INTRODUÇÃO  

Para se compreender o porquê das desigualdades existentes nos setores trabalhistas, referentes à categoria gênero, faz-se necessário analisar a historicidade que permeia essa problemática. Isso porque, apesar de algumas conquistas advindas com o movimento feminista, as desigualdades entre homens e mulheres no mundo do trabalho continuam a prevalecer. Essas diferenças, por sua vez, são bem evidentes, por exemplo, na idéia de que existem profissões eminentemente femininas e outras masculinas.

É preciso, portanto, desnaturalizar esse arquétipo. Entendendo que a relação patriarcado e capitalismo determina essa realidade. Dessa feita, as diferenças entre os homens e mulheres não se baseiam na parte biológica, assim como a ideologia 

dominante quer fazer acreditar; mas, pelo contrário, foram construídas social e historicamente.

A enfermagem, então, reflete nitidamente essa desigualdade, quando é considerada uma profissão restrita às mulheres. Assim, pretende-se analisar como a categoria gênero determinou a "feminização" da enfermagem. Para isso, todavia, é imprescindível se reportar para a história da enfermagem, visto que consoante Freire (p. 84, 1985): "[...] o olhar para trás não deve ser uma forma nostálgica de querer voltar, mas um modo de melhor conhecer o que está sendo, para melhor construir o futuro [...]". Dessa forma, tenta-se também elencar quais as conseqüências que a divisão sexual do trabalho traz para o próprio exercício da enfermagem.

Entendendo a divisão sexual do trabalho...

Ao se empreender uma análise da categoria trabalho é preciso tentar compreender os sistemas de domínio exploração que se configuram ao longo do tempo, desde o patriarcado, na Idade Antiga, até os dias atuais com o sistema capitalista. É certo destacar a relação intrínseca entre os dois sistemas.

Nesse ínterim, Saffioti (p. 61, 1993) afirma "na realidade concreta, observa de fato, uma simbiose entre eles". Assim, Saffioti (1993) ainda faz refletir, por exemplo, que se não houvesse uma interdependência entre patriarcado e capitalismo, o homem jamais permitiria que a mulher trabalhasse fora de casa já que deveriam se dedicar tão-somente aos afazeres domésticos e aos cuidados com o esposo e a prole. Por outro lado, se o capitalismo atuasse independente do patriarcado, os índices de desemprego entre homens seriam bem maior justo que as mulheres acabariam aceitando trabalhar em péssimas condições e por salários aviltantes. Sem falar que as mulheres são "treinadas" para a realização de atividades tidas como femininas, seriam mais aptas, portanto, para realizar determinados serviços; logo ganhariam mais espaço no mercado de trabalho.

Entre vantagens e desvantagens, percebe-se que algumas conquistas trabalhistas da mulher lhe ocasionaram sobrecarga de tarefas. Assim, passou-se a observar o desenvolvimento de uma superexploração, da subordinação e da desvalorização do trabalho e das atividades realizadas pelas mulheres. Conforme Cisne (p.127, 2004): "a subordinação da mulher e os 'dons' ou habilidades ditas femininas são apropriadas pelo capital para a exploração da mão-de-obra feminina, pois as atividades e trabalhos desenvolvidos por mulheres, ao serem vistas atributos 'naturais', extensões de habilidades próprias do gênero feminino, são considerados dons e trabalhos [...]".

Logo, como reza a ideologia, qualquer remuneração que recebam é o suficiente, que são atividades intrínsecas à condição de mulher. Então, sob outra perspectiva, surge dupla jornada de trabalho, já que, além de exercerem uma atividade profissional, as mulheres continuam tendo a responsabilidade de realizar todas as atividades domésticas.

