Histórico acerca do Direito da Criança e do Adolescente no Direito Brasileiro

                          No presente artigo, esboçaremos uma breve análise a respeito da evolução dos direitos referente à infância e juventude através dos anos, buscando ao mesmo tempo captar informações bibliográficas e analisá-las criticamente, para compreendê-las em seu momento histórico e efetivação até os dias atuais. Nesse intuito, acompanharemos a história que segue desde os tempos de escravidão junto a Lei do Ventre Livre, a Roda dos Expostos, seguindo a linha das doutrinas que surgem em atenção às demandas do trabalho infantil, até chegarmos ao Primeiro Código de Menores de 1927 e sua evolução até o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990.

 

1.1 Da Lei do Ventre Livre ao primeiro Código de Menores: Os indícios históricos de cuidados com a  infância.

                       Analisando os dados históricos sobre o início de práticas ou leis de proteção as crianças e adolescentes no Brasil, nos deparamos com situações contraditórias. Presentes estavam o descaso das autoridades competentes e o assistencialismo praticado pelas instituições que chamam a atenção através dos tempos e nos mostram o quão eram desassistidas e desrespeitadas, as crianças e adolescentes, pertencentes aquele momento histórico.

                        No período colonial no Brasil, o modelo de produção agrário que predominava na época, necessitava de um vasto serviço de mão de obra o qual era sustentada pela escravidão que vigorou até a assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888. Para sustentar tal modelo famílias inteiras eram trazidas da África e a Colonização Portuguesa Catequizava e dominava os índios para lhes impor suas vontades, dentre elas a cultura. Os africanos e indígenas eram obrigados a trabalhar em regime de escravidão, que lhes garantiam o mínimo de sobrevivência, sujeitando-os a péssimas condições de alimentação, moradia e saúde.

                        Nesse período Colonial, o Brasil viu sua mão de obra desenvolver-se através de famílias negras inteiras, incluindo as crianças e adolescentes, que se sujeitavam a escravidão, sem visão de terem liberdade ou direitos. Dessa forma, todas essas pessoas eram tratadas como bens pertencentes aos seus senhores, devendo subordinações e obediência.

                        Fator importante foi a chamada Revolução Industrial, surgida na Inglaterra, por meados dos séculos XVIII e XIX, a qual tornou a produção em grande escala, que naturalmente exigia mão de obra, consequentemente necessitava de mercado amplo de consumidores para os seus produtos. Daí a lógica de ter mais e mais pessoas livres para comprar suas mercadorias e venderem sua força de trabalho.

                          A Lei do Ventre Livre, datada do ano de 1871, vem figurar como novos rumos aos filhos de escravos durante o Brasil Colônia. Importante citar a Lei do Sexagenário que livrava os heróicos escravos que conseguiam atingir os sessenta anos de idade.

                        Apesar de ser considerada a primeira lei de proteção a criança no Brasil, a Lei do Ventre Livre trouxe avanços, porém contradições. Ao mesmo tempo em que a lei colocava o filho de escravo em liberdade, não lhe dava nenhuma alternativa de sobrevivência para essas pessoas agora livres, pois se limitavam a permanecer com suas mães nas senzalas ou ficavam a mercê do Estado com suas instituições assistencialistas.

                        Antes da lei do Ventre Livre, a criança nascida de escravo era mantida junto a sua mãe até completar uma média de 12 anos de idade. No decorrer destes anos, a criança também era explorada e desenvolvia trabalhos que iriam desenvolver quando adultos. Após esse período de desenvolvimento e exploração do jovem escravo, este ficava sob as ordens do seu senhor, ou poderia ser vendido como uma simples mercadoria.

                        Neste momento, constatava-se alto índice de abandono de crianças, chocando a sociedade e a Igreja Católica a qual não aceitava o fato de que alguns morressem sem ser batizados, algo contrário as normas pregadas pela Igreja. O ordenamento jurídico vigente estabelecia que a responsabilidade para cuidar das crianças  era dos hospitais, na ausência  deveria ser prestada pelo Senado ou pela Câmara. Sobre essa questão, destacamos as palavras de Venâncio:

 

[...] Na verdade os tempos ‘expor’ ou ‘ensejar’ encobriram realidades distintas. Toda mulher que, no meio da noite, deixasse o filho recém-nascido em um terreno baldio estava expondo-o à morte, ao passo que os familiares, ao procurarem hospitais, conventos e domicílios dispostos a aceitar o pequerrucho, estavam tentando protegê-lo. No primeiro caso, os bebês quase sempre eram encontrados mortos provocados por cães e porcos que perambulavam pelo passeio público. No segundo, a intenção era claramente salvar a criança. (VENAÂNCIO, 1999, p. 23).

