PALAVRAS-CHAVE:

CARANGUEJOS.GUABIRUS.EXCLUÍDOS.MODERNIDADE.FOME.

APRESENTAÇÃO:

Uma significativa particularidade que o fazer-histórico proporciona aos historiadores é a possibilidade de tomar o seu objeto de estudo através da diacronia, ou seja, a confrontação entre os modos de agir, pensar e sentir de um tempo remoto, sobre o qual nos dedicamos, e a mentalidade atual.

Tal tentativa de alcançar uma compreensão ou interpretação do presente através do passado, tomadas as devidas proporções de tempo e espaço, nos remete à Escola das Annales, cujos representantes visavam estabelecer a "correlação passado e presente na construção de uma história que [tivesse] por campo de estudo não somente o passado, mas também a sociedade contemporânea" (DOSSE, 1992, p. 67).

Nessa mesma vereda, é mais do que válido lembrar a máxima do mestre da historiografia brasileira: "a História é a ciência da mudança […] o conhecimento do eterno presente" (RODRIGUES, 1978), acompanhado de perto por Gilberto Freyre (2001) e sua idéia de tempo – que, segundo ele mesmo, era inovadora –, denominada tempo tríbio, no qual "o tempo nunca é só passado, nem só presente nem só futuro, mas os três simultaneamente", compondo, desse modo, um emaranhado de momentos.

Desse modo, temos a prerrogativa de nos aproximarmos de nossa realidade, das aflições, carências e temores que enfrentam muitos, e, de alguma forma, contribuir para uma melhoria de vida de determinada população como um todo, ainda que o referido subsídio esteja limitado à denúncia de práticas e situações em que haja qualquer espécie de confronto com a normalidade e a justiça social.

A partir de tal premissa, podemos afirmar que mediante essa História – totalmente parcial e comprometida com a análise do indivíduo dentro de sua sociedade, ainda que este se encontre à margem dela – cuja linha de pesquisa se aplica a um campo estritamente antropológico no qual nós, os historiadores, desfrutamos da prerrogativa de combater o bom combate. Até porque, por mais distantes que estejamos da História ela sempre fará parte de nós.

Por sinal, a referida filosofia de ação é perfeitamente corroborada pelos ideais de Josué de Castro (1957), quando este defende a inexistência de uma literatura neutra, e, por extensão, de uma pesquisa imparcial, imune de paixões, conforme postulam certas correntes sociológicas.

Por isso mesmo resolvemos nos dedicar neste trabalho à apresentação das contradições da modernidade – e sua obsessão consumista pelo novo e efêmero, que acaba por marginalizar, além das muitas tradições, grande parte da população recifense que não tem acesso a tais supérfluos, e, portanto, viu-se totalmente excluída da chamada Belle Époque e dos anos subseqüentes até o término da Segunda Guerra Mundial –, bem como as origens das fomes em nossa capital e suas respectivas formas de resistência. Destas a face mais feia, ou a mais incômoda às elites, e ao mesmo tempo real, é a formação dos híbridos, a priori, de homens com caranguejos, e, em seguida, de homens com guabirus. Eram homens anfíbios numa cidade anfíbia.

São estes homens fortes, que, a despeito de toda a adversidade encontrada em suas (sobre)vidas, sempre se lançaram à busca de alternativas de solução, encontrando-as, muitas vezes, no meio onde viviam, isto é, literalmente à margem: da sociedade, dos olhos das autoridades, do rio, ou dentro dele.

CONTRADIÇÕES DA MODERNIDADE:

Contradição? Paradoxo? Em pleno século XXI aplaudimos, de pé, a iniciativa tão notável quanto ingênua de um país que colocou como prioridade a busca incessante pela total extinção da maior das mazelas humanas, a mais lancinante das torturas, que assola indiscriminadamente homens e mulheres, idosos e crianças: a fome.

Fugindo do julgamento, bem como do indissociável debate quanto ao populismo presente em tal atitude, visto que não nos propomos, neste trabalho, a tecer quaisquer posicionamentos políticos favoráveis ou execráveis a este governo e seus respectivos intentos filantrópicos, deve-se reconhecer nos princípios do plano certa nobreza. Entretanto, ao mesmo tempo, podemos identificar certa puerilidade no pensamento de quem acredita no extermínio da fome sem cogitar uma ação profunda no sentido de melhor equilibrar a distribuição de renda neste país, já que:

Os países do Terceiro Mundo são subdesenvolvidos, não por razões naturais – pela força das coisas – mas por razões históricas – pela força das circunstâncias. Circunstâncias históricas desfavoráveis, principalmente o colonialismo político e econômico que manteve estas regiões à margem do processo da economia mundial em rápida evolução. O problema do subdesenvolvimento não é exclusivo dos países periféricos: é antes um problema universal, que só pode ter soluções igualmente em escala universal (CASTRO, 1968).

