Harry Houdini, o grande mágico do início do século passado, especialista em fugas, sempre acorrentado dentro de caixas e mergulhado no fundo de um rio, já dizia que, quando ia apresentar um espetáculo, e mostrava para o público uma caixa comum e correntes comuns e o público aceitava aquelas coisas como uma caixa e correntes comuns, já estava feita a mágica. Tudo o mais que se seguia, não passava de jogo de cena e firulas sem a menor necessidade, senão a de esticar o show.

Eu levo isso, como uma das maiores lições que eu pude aprender em minha vida. Se aceitarmos, lá no início, que aquilo que nos mostram é uma verdade, e se não for, tudo o que construímos e investimos em cima dela, estará assentada em uma mentira.

Isso vale para o nosso emprego, o nosso casamento, as nossas relações familiares, a nossa carreira, os nossos sonhos.

Os governantes, as igrejas, as instituições estabelecidas, em geral, sabem muito bem disso, e, como mágicos, nos mostram só o que lhes é conveniente e, assim mesmo, ninguém se interessa em pedir para tocar na caixa, para ver se é uma caixa mesmo.

Todos esses que oferecem um mundo novo para nós, sempre falam rápido no início, mostram rápido o produto, para depois, pausadamente fazerem as encenações necessárias para o truque de mágica que estão a oferecer.

Muitas vezes as circunstâncias da vida nos coloca no lugar do Houdini, nos deixando acorrentados e trancados em uma caixa e a mesma submersa no fundo do rio. A expectativa é a de que não consigamos nos soltar das correntes, da caixa e da água. Se conseguirmos, até nos aplaudem, mas com um sentimento de frustração de que perderam a chance de ver de perto mais uma derrota dos que tentam, de alguma forma, fazer algo diferente, que tentam mostrar para o mundo que o milagre e a mágica, são possíveis. Esse sentimento de frustração, que fica no ar, é apenas porque alguém tentou ir mais além e mostrou mais coragem e vontade do que a maioria, que se negou a ficar esperando socorro na geleira dos Andes e partiu, a pé, em busca de socorro.

Houdini morreu, com dois socos que romperam seu apêndice, de um desafiante que não esperou ele se preparar, que não sabia que para fazer milagres era preciso uma preparação especial antes de operá-los.

Os mágicos continuam por aí, procurando pessoas que estejam dispostas a verem seus truques e que precisam acreditar em alguma coisa a qualquer custo.

Nós temos dois caminhos: acreditar em suas mágicas, nos deixando ludibriarem com seus truques ou chamar o Mister M.

Eu ainda acho que o melhor é desaparecer.

Sérgio Lisboa.