Apresentação

Primeiramente antes de dissertar sobre o tema desse artigo será explicitado o porquê foi utilizado nesse tema o termo paixões humanas ao invés de natureza humana , a proposta inicial era natureza humana, mas com o amadurecer dessa pesquisa concluiu-se que caberia melhor o termo paixões humanas, pois o presente texto quer abordar o que há de mais essencial no homem, a proposta não é caracterizar ou descaracterizar uma natureza humana, até porque o Nietzsche não menciona em suas obras que há uma natureza humana, mas sim algo que é inerente ao humano, o que é essencialmente do homem, as paixões humanas (os sentimentos). Então o título inicialmente era: Ideais ascéticos: a negação da natureza humana que fora trocado por: Ideais ascéticos uma negação das paixões humanas, ao longo do texto ficará mais claro o porquê da mudança.

Inicialmente será esclarecido a partir de quais obras fora fundamentado esse texto, A Genealogia da Moral, principalmente, Gaia a Ciência (alguns aforismas), Anticristo, Para além de bem e mal e Humano demasiado humano, fazendo uma trajetória semelhante, porém incomparável a de Nietzsche, será explicitado de que maneira ele constrói uma estrutura histórica de como foram construídos os valores morais ocidentais desde a Grécia clássica até a modernidade ocidental em forma de uma genealogia para demonstrar como certos pensamentos influenciaram toda a sociedade, e esse pensamento denomina-o de cristianismo, claro que não o cristianismo praticado pelo próprio Jesus Cristo, que segundo ele no Anticristo foi o único cristão de fato, o cristianismo que Nietzsche se refere é o da subserviência, pregado por Paulo (a pedra da igreja cristã) o fundador da igreja cristã.

Uma Genealogia da Moral

Quando fala-se de ideais ascéticos em Nietzsche é uma tentativa de refutar os valores morais construídos principalmente pela religião judaico-cristã. Então primeiramente nesse ensaio será feito um breve apanhado sobre a obra Genealogia da Moral, para fundamentar os argumentos da filosofia nietzschiana sobre a crítica aos ideais ascéticos.

Para discutir sobre esse conceito do ideal ascético, precisa-se primeiro saber o que seria esse ideal, e para isso é necessário fazer uma genealogia da moral na história como fez Nietzsche para entender o porquê ele não os concebe.

Quando Nietzsche fala na primeira dissertação de "Bom e mau, e bom e ruim" traça ao longo da história como surgiram essas denominações e conclui que desde a Grécia esses conceitos correspondiam de acordo com o nível social o qual a pessoa estava inserida, tudo o que era bom estava ligado a nobreza e tudo que era ruim a plebe.

Bom e ruim sempre foram na história humana como atos, sentimentos, determinados de acordo com os níveis sociais, tudo o que é bom, ou era, sempre foi definido por nobres, a nobreza foi quem ditou desde sempre esse conceito, pois eles que estavam no poder e determinavam o que os demais deveriam fazer, a partir dessa proposição surge a figura do sacerdote, o possuidor do conhecimento de sua época, conhecimento esse ligado as leituras bíblicas, logo, responsável pelas leituras e interpretações dessas, então possuidores de plenos poderes, poderes esses que eles próprios autointitularam-se dados à eles por Deus.

A consolidação dos ideais ascéticos

É interessante lembrar que na história antes de se fortalecerem os ideais ascéticos pregado pela igreja cristã, vale lembrar que existira dois segmentos de nobreza no feudalismo, que é a época em que esses ideais se fortalecem apesar de virem dando os seus primeiros passos desde o helenismo, esses segmentos eram os sacerdotes e os cavalheiros que possuíam valores completamente diferentes dos sacerdotes, com é citado por Nietzsche no sétimo parágrafo da primeira dissertação da Genealogia da Moral, em pouco tempo os sacerdotes conseguiram convencer as pessoas que os melhores valores a serem seguidos era os da igreja, os de Cristo, que eram o de ser pobre de espírito para se conseguir a Salvação eterna com isso houveram várias guerras santas em nome desse ideal que acabou prevalecendo.