Devemos acrescentar, acima de tudo, que a supracitada contradição, que resistiu ao tempo, tornando-se, quarenta anos depois, mais do que atual, reside no estranhamento causado diante da necessidade de intervenção do Estado em tão elementar problema social cujo saneamento já deveria ter sido encontrado, uma vez que o avanço tecnológico do qual desfruta a humanidade é impressionante.

Para tanto, basta contrapor toda a comodidade proporcionada pelas – já nem tão fantásticas – invenções, como automóvel, celular, computador e tantas outras das quais dispomos nos dias atuais com a lembrança de que, nas primeiras décadas do século passado, desfilavam pelas estreitas artérias da "Veneza Brasileira" não velozes automóveis, mas carroças, carruagens e bondes puxados por burros.

Nessa mesma época, as primeiras décadas do século XX, segundo Antônio Paulo Rezende (2005), as palavras-chave dos administradores da coisa pública eram "urbanizar, civilizar, modernizar". As questões sanitárias ainda lhes causavam grandes preocupações. O lixo, aliás, parece guardar uma relação direta, sobretudo, com a inutilidade e com a falta de saúde; por isso, à medida que os conceitos de modernidade penetram nas cidades, estas buscam cada vez mais a urbanização e a higienização, que passa a ser uma meta das autoridades públicas. Reformas urbanas, portanto, urgiam para os homens novos da elite ou do governo, que não pretendiam para sua sociedade quaisquer modos ou modas que evocassem o falecido e enterrado império, cujos valores alguns, em plena república, ainda tomavam para si, repletos de saudades da vida monárquica.

No fim dos anos 1910 o Recife passaria por uma significativa mudança política, com a Campanha Salvacionista que depusera o Conselheiro Rosa e Silva, velho caudilho local – que tinha um quase que inquestionável poder de elevar e destituir governadores a vontade no Estado de Pernambuco –, e alçara ao poder o General Dantas Barreto. A essa mudança política, para muitos deveria corresponder uma mudança social, por isso "A classe média, liderada pela juventude intelectual e pela imprensa, passou a demandar, a erigir um 'grande batalhão na luta pela modernização dos hábitos, dos valores e da própria fisionomia da cidade do Recife" (ARRAIS, 1998, p.29).

Dentro de tais concepções modernistas não havia espaço para o Recife Velho, das estreitas e tortuosas ruas, dos arcos, símbolos da fé católica e da beleza arquitetônica de outrora que margeavam a ponte mais antiga do Brasil. Do mesmo modo não havia também espaço para os mocambos; preferiam, antes, os bulevares, os arranha-céus, os cafés e restaurantes, além de teatros e luxuosos cinemas. Erguer-se-ia uma nova urbe, totalmente inspirada no melhor estilo europeu. Na busca pelos melhores valores franceses, projetistas, arquitetos e engenheiros, amparados pelas autoridades competentes, lançavam-se na sanha de ver todas as velhas construções, ou ao menos o maior número possível destas, postas abaixo.

Já que estamos falando sobre as tensões que cercam a busca da substituição de estruturas arcaicas, e, talvez por isso, indesejadas por outras mais modernas, o que denota essa já mencionada busca pelo novo, acreditamos se fazer necessário evocar a seguinte máxima, um tanto conservadora, é verdade, de René Jules Dubos: "O que é novo não é necessariamente bom e todas as mudanças, mesmo aquelas aparentemente mais desejáveis, advêm sempre com imprevisíveis conseqüências" (FREYRE, 2001, p. 32).

Uma ponderação que se deve fazer é o nosso entendimento no sentido de que a transmigração de valores não se faz sob a forma de rupturas, mas sim de continuidades, de transições que são, via de regra, marcadas por uma dicotomia que permite a sobrevivência mútua de idéias e valores muitas vezes contrários. Em uma palavra, nas primeiras décadas desse conturbado século XX, o Recife Novo agregava tanto as pretensões modernizantes quanto as tradições das festividades e celebrações; tanto nas minguadas artérias como nas amplas avenidas, por muito tempo, e até hoje, evoluem andores e estandartes, procissões e troças carnavalescas.

