemos, e em muitas construções de quem somos.
"A identidade e a diferença têm que ser ativamente produzidas. Elas não são criaturas do
mundo natural ou de um mundo transcendental, mas do mundo cultural e social. Somos nós que as fabricamos, no contexto de relações culturais e sociais. A identidade e a
diferença são criações sociais e culturais." Silva, 2000.
A identidade e a diferença são criadas por meio da linguagem. Porque é através da linguagem que damos significados a tudo que nos cerca, "... identidade e diferença são o resultado de atos de criação linguística significa dizer que elas são criadas por meio de atos de linguagem." Ibid., a linguagem dos gestos, da fala, dos sons, da música, das novelas, das propagandas, todas elas estão de alguma forma nos influenciando a pensar e agir, a mudar ou continuar a ser o que somos e a ver o que é diferente, "... o discurso é um instrumento de orientação do mundo, ou seja, tudo que vivemos é permeado pela linguagem, por discursos." Grossi, p. 5, 2004.
O gênero é uma prova de como os discursos produzem diferentes conceitos a um mesmo termo. Aprendemos na escola nas aulas de gramática que gênero é masculino ou feminino, passamos a classificar e separar tudo que é do homem e da mulher. Mas, quando olhamos a nossa volta deparamos com seres que não se encaixam nessas simples divisões, e encontramos em outros discursos, outras concepções, formas diferentes de pensar em gênero.
Dessa forma, achei interessante analisar as propagandas, tomando como referência o produto de limpeza Bom Bril, as cervejas Skol, Nova Schim, Kaiser e os carros Renault, Novo Doblo ? Fiat 2010, Fusion e Volkswagen, que são propagandas que trazem discursos sobre a formação de identidades de gênero de forma bem humorada, chamativa e apelativa, nos fazendo analisar como essas referencias são apresentadas ao indivíduo, surgindo alguns questionamentos:
A propaganda de produtos de limpeza é direcionada apenas às mulheres? Eu sou mulher é por isso devo limpar a casa? Eu sou homem não posso fazer serviço de mulher?
Por que as propagandas de cerveja fazem apelo ao corpo e a sensualidade da mulher? Cerveja e mulher são prazeres momentâneos?
Como as propagandas de carro trabalham a identidade da mulher? Ter carro do ano é ter poder?

Produto de limpeza: Bom Bril
Propaganda 1 - Vídeo 1
http://www.youtube.com/watch?v=LK8buWB3fII
A campanha deste ano do produto Bom Bril tem o seguinte lema: Bom Bril os produtos que evoluíram com as mulheres. As atrizes que fazem o comercial estão vestidas de terninho, que mostram uma mudança no figurino da mulher, falam com voz ativa e "deboche" de condições masculinas que supostamente mostram inferioridade à mulher.
Nessa primeira propaganda as atrizes apresentam uma ferramenta revolucionária para as mulheres, é o Controlmen ? o primeiro controle remoto de homens do mundo. Analisando o discurso podemos fazer algumas inferências a identidade de gênero. Na parte em que diz: "apertou ele lava louça; apertou de novo ele discute a relação; apertou outra vez ele chora no final do filme romântico". O homem aprende desde pequeno que para ser macho não pode chorar, mostrar fraqueza, cresce vendo a mãe arrumando a casa, cuidando da comida e associa a isso que esse tipo de trabalho é coisa de mulher. Por outro lado, quantas mulheres reclamam de seus homens que não conversam sobre a relação, são fechados e insensíveis. Então essa propaganda convida os homens a pensarem sobre a mudança dessas atitudes, e as mulheres a começar a se impor "porque amiga, você é uma mulher evoluída, agora tem pela frente a batalha mais difícil de todas, fazer seu homem evoluir também."

Propaganda 2 ? Vídeo 2
http://www.youtube.com/watch?v=npf6_NS7nBw
Desta vez a propaganda faz alusão ao comportamento agressivo ou durão de alguns homens, uma característica que é considerada ou aceita como normal ao masculino. Em tom de autoridade, vestida de trajes militar a atriz diz: "Cabô a moleza fanfarrão... cê tá com medinho da sujeira, então pede pra sair, que aqui em casa o comando é meu, o controle também." Esse contexto nos faz pensar nas mulheres que apanham ou já apanharam do marido, porque eles aprenderam que elas são sua propriedade. Implicitamente podemos questionar sobre o papel da mulher em casa , ela não é apenas quem cuida da casa e do marido ela tem vez e voz.