Os sacerdotes fizeram com que a figura do Cristo tornara-se o Redentor, aquele que viria para trazer a Salvação, logo para que todos obtivessem essa Redenção teriam que seguir o seu exemplo de obediência ao Pai, ou seja, para Nietzsche essa obediência é a negação das paixões humanas que hoje é o homem doente da sociedade moderna que fora construído na Idade Média e que já vinha ensaiando seus primeiros passos desde a Grécia clássica com o socratismo, o que tolhe os seus sentimentos para viver o imaginário da salvação divina criado pelo próprio homem.
No cristianismo, nem a moral nem a religião conectam-se em ponto algum com a realidade. Encontramos somente causas imaginárias ("Deus", "alma", "espírito", o "livre-arbítrio" ou também o "não-livre"); efeitos imaginários ("pecado", "salvação", "graça", "castigo", "remissão dos pecados"); um comércio entre seres imaginários; (...).

O cristianismo cresceu, portanto, em um terreno falso, onde toda a natureza, todo o valor natural, toda a realidade tinha contra si os mais profundos instintos da classe dominante, uma forma de rancor mortal contra a realidade, que até agora não foi superada. (...)

A partir das concepções judaíco-cristãs que a moral da sociedade ocidental foi construída, na dissertação segunda que é intitulada por "Culpa, má-consciência e coisas afins", Nietzsche discorre como os sacerdotes fizeram com que a população os obedecessem, esses transformaram a história em história dos horrores , pois possuímos sempre a presença do castigo se não fizermos o que Deus quer, ou seja, o que a Igreja impõe. E é nesse momento o dos castigos e sacrifícios que surgem o espírito de "culpa" e "má-consciência".

O castigo é uma forma de nutrir o sentimento de culpa, esse sentimento é como se fosse uma obrigação existente entre credor e devedor que surge desde as primeiras relações de troca, o que os sacerdotes fizeram foi uma espécie de adaptação desse, o credor seria Deus, o fornecedor da vida e de tudo o que é bom e em troca os homens lhes devia obediência.

(...) O castigo teria o valor de despertar no culpado o sentimento da culpa, nele se vê o verdadeiro instrumentum dessa reação psíquica chamada "má-consciência".

A "má-consciência" é o produto do sentimento de culpa, pois se o sentimento de culpa é adquirido pela obrigação de obedecer ao Deus, senão ele irá ser castigado, punido, não terá a salvação divina, culpa essa que é desencadeada por sacrifícios feitos pelo próprio corpo do homem, por sensações e autoflagelação essa experiência segundo Nietzsche é a formadora de consciência e nesse caso da "má-consciência".

Os sacerdotes se utilizaram do sentimento de culpa para poder incutir nos homens a "má-consciência", má por que nega as paixões humanas, porém para isso eles lançaram mão do "livre-arbítrio", que é o direito de escolha cristão, no caso o indivíduo tem esse direito, mas na prática funciona da seguinte forma: se a atitude não corresponder com a vontade de Deus, você será punido, ou seja, ou é a vontade da "divina" ou é a vontade dos sacerdotes (em suma a mesma coisa).

Aqueles bastiões com que a organização do Estado se protegia dos velhos instintos de liberdade ? os castigos, sobretudo, estão entre esses bastiões ? fizeram com que todos aqueles instintos do homem selvagem, livre e errante se voltassem para trás, contra o homem mesmo. A hostilidade, a crueldade, o prazer na perseguição, no assalto, na mudança, na destruição ? tudo isso se voltando contra os possuidores de tais instintos: esta é a origem da má-consciência.

Então é a partir dessa dominação por parte do cristianismo é que Nietzsche discorre dos ideais ascéticos, e por que esses são a negação das paixões humanas.

A negação das paixões humanas

Primeiro para entendermos melhor é preciso saber o que seria esse ascetismo, vem de ascese que significa o sentido de renúncia (abdankung-abdicação) e mortificação dos desejos, das pulsões, das vontades humanas.