Outro aspecto que forçamos-nos a indicar é que, ao contrário do que alguns possam imaginar, o tempo de transição de visões de mundo não é tão curto, posto que desejos pela modernidade se faziam presentes desde fins do século XIX, não sendo, portanto, tais pretensões obra do maquiavélico era do automóvel. Nesse sentido, o trecho que segue – no qual aparece o medo e a tensão do indivíduo, advindo da dúvida em optar pelo novo ou pelas tradições e religiosidade – parece elucidador:

Em 1850, por exigência do tráfego, o Arco do Bom Jesus foi abaixo; suas imagens seguiram numa procissão solene – o que alegrou a população – para a Igreja Madre de Deus; mais satisfeitos ainda ficaram os urbanistas da época. Entretanto, dias depois, no mesmo lugar onde existira o arco, arrebentou um cano d´água no subsolo. Falou-se em fonte milagrosa, castigo do céu, e houve quem fosse molhar a testa e rezar por ter assistido à festança do bota-abaixo (SETTE, 1978, p. 31).

Comentário da mesma forma pertinente é o de Antônio Paulo Rezende, acerca de Francisco do Rego Barros (1835-1842) e sua administração totalmente inclinada às influências estrangeiras:

[que] tomaram conta da cidade. Influenciado pelos estudos que fez na França, Rego Barros trouxera, inclusive, técnicos e trabalhadores franceses, para iniciar uma série de mudanças da maneira de organizar a cidade. Não havia no Recife luz pública, nem água encanada nem tampouco saneamento. (REZENDE, 1997, p. 28)

Comum, à época das demolições dos bairros do Recife e Santo Antônio – entenda-se nas décadas de 1910 e 1920, quando se priorizavam as reformas do porto, o saneamento e a reforma urbana – eram crianças, adolescentes e mesmo os homens, já maduros, que, a despeito de qualquer saudosismo, faziam questão de se deixar fotografar em meio a amontoados de escombros, que pouco tempo antes compunham um emaranhado de pequenas e tortuosas ruas, ornadas por magros, comprimidos e um tanto insalubres sobrados. O cenário de destruição do passado, e com ele a memória daquele povo, mais assemelhava-se ao de uma guerra; guerra esta desejada por uma população ávida em macaquear as sociedades ditas mais evoluídas.

E nesse sentido, é bem verdade que o Recife não se debruçou nessa busca insensível pelo novo de modo isolado, posto que a influência das recentes reformas urbanísticas nas grandes cidades como o Rio de Janeiro, onde, em inícios do século XX, Pereira Passos, Oswaldo Cruz e companhia teriam sacudido a velha capital nas questões de sanitarismo, o que teria inclusive provocado a chamada Revolta da Vacina, já conhecida por nós. Aliás, em relação a essas concepções:

A idéia era fechar os olhos a tudo quanto representasse o tradicional, pois a tradição era passado e os horizontes estavam todos voltados para o futuro, embora muito do que o desejado progresso prometia oferecer ainda não pudesse ser visualizado. Era o predomínio do letrado sobre o iletrado, do moderno sobre o retrógrado (ALMEIDA, 2000, p.37).

Evidentemente o referido lema de modernização estava restrito a uma determinada área da urbe bem como a uma determinada parcela da população em detrimento da maioria, excluída das mais que necessárias ações de seus representantes políticos.

A estes, muito os agradava divulgar aos quatro cantos da magnífica rede de esgotos ou ainda das construções as quais obedeciam às condições de higiene (REZENDE, 2005), no entanto se esquivavam de prestar as devidas atenções à enorme massa de marginalizados trabalhadores sem trabalho, habitantes do sem-número de mocambos espalhados por nossa cidade, famintos de tudo e sem nada. Por sinal, esse esquecimento, tanto da iniciativa pública quanto da própria sociedade recifense, se dá desde há muito; o seguinte trecho, relativo a fins do século XIX, corrobora-nos:

[…] enquanto as senzalas diminuíam de tamanho, engrossavam as aldeias de mucambos e de palhoças, perto dos sobrados e das chácaras. […] Também no interior, as senzalas foram diminuindo; e engrossando a população das palhoças, das cafuas ou dos mucambos: trabalhadores livres quase sem remédio, sem assistência e sem amparo das casas-grandes (FREYRE, 1981, p. 153).

