Aos 62 anos, o norte-americano Paul Auster construiu uma carreira na literatura sempre explorando diversos gêneros literários. Sua obra mais famosa, A Trilogia em Nova York, conecta a clássica ficção policial com a narrativa neo-realista, em que apresenta personagens que sofrem com a solidão e a perda de identidade na grande metrópole. No país das ultimas coisas, mostra um cenário apocalíptico em que a luta da sobrevivência é a principal razão ante os escombros da humanidade. Em grande parte de sua obra, se resume ao tema coincidência, o acaso transformando vidas com personagens que se deixam fascinar - da mesma maneira que o autor - pela "mão do destino" a lhes guiar os passos chega às raias da repetição. Em seu recente livro, lançado no Brasil, Homem no escuro (Man in the Dark, 168 páginas R$ 38,00), Auster enfoca um lado politizado, onde critica o Estado norte-americano, a América em si, ao mesmo tempo em que passa ao leitor o seu modus operandi narrativo, outra característica da obra do autor, que concede ao enredo uma forma rascunhada.

Num 'cenário' em que uma guerra civil quebra os Estados Unidos, um crítico de literatura aposentado, August Brill, um senhor arrependido e melancólico, que viveu intensamente cada instante de sua vida narra suas memórias num constante exercício da lembrança e da imaginação. Este mundo é fruto da imaginação de Brill, numa vertente orwelliana de Auster, cujo protagonista se recupera de um acidente de carro que o deixou imobilizado. Acossado pela insônia, tece histórias surrealistas, num passeio ao escuro, onde cria um personagem que se molda à narrativa e toma forma ao longo do livro. As memórias de Brill se interagem com os momentos imaginados e os momentos passados recentemente, como a morte recente da mulher e o abandono do marido de sua única filha, formando um quadro de sua opinião, de sua vida e família.

O livro segue o pensamento que Auster colocou em uma entrevista: "Fazer literatura significa explorar não só a sociedade mas os indivíduos, as pessoas comuns que nela vivem. De outra forma, ela se transforma em propaganda de um determinado grupo. Não é mais literatura". Aqui, o autor confronta uma vida comum em meio aos últimas lembranças sofridas, aos sonhos surreais e uma discussão com sua filha, numa delirante narrativa vertiginosa e autopunitiva.

 O melhor do romance é a colocação dos Estados Unidos numa nova guerra civil, onde As Torres Gêmeas não foram atacadas e os estados estão divididos em azuis, a cor dos republicanos e vermelhos, a cor dos democratas. A crise ocorreu após as eleições do ano 2000, e coloca um personagem, Owen Brick, morador do Queens para o conflito. Entretanto, quando estamos acostumando com o melhor do romance, a narrativa é cortada abruptamente, e certo que seguiríamos num nível mais interessante, Auster traça um final em que seu personagem passa a lembrar dos sentimentos e esquece seus devaneios.

Curto como um conto (168 páginas), um desafio que o autor passa aos seus leitores, onde ressalta os horrores da guerra e a vida comum de um homem aposentado, após perder a mulher e ver sua família ser destroçada pela solidão e pela guerra. Brilhante, chocante, com um porém, já citado, mas que marca a profundidade de uma das mais criativas mentes de nossa geração.


Lançado pela Companhia das Letras, no ano passado, numa edição bem caprichada, com capa de João Baptista da Costa Aguiar e tradução de Rubens Figueiredo.


Nascido em 1947 em Newark, Nova Jersey, Estados Unidos, estudou literatura francesa, inglesa e italiana na Columbia University, em Nova York. Viveu em Paris de 1971 a 1975. De volta a Nova York, em 1980 mudou-se para o bairro do Brooklyn, onde vive e trabalha até hoje. Poeta, tradutor, crítico de cinema e literatura, romancista e roteirista de cinema, publicou ensaios, memórias, poesia e ficção.