 

                        Devido a essa realidade, as Santas Casas de Misericórdia passaram a ganhar destaque nas demandas das necessidades das crianças e adolescentes. Essas instituições prestavam diversos serviços, entre eles o de cuidar dos enfermos, orfanatos, assistência aos abandonados. Essas atividades eram sustentadas pelas doações religiosas e algumas vezes pelo Estado.

                        A Roda dos Expostos, como ficou conhecida, chamada de Casa dos Expostos que funcionava dentro da Santa Casa de Misericórdia, era um cilindro de madeira com uma abertura para a rua e outra para dentro da instituição e tinha como objetivo servir de local apropriado para o abandono de recém-nascidos, “como uma companhia a ser acionada quando uma criança era colocada na roda e esta roda girava, de modo que o “doador” do recém-nascido não fosse visto”. MARTINS, 2008, p.29”.

                        No início surgiram quatro rodas, a primeira em Salvador, depois no Rio de Janeiro em 1738, em Recife no ano de 1789 eem São Pauloem 1825. Depois as Rodas se espalharam para todo o país, sendo que em 1806, o Imperador atribuiu a assistência aos órfãos as Santas Casas de Misericórdia.

 

A roda foi instituída para garantir o anonimato do expositor evitando-se na ausência daquela instituição e na criança de todas as épocas, o mal maior, que seria o aborto e o infanticídio. Além disso, a roda poderia servir para defender a honra das famílias cujas filhas teriam engravidado fora do casamento. Alguns autores atuais estão convencidos de que a roda serviu também de subterfúgio para se regular o tamanho das famílias, dado que na época não havia métodos eficazes do controle da natalidade. (MARCILIO, 1999, p. 72).

 

                        Quando recebidas as crianças pela Santa Casa, estas eram amamentas por uma “mãe de leite”, onde recebiam pagamento pelo serviço. Ao completarem os três anos de idade, as crianças passavam a viver por conta própria, eram mal cuidadas e tornavam-se escravas, obrigados a trabalhar nos serviços domésticos. Devido as explorações, verificava-se altos índices de mortalidade infantil dentro das Santas Casas.

                        Chagado o período Republicano, no ano de 1927 surgiu o primeiro Código de Menores, extinguindo a Roda dos Expostos vinda para o Brasil durante o período colonial.

                        A ideia básica das instituições que cuidavam das crianças era apenas voltada ao controle social. A intenção era agrupar as crianças em um local destinado exclusivamente para que estes não incomodassem ou perturbassem a sociedade. O alto custo é apontado pelo Estado como fator principal da não proteção e preparação para com as crianças. Assim, as instituições faziam trabalho punitivo e coercitivo, que não buscava a integração da criança na sociedade.

                          Desta feita, com a ascensão no momento da industrialização no Brasil, surgia a grande demanda por mão de obra barata, ofertada aos homens, mulheres e crianças para trabalharem nas fábricas. Eram submetidos a baixos salários, jornadas de trabalho desumanas, situações precárias apresentadas por IAMAMOTO, (2005, p. 129):

 

É comum a observação sobre a existência de crianças operárias de até 5 anos e dos castigos corporais infligidos a aprendizes. [...] Mulheres e crianças estarão sujeitas à mesma jornada e ritmo de trabalho, inclusive no turno, com salários bastante inferiores. O operário contará para sobreviver apenas com a venda diária da força de trabalho, sua e de sua mulher e filhos. Não terá direito a férias, descanso semanal remunerado, licença para tratamento de saúde ou qualquer espécie de seguro regulado por lei.

 

                        Diante dos fatos preponderantes da época, exigiam-se atitudes e ações comissivas do Estado para dar o mínimo de condição de vida para as crianças e mulheres. Tais anseios buscavam proteger e regulamentar o trabalho nas fábricas, protegendo as crianças e adolescentes trabalhadores.

                        Com as reivindicações tornando cada vez mais fortes, o Estado buscou através de leis minimizarem as explorações aos menores, tratando como problema de ordem social, porém esse mesmo Estado contornava-se entre a garantia de direitos e as exigências da nova classe social, a chamada burguesia.

                        A primeira lei de proteção ao trabalho infantil em 1891, estabeleceu direitos, no entanto protegeu de forma superficial, pois não proibiu de forma integral o trabalho infantil noturno, estabeleceu em 12 anos a idade mínima destinada ao trabalho e uma jornada diária de 07 horas.

                        Apesar dos avanços obtidos, estes eram desrespeitados, visto que as leis de proteção ao trabalho infantil não tinha seu real cumprimento. Com isso, necessário se fez a convocação de instituições estrangeiras de proteção a infância a intervirem, dentre elas podemos citar a OIT – Organização do Trabalho e a Declaração de Genebra.