Graças às terríveis condições de vida por que passavam tais excluídos, para os quais não era destinada sequer um ensaio de conscientização em relação aos procederes para resguardar a saúde, ainda no século XIX, espalharam-se

[…] além da sífilis, a disenteria e a gripe, em conseqüência, sem dúvida, da água poluída e das condições anti-higiênicas de habitação e da vida [nos mucambos], nos sobrados burgueses e nos sobrados-cortiços do Recife (FREYRE, 1981, p. 158).

É bem verdade que outras doenças como varíola, febre amarela e tuberculose, que vitimavam inúmeras pessoas, segundo lembra Rezende (1997), receberam um tratamento especial do governador Sérgio Loreto (1922 – 1926), o qual estruturou o Departamento de Saúde e Assistência de Pernambuco, sob a direção de Amaury de Medeiros.

Contudo o poder público, via de regra, parecia voltar-se para os pequenos, concedendo-lhes determinadas prerrogativas essenciais, que eram divulgadas por aqueles como um solene ato de filantropia, caridade mesmo. Veremos mais adiante as medidas tomadas pela sociedade no sentido de extinguir todos ou a maioria dos mocambos da dita Capital do Nordeste, que já foi também chamada de cidade anfíbia. Quanto à mencionada ação lenitiva por parte das autoridades, sobretudo

[…] à época do Estado Novo, na interventoria de Agamenon Magalhães e […] do prefeito Antonio Novais Filho [que aplicaram um esforço, em conjunto com] as elites e a Igreja em promover uma política assistencial em larga escala dirigida aos pobres do Recife [através] de um programa dirigido à reeducação e ao controle do trabalhador (ARRAIS, 2004, p.46).

Enquanto isso, "a questão social era um caso de polícia", como teria definido anteriormente Washington Luís (1926 – 1930), presidente com quem ainda comungariam alguns dos governantes de nosso estado.

Desse modo, inebriados pelo projeto da modernidade, cujo dilema reside na "possibilidade, ou não, de ser seduzido por um tempo insaciável que não cessa de buscar o novo, despreza o passado, possuído pelo impulso de esquecê-lo" (REZENDE, 1997, p.22), os governantes, apesar das medidas, populistas mas ainda assim tímidas, parecem, de fato, quererem olvidar tanto o tempo pretérito – com sua história e tradição, tão caras à formação da identidade e da memória de um povo ou sociedade – quanto o povo necessitado de suas atenções no quesito assistência social.

A(S) FOME(S) E OS HOMENS-CARANGUEJO – UMA QUESTÃO APENAS SOCIAL?

Ao nos debruçarmos sobre um tema tão delicado e polêmico, que é a fome em nossa capital, bem como acerca das maneiras de resistência empregadas pelos acometidos por este mal, muito pertinente é lembrar que tal adversidade não consiste apenas na total ausência de alimento, mas também na precária dieta proveniente dos parcos recursos financeiros de que dispõem uma considerável parcela da população do Recife. Nesse sentido, o próprio Josué de Castro (1957, p. 86) salienta que "Realmente é esta alimentação insuficiente, carencial e desarmônica, usada pelas classes operárias, na área urbana, a causa principal do seu elevado índice de mortalidade".

Isto posto, estamos falando de dois tipos de fome: a forma mais brutal, que leva, diariamente, milhares de pessoas a óbito em todo o mundo, e a mais comum, que se manifesta paulatinamente, alterando tanto sua compleição física e seu espírito quanto sua estrutura mental, e, por conseguinte, sua conduta social(CASTRO, 2005), já que, em alguns casos, sem dúvida essa ausência de alimento, ou mesmo o desespero por tamanho grau de decadência, pode levar o indivíduo a cometer atos delituosos na busca, infrutífera, de paliar a fome.

A carência pecuniária, que gera a insuficiência alimentar, enfrentada por considerável quantidade de famílias recifenses das primeiras décadas do século passado, evidentemente, não é um fato isolado; antes, devemos buscar, de modo conciso, suas causas no processo de ocupação e exploração econômica de nosso território e não, como muito já fez, em causas climáticas ou geográficas. Isso porque acreditamos se tratar de ignorância ou ironia atribuir a terrível chaga proporcionada pela fome a fenômenos como a seca.