Propaganda 3 ? Vídeo 3
http://www.youtube.com/watch?v=w1B5HYFhEyQ
Agora é a vez de a mulher dizer "... pede pra sua excelência pegar os produtos da Bom Bril e ir limpar a casa... porque ele até podia ser o cara lá no serviço, mas em casa pode botar a barbinha de molho que quem manda é a mulher meu bem." Nesta propaganda em tom de crítica e humor, surge um assunto importante: o homem desempregado. A mulher assume as responsabilidades e despesas da casa, mas ele resisti em ajudar nas tarefas domésticas, porque isso é trabalho de mulher "eu sou homem".

Propaganda 4 ? Vídeo 4
http://www.youtube.com/watch?v=PbNifmv8H5M
Podemos fazer muitas reflexões a partir dessa propaganda, a atriz diz que os homens estão querendo imitar as mulheres, usam brinco, depilam. Será que estaria ai implícito que homem não pode usar brinco e depilar? Ela termina dizendo "Vamo lá rapaz, segure este práxis que nem homem..." Se o homem pode depilar, usar brinco ele também pode ajudar na limpeza da casa, não é mesmo? Em nenhum dos casos perderá sua masculinidade.

Cervejas: Skol; Kaiser e Nova Schin.
http://www.youtube.com/watch?v=t9u_AdchHDw
http://www.youtube.com/watch?v=7OM51SI1UDs
http://www.youtube.com/watch?v=g0MYvFyCUhQ
As propagandas de cervejas sempre associam a cerveja, ao corpo da mulher, a virilidade do homem "È incrível como as nádegas no Brasil são poderosas nesse lugar para um homem ser o passivo" Grossi, p.6, 2004. Nessas propagandas podemos ver pontos diferentes de analise: Na propaganda da Kaiser é a mulher quem toma iniciativa de uma paquera, faz o papel que é do homem, o que para muitos é escandaloso ou vergonhoso. Em contraponto o homem exigir que a mulher não mude fique sempre linda é uma atitude que o amigo elogia. E ainda podemos pensar da outra propaganda "Nova schin" que a cerveja é um produto destinado aos homens, com a finalidade de torná-los mais unidos e machos.

Carros: Renault; Novo Doblo ? Fiat 2010; Fusion; Volkswagen
http://www.youtube.com/watch?v=hq-hiiNealM
http://www.youtube.com/watch?v=2pZY4g8YzRQ
http://www.youtube.com/watch?v=-poZBEdMWXM
http://www.youtube.com/watch?v=ZwTknzVvJCw
A primeira propaganda que foi proibida de ser divulgada mostra a mulher de outra forma que os comerciais costumam exibir, envolvendo outra mulher.
A segunda traz a versão que normalmente trabalha as propagandas, a mulher chata que é trocada por outra mais divertida, o carro como forma de atrativo para a mulher bonita e agradável.
A terceira mostra uma visão diferente da mulher, uma mulher de negócio que sonha em crescimento e poder o que é geralmente associado ao carro.
A quarta traz a mulher como um ser sensível que precisa de carinho, atenção e respeito, diz que ela pode ter algumas qualidades superiores ao homem como saber dirigir, mas que isso não é o fim do mundo. Essa propaganda foi uma homenagem à mulher e traz uma versão totalmente diferente a que geralmente se associam as propagandas de carros.


As propagandas são discursos que estão em nosso meio para nos influenciar a comprar, mas também sempre traz uma mensagem que possibilita reflexão sobre a identidade de gênero.
A partir dessas propagandas podemos refletir sobre algumas atitudes que aprendemos ao longo da nossa formação como sujeitos. Podemos mudar ideias, como por exemplo, mulher limpa a casa, tem que ser uma santa, dar prazer ao homem e ser linda. Homem tem que ser durão, não pode chorar, não ajuda nas tarefas de casa. Podemos discutir a necessidade de abrirmos a mente e ver que a mulher vem conquistando espaço e sendo valorizada, e que o mundo precisa de homens mais compreensíveis.
Com esse trabalho pode-se perceber que o mundo está em transformação algumas concepções podem e devem ser trabalhadas, por exemplo, usar essas propagandas em uma aula de português, redação, incentivando os alunos a analisarem os comportamentos e ideias que as compõem.

Referências
Tomaz Tadeu SILVA (organizador). Identidade e diferença ? a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000, 133p.
GROSSI, Mirian P. Masculinidades: uma revisão teórica. Antropologia em primeira mão/Programa de Pós Graduação em Antropologia Social: Florianópolis : UFSC , 2004, v. 75. Disponível em: http://www.antropologia.ufsc.br/75.%20grossi.pdf Acesso em 28/01/2011 (disponível no ambiente moodle) .