Dessa feita, a construção histórico-social de sexo frágil atribuída às mulheres é marcada por argumentos de caráter biológico. Logo, segundo Safiotti (p. 12, 1993) "presume-se que, originariamente, o homem tenha dominado a mulher pela força física". Assim, o organismo feminino seria inferior ao masculino e, por conseguinte, o homem teria logicamente o poder de domínio sobre a mulher. Compreende-se, no entanto, que essa idéia configura-se em um seríssimo estereótipo dado que se percebe que as mulheres conseguem realizar as mesmas atividades exercidas pelos homens e vice-versa.

A "feminização" da enfermagem

Consoante Saffioti (p. 34, 1993):

geralmente, a mulher é associada a valores considerados negativos, tais como emoção, fragilidade, resignação. Tais valores como: a mulher é incapaz de usar a razão; não é capaz de lutar contra ocorrências adversas já que se conforma com tudo; é insegura. Estas características são apresentadas como inerentes à mulher, isto é, como algo que a mulher traz desde o nascimento.

Já, o homem esta atrelado à imagem de provedor, forte viril, o qual sempre subordina a emoção à razão.

Ao se debruçar sobre a história da enfermagem, percebe-se a idéia nitidamente. Assim, as atividades da enfermagem eram

Entendidas como afeitas ao sexo feminino, pois historicamente a mulher tem sido vista como possuidora de condições naturais para zelar, promover e ajudar o indivíduo a desenvolver harmoniosamente. Tais "condições naturais" na maioria das vezes, eram identificadas com a sua constituição física e biológica, condicionando seu caráter e sua personalidade, fazendo-a mais meiga, dócil, dedicada e disposta a acalentar as crianças. (PASSOS,1996, p. 20)

Na Idade Média, os cuidados aos enfermos ficavam a cargo de religiosas, as quais podem ser consideradas as primeiras enfermeiras.

  Em decorrência do forte relação da enfermagem com os princípios religiosos, a ocupação das enfermeiras sempre foi comparada ao papel desempenhado por essas entidades celestiais. Assim como aos anjos, delega-se à enfermeira o papel de zelar, de guardar e de proteger. Para isso ele deve estar sempre pronta para servir, embalada por um idealismo solidário, fraterno e devotado (PASSOS, 1996, p. 136 apud LIMA E BOSCO FILHO, 2005, p. 34).

Com o processo de medicalização e reforma religiosa no século XIV, as religiosas foram expulsas das Santas Casas de Misericórdia. Logo, recrutaram-se mulheres tidas como "reputação duvidosa", leia-se, bêbadas, prostitutas, mendigas, para prestar assistência aos doentes.

Já na Idade Moderna, no século XIX, Florence Nigthingale, uma aristocrata britânica, institucionaliza a enfermagem, estabelecendo uma série princípios ético-morais que deveriam nortear as práticas da enfermagem. Mas é válido salientar que por trás desses parâmetros existia uma tentativa de subalternização das enfermeiras. Não é a toa que, segundo Lima (2005), Nigthingale redige uma carta, enquanto reposta aos médicos, afirmando que não se preocupasse, pois as enfermeiras não queriam ser médicas mulheres. Sobremais, estavam cônscias das suas funções.

Só na enfermagem religiosa, as enfermeiras estavam sujeitas aos determinismos divinos, que a colocara como um ser apropriado a doar, a servir, a devotar-se, na enfermagem moderna, ela está sujeita aos homens e aos superiores hierárquicos (PASSOS, 1996, p. 55 apud LIMA E BOSCO FILHO, 2005, p. 32).

Pode-se perceber, portanto, que em nenhum instante, faz-se menção aos enfermeiros. Pelo contrário, observa-se uma enorme lacuna no que tange à inserção dos homens na enfermagem. Ainda que hoje exista um número considerável de enfermeiros, pouco e discute essa realidade.

CONCLUSÃO

Pode-se, a priori, tecer a consideração de que a conjuntura atual em que a mulher se aloca, enquanto membro social, é condicionada pelo sistema patriarcado-capitalismo. Faz-se, assim, necessário desnaturalizar essa ideologia que foi passada ao longo do tempo, procurando demonstra que essa idéia de superioridade e inferioridade foi determinada social e historicamente. Dessa feita, é passível de um processo de desconstrução e transformações.