É por isso que evocamos Caio Prado Júnior (1998) para nos lembrar que logo após tomada a posse oficialmente do Brasil,em virtude do prestígio comercial do Oriente, a idéia de povoar nosso território sequer é cogitada, ficando, a priori, limitados os contatos entre portugueses e indígenas à extração de madeiras empregadas na construção ou tinturaria, como o pau-brasil.

A posteriori, diante da ameaça da pirataria franco-britânica e da decadência do comércio no Oriente, surge a iniciativa de fixação populacional na América portuguesa a luz da concessão de grande lotes de terras a poucos funcionários ou amigos reais; era o início oficial da concentração de riqueza em nosso ainda incipiente país. Logo em seguida, opta-se, em detrimento das atividades extrativas da madeira tintorial e do vil metal, pela ação agro-exportadora – baseada no latifúndio, na monocultura e na escravidão.

Ainda conforme o autor de História Econômica do Brasil:

[…] a colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, mais complexa do que a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio europeu. […] É com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem o interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade e a economia brasileiras. […] Este início, cujo caráter manter-se-á dominante através dos séculos da formação brasileira, gravar-se-á profunda e totalmente nas feições e na vida do país. Particularmente na sua estrutura econômica. E prolongar-se-á até nossos dias […] (PRADO JÚNIOR, 1998, pp. 22-23).

Outra passagem que aborda, com a mesma competência, o fenômeno da fome, oriundo das deficiências econômicas – infelizmente endêmicas – em nosso território parece ainda mais esclarecedora:

[…] o fenômeno é de natureza estrutural, a começar pela má distribuição da propriedade agrária, devido ao regime latifundiário altamente defeituoso, associada a certo descaso pela região, acrescida da má aplicação das inversões destinadas ao Nordeste (CASTRO, 1957, p. 104).

A Lei 601 de 18 de setembro de 1850, a chamada Lei das Terras, pensada no intuito de limitar o tamanho das propriedades agrárias e de atrair imigrantes europeus interessados em adquirir os espaços que seriam, em tese, desapropriados, acabou por limitar o acesso daqueles à terra, posto que, a despeito das regras estipuladas, as terras da União permaneceram ocupadas irregularmente.

Desse modo, vê-se que desde a segunda metade do século XIX a grande concentração de terras impera, imune às leis e às poucas tentativas políticas de aplicação institucional de reforma agrária. O latifúndio, por sinal, irmanado a sua crescente mecanização e associado à aridez de clima e solo sertanejo expulsam um sem-número de famílias de seu ambiente natural, obrigando-as a migrar para outras áreas menos inóspitas do território, que, aparentemente, trar-lhes-ia mais esperanças de (sobre)vida.

Assim, estes indivíduos, fustigados tanto pelo meio quanto pelo próprio homem, comporiam, paulatinamente o que Gilberto Freyre chamaria de cidade inchada; e tal inchaço dava-se em virtude de o Recife, pólo de atração que era em relação ao interior bem como a todo o Nordeste, comportar duas espécies de habitantes: aqueles que estavam integrados em conformidade com a ordem e o progresso da urbe, e os infelizes, que, destoando dos planos de uma capital perfeita e sem mazelas sociais,

Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. E o sertão continuaria a mandar gente para lá. O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, Sinhá Vitória e os dois meninos. (RAMOS, 1976, p. 134).

Entretanto Josué de Castro (1957) faz necessário, assim como já procedemos anteriormente, lembrarmos que não se deve explorar tal questão, imputando à seca a culpa de todas as adversidades, quando, indubitavelmente, há outros réus tão ou mais criminosos que ela. Estes fustigam o homem, fazendo-os ingressar nas grandes cidades, e, sem meios para viver dignamente, mergulhar nas periferias de um Recife onde:

[…] tudo está ostensivamente jogado numa espécie de desarranjo cósmico: os mangues invadindo as terras, as águas dos rios entrando pelos quintais das casas, as línguas de terra penetrando mar adentro, os mocambos se infiltrando por dentro dos mangues e da lama dos rios, numa desordem assustadora (CASTRO, 1957, p. 156).