O ideal ascético é o ideal do bom cristão proclamado pelo sacerdote cristão, o da negação das suas vontades em nome de um Deus, em busca da salvação, é a negação do que é essencialmente humano, as paixões humana, seria uma forma de dominação de si, é o convertimento do sofrimento para a obtenção de redenção.

Esse ideal que influenciou toda a sociedade ocidental é considerado por Nietzsche como uma espécie de doença que contaminou todos os homens e quando se tenta negá-lo está-se em busca de uma verdade. Doença essa que faz com que o homem negue a si mesmo, martirize-se, mortifique-se em nome de uma moral imposta pela tradição.

(...) o sacerdote ascético, a primeira indicação sobre a causa sobre a "causa" do seu sofrer: ele deve buscá-la em si mesmo, em uma culpa, um pedaço de passado, ele deve entender seu sofrimento mesmo como punição. (...) Ele não consegue sair do circulo o doente foi transformado "em pecador"... (...) o auto-suplício do pecador na roda cruel de uma consciência inquieta, (...) o sacerdote ascético ? ele havia claramente vencido, o seu reino havia chegado: já não havia queixas contra a dor, ansiava-se por ela; "mais dor! Mais dor!" ? gritou durante séculos o desejo dos seus apóstolos iniciados.

Para Nietzsche a concepção de um ideal ascético como negação das paixões humanas está ligada a toda tradição a qual fora construída os valores morais da sociedade ocidental, o cristianismo, pois esse fora interpretado pelos sacerdotes como uma forma de dominação do homem, o homem fora habituado com o tempo a dominar a si mesmo, a voltar-se para si e controlar suas vontades humanas, aprendeu a negar as suas paixões, que é o pathos (tristeza e melancolia), que os sacerdotes transformaram em fé e sentimento de devoção ao Salvador.

O pathos que dele emana chama-se fé: fechar os olhos perante a si mesmo, de uma vez por todas, para não sofrer com a visão de uma falsidade
incurável. Desta ótica falseada acerca de todas as coisas fabrica-se, intimamente, uma moral, uma virtude, uma santidade, liga-se a boa consciência a uma falsa visão ? e depois de ter se tornado sacrossanta, sob os nomes de "Deus", de "salvação" e de "eternidade", exige-se que uma outra visão possa ter valor. (...)


Então para Nietzsche esse pathos que fora transformado em sentimento de fé, de voltar-se para si, de negação das vontades, teria que ser reinterpretado como ele coloca em obras posteriores a Genealogia da Moral como a vontade de potência que nada mais é do que a resistência, a superação do sentimento de melancolia e tristeza em força, a vontade de potência é posta como a superação da melancolia transformando-a em vitalidade, daí à volta ao trágico grego trazido nas obras de Sófocles no Nascimento da Tragédia, a volta do herói trágico que transforma sua dor em superação do ser e não em mais dor como é no caso do cristianismo.

Por esse motivo é que os ideais ascéticos são considerados a negação das paixões humanas, pois é um negar a si mesmo, essa torna-se uma busca de encontrar um culpado para o sofrimento humano o que para ele teria que ser transformado em vontade de potência, em superação, o ideal ascético oferece um sentido para o sentimento de dor, que não é o próprio homem e transforma isso em culpa, má-consciência, em vez de superação.

Findo esse artigo com uma citação da Genealogia da Moral:

(...) tudo isso significa, ousemos compreendê-lo, uma vontade de nada, uma aversão à vida, uma revolta contra os mais fundamentais pressupostos da vida, mas é e continua sendo uma vontade!...E, para repetir em conclusão o que afirmei no início o homem preferirá ainda o nada a nada querer...




Referências Bibliográficas

NIETZSCHE, Friedrich W. Genealogia da Moral. Uma Polêmica. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo. Companhia das Letras. 1998.

NIETZSCHE, Friedrich W. A Gaia Ciência. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo. Companhia das Letras. 2001.

NIETZSCHE, Friedrich W. O Anticristo. Trad. Heloísa da Graça Burati . São Paulo. Rideel. 2005.

NIETZSCHE, Friedrich W. Humano, demasiado humano. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo. Companhia das Letras. 2005.