Nesse sentido, é preciso (re)pensar o conceito de que a mulher é o "sexo frágil", caracterizada pela sensibilidade, dependência, submissão. O homem, por sua vez seria racional, forte, invencível. Entendendo, pois, consoante Beauvoir apud Saffioti (1993, p. 10): "ninguém nasce mulher; torna-se mulher", então não há características exclusivamente masculinas ou femininas, porém apenas atribuições que a sociedade naturaliza e espera que sejam seguidas.

Essa discussão torna-se extremamente pertinente para a enfermagem, posto que ainda se perpetua como uma atividade tão-somente feminina. Para Carvalho e Figueiredo (1999, p. 77) apud Macedo e Bosco Filho (2005, p. 77) "as enfermeiras continuam oprimidas pela condição de ser mulher e pela profissão que exercem". Desse modo, além de ter a desvalorização dessa profissão por ser enquadrada como uma simples extensão das atividades femininas realizadas dentro de casa, os homens que decidem adentrar nesse mundo são erroneamente rotulados de "afeminados". Tanto que é comum se ouvir popularmente comentários colocando em xeque a opção sexual dessas pessoas. Nesse ínterim é conhecidíssima a máxima: "homens na enfermagem: ou foram, ou são ou estão para ser".

Essa situação acaba minimizando a própria profissão, prejudicando o seu exercício e o seu respaldo ante a sociedade, principalmente no momento atual em que a enfermagem tenta firma-se enquanto prática social que

Desenvolve-se a partir de saberes e práticas próprios cuja finalidade é, pelo menos no nível discursivo, transformar o processo saúde doença da coletividade, através do processo de trabalho que podem ser assistencial, administrativo ou de gerenciamento, ensino e investigação. (FONSECA, 1996, 98 APUD MACÊDO E BOSCO FILHO, 2005, p. 52)

Além disso, o mais importante: as concepções e os preconceitos perpetuados acerca da enfermagem negam a essência humana de cada pessoa. Isto ocorre a partir do instante que é considerada como um trabalho apenas para mulheres. Assim, as mulheres são tolhidas a determinadas características e se rechaça aos homens o direito de escolher que carreira seguir ou até mesmo certas atitudes na sua prática profissional como se deixassem de ser masculinos ao fazê-las ou, mágica e misteriosamente, modificassem, por determinadas ações, sua opção sexual.

Destarte, elenca-se a necessidade de que se comece a discutir amplamente as relações de gênero e, por conseguinte, a divisão social do trabalho para que se entenda melhormente a enfermagem. E, dessa forma, se possa tentar desconstruir vários estereótipos, de sorte que se consiga vivenciar uma enfermagem de forma mais consciente ao mesmo tempo em que não se negue o fato de que se os enfermeiros e as enfermeiras são seres humanos; logo, são seres dotados de sensibilidade, independentemente do sexo.

R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Branca Moreira;PITANGUY, Jaqueline. O que é feminismo. 8ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1991.

CISNE, Mirla. Serviço Social: uma profissão de mulheres para mulheres? Uma análise crítica da categoria gênero na histórica "feminização" da profissão. Recife: Dissertação de mestrado/UFPE, 2004.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido.8ª edição. Rio de Janeiro: paz e terra, 1985.

PASSOS, Elizabete Silva.De anjos a mulheres.Ideologias e valores na formação de enfermeiras. Salvador: Empresa Gráfica da Bahia/EDUFBa, 1996.

SAFFIOTI, Heleieth, IB. O poder do macho. São Paulo: Moderna, 1987.

MACÊDO, Ádilla Palhilma Bernardo de; BOSCO FILHO, João. Lá vem a enfermeira. Mossoró/RN: UERN, 2005.

LIMA, Mônica de Souza; BOSCO FILHO, João. De demônios a anjos: discutindo o processo de construção e vivência da sexualidade das enfermeiras. Mossoró/RN: UERN, 2005.