Tais desvalidos compunham – e ainda compõem, hoje em menor escala, é verdade –, segundo Zélia Gominho (1998), a denominada "Mucambópolis", uma cidade anfíbia, aquática, que margeava o Tejipió, o Jiquiá, o Beberibe e, sobretudo, o Capibaribe, em cujos mangues comportam "o paraíso do caranguejo" (CASTRO, 1957, p. 27). Caranguejo este, que, desde tempos bastante remotos, já está inserido na dieta do homem, o que podemos observar através do subseqüente fragmento:

[…] Nas partes baixas, próximas à foz dos rios, onde as marés inundavam no preá-mar, dominava a vegetação típica de mangues, características das regiões onde há alternância de água doce e salgada, e na lama existente sob estas formações vegetais, eram encontrados caranguejos, aratús, siris e outros crustáceos que logo os portugueses aprenderam, com os índios, a saborear (ANDRADE, 2003, p. 33).

Em sua obra germinal, genial e ao mesmo tempo polêmica, Gilberto Freyre (2006) confere um valor fora do comum à mulher índia com a qual o conquistador lusitano travou não apenas o contato sexual – causador do princípio da miscibilidade do povo brasileiro, tão enfatizada pelo supracitado sociólogo –, mas também teria a gentia legado ao português o uso de drogas e remédios, utensílios de cozinha e os tão valorosos processos de higiene tropical. Nesse último aspecto, Freyre ressalta o valor do banho "[…] freqüente ou pelo menos diário, que tanto deve ter escandalizado o europeu porcalhão do século XVI […] [sendo] o brasileiro de hoje, amante do banho […] (FREYRE, 2006, p.163).

Ainda com relação ao aprendizado com o elemento indígena, no século XVI, tanto no consumo quanto no ato de capturar suas presas, antes por questão de variação de cardápio, tornou-se conhecimento sine qua non para a ingestão de alimento, e, por conseguinte, para a sobrevivência dos adventícios do Velho Mundo. É nesse sentido que mais uma vez surge o rio Capibaribe, cujos mangues forneciam subsídios à continuidade da vida de uma grande parcela de famintos, denominados homens-caranguejo. Por sinal é nesses mangues onde:

Tudo aí, é, foi ou está para ser caranguejo, inclusive a lama e o homem que vive nela. A lama misturada com urina, excremento e outros resíduos que a maré traz, quando ainda não é caranguejo, vai ser. O caranguejo nasce nela, vive dela. Cresce comendo lama, engordando com as porcarias dela, fazendo com a lama a carninha branca de suas patas e a geléia esverdeada de suas vísceras pegajosas. Por outro lado, o povo daí vive de pegar caranguejo, chupar-lhe as patas, comer e lamber os seus cascos […] E com sua carne feita de lama fazer a carne de seu corpo e a carne do corpo de seus filhos. São cem mil indivíduos, cem mil cidadãos feitos de carne de caranguejo. O que o organismo rejeita, volta como detrito, para a lama do mangue, para virar caranguejo outra vez (CASTRO, 1957, p. 27).

Diante do que vimos debatendo até então, e embasados nas leituras dos autores supramencionados, estamos fortemente inclinados a acreditar que o lamentável fenômeno da fome, assim como o advento dos homens-caranguejo, não se trataria apenas de uma questão social, mas também passaria pelos aspectos econômicos, isto é, por séculos de ereção e consolidação de um sistema forjado de modo excludente e baseado na garantia da propriedade privada, da família, dos bons costumes e do bom e velho status quo.

O próprio Josué de Castro, inúmeras vezes, teria denunciado a fome como obra pura e simples do domínio e da exploração do homem pelo próprio homem; de um pequeno grupo que mantém seus luxos e ostentação a expensas de uma maioria, vilipendiada de seus direitos básicos. Mas o Recife nos apresentaria um outro tipo de indivíduo híbrido além do homem-caranguejo, esta nova sub-espécie seria forjada a partir das ações paliativas dos governos populistas dos anos de 1930 e 1940; nasciam os muito vistos e pouco conhecidos homens-guabiru, sobre o qual discorreremos a seguir.

OS HOMENS-GUABIRU X O ADMIRÁVEL RECIFE NOVO

Com a semi-extinção dos mocambos, nascia uma nova cidade, dotada de um espaço público organizado, asseado, com seu passeio e construções todas em conformidade com a última moda em urbanismo e arquitetura parisienses. Formava-se também, em contrapartida, o que chamamos de Admirável Recife Novo, que, assim como a obra futurista de Aldous Huxley (2003), comportava duas sociedades, dois mundos segregados, cujos elementos de cada realidade quase que se ignoravam, desconheciam-se.

E tal aproximação é possível quando entendemos a paulatina exclusão sofrida pelas famílias-caranguejo em sua marcha compulsória, da margem dos rios para regiões remotas da cidade, longe dos cartões-postais, longe dos olhares da sociedade, das autoridades e dos turistas. A estes últimos, durante longos anos, interessou-lhes apenas conhecer a bela, asseada e visivelmente perfeita Veneza Americana. É nessa cidade da primeira metade do século XX, que impera a crença de que:

O mundo agora é estável. As pessoas são felizes, têm o que desejam e nunca desejam o que não podem ter. Sentem-se bem, estão em segurança; nunca adoecem […] e se por acaso, alguma coisa andar mal, há o soma (HUXLEY, 2003, p. 267).

O soma do recifense – droga que permite aos seus usuários aceitarem todas as imputações e se sentirem felizes e estimulados a reproduzir o sistema – podia se traduzir na "força da propaganda e do consumo [e nas] novidades produzidas pelas indústrias [que] mexeram profundamente com o cotidiano das pessoas" (REZENDE, 1997, p.57). Mais que isso; para as elites, alienadas na onda de consumismo, os maiores alucinógenos eram as afirmações tanto da imprensa oficial – a quem, muitas vezes, creditava-se toda a verdade – como dos políticos, ditos benfazejos em suas administrações, de que a "capital do Nordeste" caminhava para progressos só desfrutados em urbes de primeiro mundo.

Confortava-lhes saber que o Recife estava inundado de civilização, que os bondes de burros já não eram mais vistos a atrapalhar o novo ritmo de vida do recifense; em seu lugar, automóveis e ônibus principiavam uma nova dinâmica de deslocamentos ao longo da cidade, que crescia, expandia-se, parecendo, cada vez mais, querer carregar para os pontos mais distantes do centro aquelas personas non gratas à cidade onírica.

É assim que se configura diante de nossos olhos – já insensíveis, calejados, de tanto observar os infortúnios humanos – o advento dos homens-guabirus. Este híbrido de humano e roedor originou-se da quase que completa extinção do mocambo pelas autoridades públicas, as quais simplesmente transferiam o problema de uma área e depositavam-no em outra, transformando o Recife na "cidade dos sonhos, onde seus contrastes tornavam-se invisíveis e vendia-se a cidade como uma mercadoria, […] escondendo os mocambos e o árduo cotidiano da maior parte de sua população" (REZENDE, 2005, p. 111).

Em 1939, formou-se a Liga Social Contra o Mocambo, que atuava no sentido de extinguir os mocambos, cujos habitantes eram retirados de tais habitações, onde (sobre)viviam do mangue, e alocados nas periferias da cidade, longe de seus ofícios e, em alguns casos, próximo a lixões. Não nos inclinaremos neste trabalho a questionar a natureza das intenções daqueles que compuseram a já citada Liga.

O fato é que em muitas das localidades para onde foram destinadas tais famílias eram completamente insalubres, a ponto de humanos, desprovidos de emprego, educação de qualidade, civilidade, dignidade, disputarem com urubus, cachorros vira-latas e guabirus a duvidosa honra de levar para casa resquícios do que outrora foi comida, do que, assim como eles mesmos, fora rejeitado pela sociedade.

Assim, sem muito pudor nem nobreza de gestos ou de causas; criou-se o homem-guabiru, perfeitamente ilustrado no seguinte poema:

O BICHO

Vi ontem um bicho

Na imundície do pátio

Catando comida entre os detritos

Quando achava alguma coisa

Não examinava nem cheirava:

Engolia com voracidade

O bicho não era um cão,

Não era um gato,

Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

(BANDEIRA, 1966).


CONSIDERAÇÕES FINAIS:

A esta altura, parece-nos justo que façamos algumas pontuações e ressalvas importantes acerca de nosso entendimento em relação à marcha da modernidade no Recife e suas relações com os elementos marginalizados desta sociedade. A primeira delas é que não nos parece correto associar os desejos de ordem e progresso emanados por uma parcela da cidade ao aumento de suas mazelas sociais, de modo que os homens-caranguejo e guabirus antes de representarem conseqüências de fracassadas ou inexistentes ações sociais, significam profundas questões econômicas. Estas se arrastam há séculos sem que soluções viáveis e eficazes sejam ao menos apresentadas.

Outro ponto a ser elencado em nossas considerações finais é em relação à classificação de determinados grupos sociais, que, desprovidos de recursos, são classificados dentro de esferas inferiores, e, portanto, alocados em espaços físicos marginais às ações governamentais. Estes seriam o incômodo, a sujeira, que, ainda hoje, é, literalmente, ocultada por baixo do tapete. Por sinal, em nossa cidade os tapetes atendem pelos nomes de favelas, periferias, morros.

Diante disso, nos inclinamos a acreditar que a determinação espaço físico de cada indivíduo, bem como o seu reconhecimento oficial, parecem ser predeterminados pelos métodos de coerção social, competentemente aplicados pelos poderes públicos, no sentido de não-observância das prerrogativas inerentes ao cidadão. Assim, são demarcados tais espaços de acordo com uma mítica que classifica o indivíduo pobre como sendo socialmente inferior.

Por fim, nesse trabalho de natureza e focos de abordagem tão amplos como as ações da modernidade e suas práticas de transformação do espaço público, bem como as formas de exclusão e exploração social – cuja principal e mais aterradora face é a fome – e suas modalidades de reação, gostaríamos de tornar a evocar justamente estas últimas. Reações não-violentas, reações em que muitos homens, tornados em verdadeiras sub-espécies sociais, tentam resgatar o contato com a natureza ainda que ambos tenha sido violentados em todos os sentidos pela sociedade do Admirável Recife Novo.

Os homens-caranguejo de Josué de Castro – que lutam bravamente contra a fome – são também os de Chico Science, presentes em seu álbum Da Lama ao Caos. Com letras irreverentes e jogos de palavras, o mangue-boy líder da banda Nação Zumbi conseguiu resgatar e popularizar, já nos anos 1990, muitas das idéias do supracitado médico-geógrafo. Idéias de conscientização, e, quiçá, de mudança através ou a partir de tal aquisição de consciência sócio-política. Um destes pensamentos que parece esclarecedor, nesse sentido, é o seguinte:

E com o bucho mais cheio comecei a pensar

Que eu me organizando posso desorganizar

Que eu desorganizando posso me organizar

(SCIENCE, 1994).

Desde os primeiros momentos em que se cogitou a produção deste artigo, a música disposta acima, especificamente esse trecho dela, fazia com que refletíssemos bastante acerca do significado de cada palavra, competentemente disposta por Chico Science. Este compositor, por sinal, já afirmara que muitas de suas letras, assim como ele próprio, haviam sido bastante influenciadas por Josué de Castro.

Pois bem, no supracitado trecho, inferimos que a subalimentação, ou a fome propriamente dita, impede o indivíduo de pensar, de refletir, de questionar o sistema como um todo e suas práticas excludentes. E quando há comida na barriga se pode ponderar que "se organizando", evoluindo, seja através do trabalho ou, fundamentalmente, do estudo, e com ele o conhecimento da realidade, se pode "desorganizar", isto é, mudar as estruturas, fazer uma revolução, mesmo que seja dentro de cada um de nós. E que fazendo essa revolução, tudo pode se organizar.

Gostaríamos de encerrar esta produção com uma mensagem positiva de esperança, não obstante parece mais coerente apresentarmos uma máxima, que, desejamos, servirá como ponto de partida para uma profunda reflexão acerca da fome, tema esse que já não é mais tabu graças ao seu incansável denunciador enquanto flagelo fabricado pelos homens contra outros homens: "Metade da humanidade não come e a outra metade não dorme com medo da que não come" – Josué de Castro.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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REFERÊNCIAS DISCOGRÁFICAS:

SCIENCE, Chico. Da Lama ao Caos. Recife: Sony-BMG, 1994.


RESUMEN:

Em el artículo en cuestión pretendemos debatir acerca de las tensiones que abarcan un período detransición entre las estructuras viejas y los nuevos valores, todos venidos de la Europa, y basados em los imperactivos:reformar, modernizar, civilizar. Y em locontextode ésasreformas,pretendemostambiéntrazarun corto panorama acerca de la lucha por la sobrevivencia de los excluidos de lo proyecto de la modernidad recifense de lo comienzo de lo siglo XX contra la más fuerte y paulatina de las torturas, tan antigua cuánto la propria humanidad: la hambre. Hambre esta – conforme veremos – que no consiste solamente en la total falta de alimento pero también en la precaria dieta proveniente de los parcos recursos de que disponen una considerable parcela de la población de lo Recife.

PALABRAS-LLAVE:

CANGREJOS.RATÓNS.EXCLUIDOS.MODERNIDAD.HAMBRE.