 

No que se refere à proteção à criança e adolescente, a Organização Internacional do Trabalho estabeleceu como sexto princípio a eliminação do trabalho infantil, e permitiu que “os menores adultos” pudessem realizar serviço remunerado, caso não ocorresse prejuízo no processo de educação e desenvolvimento físico destes (COELHO, 1998, p. 106).

 

            No ano de 1920, com a intenção de organizar os compromissos de proteção a infância, aconteceu o 1º Congresso Brasileiro de Proteção à Infância relevando diversos temas de interesse a criança e adolescente. Como resultado deste Congresso no ano seguinte, foi sancionada a lei de Orçamento Federal nº 4242, que ofertou serviços de assistência ao menor necessitado, seguida da promulgação do Código de Menores.

 

1.2 Do Código de Menores ao Estatuto da Criança e do Adolescente.

                        Com a transição do Brasil Império para o Brasil República, abriu-se a necessidade de ouvir os apelos da sociedade na questão da infância desassistida, possibilitando criação de políticas públicas para o atendimento ao menor.

                        O Dr. Mello de Matos tomou a frente dos trabalhos da Fundação do Juízo de Menores no ano de1923. Aatuação desta instituição foi junto à proteção das crianças e adolescentes em situação de delinquência e abandono. O primeiro Código de Menores foi legalmente instituído através do Decreto nº 17943, conhecido como Código de Mello Matos.

 

                        Este código previu o trato de diversos temas de direitos sobre os menores, tais como: o pátrio poder, a tutela, o trabalho infantil, etc. Prescrevia logo no seu primeiro artigo:

 

O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 anos de idade, será submetido pela autoridade competente às medidas de assistência e proteção contidas neste código. (DECRETO Nº 17943, de 12 de outubro de 1927)

 

A instituição do Código de Menores pôs fim à conhecida Roda dos Expostos, a qual era muito praticada no abandono das crianças, tomando a responsabilidade aos que tivessem até 18 anos de idade.

                        O controle que o Estado exercia era de utilizar a força policial para “limpar” as ruas, fazendo transparecer à sociedade uma sensação de tranquilidade, levando-os para abrigos ou outros órgãos institucionais. Haveria punição as famílias que não deixasse seus filhos sob a tutela do Estado, podendo até sofrer sanções do mesmo.

 

O vadio pode ser repreendido internado, caso a vadiagem seja habitual. O autor de infração terá prisão especial. O menor de 14 anos será submetido a processo penal de espécie alguma  (o que acaba com a questão do discernimento) e o que tiver idade superior a 14 e inferir a 18 anos terá processo especial, instituindo-se também a liberdade vigiada. O trabalho fica proibido aos menores de 12 anos e aos menores de 14 não tenham cumprido instrução primária, tentando-se combinar a inserção no trabalho com a educação. O trabalho noturno e aquele considerado perigoso à vida, à saúde e a moral é vedado aos menores de 18 anos, com multas aos infratores e direito à fiscalização (PILITTI, 1995, p. 63).

                       

 

                         Através da citação transcrita acima, por motivos fúteis e ínfimos, a polícia era chamada a intervir. De forma direta e automática fazia-se a internação compulsória da criança ou adolescente encontrados, em estado de perambulância pelas ruas. Essa prática era totalmente contrária com a atual forma adotada pelo estado brasileiro.

                        Pelas práticas até então utilizadas, é importante reconhecer os avanços conquistados pelo Código de Menores de 1927. Garantir direitos como a limitação ao trabalho infantil apenas aos que tinham 12 anos e que estivessem estudando. Os trabalhos considerados inadequados as crianças eram proibidos, permitidos apenas aos maiores de 18 anos, acarretando multas aos que descumprissem tais normas.

                        A ascensão industrial e a situação de extrema pobreza de famílias na época de vigência do Código de Menores contribuíram para o descumprimento deste Código e sua real efetividade. Houve por parte do estado uma “liberação” ao descumprimento desta norma. O trabalho infantil, principalmente realizado pelos filhos da classe miserável, era mão de obra barata e naquele momento conveniente ao Estado.

                        Com a promulgação da Constituição de 1934, houve a inclusão do direito da criança e do adolescente como direito constitucional. Tornou e reconheceu o menor como sujeito de direito. O reconhecimento foi um marco na construção dos direitos da criança e do adolescente no Brasil. O doutrinador LOUREIRO analisa esse avanço da seguinte forma:

 

A Constituição de 1934 foi a primeira Constituição brasileira na qual foram incluídas normas de proteção à criança. Segundo o autor, a necessidade de proteção à criança foi descoberta em detrimento ao forte sentimento nacionalista ocorrido neste período e que fez com que surgisse o populismo de Getúlio Vargas. De acordo com Coelho (1998, p. 100), o país, nos anos trinta, estava passando por um processo de industrialização tardia em comparação com a Inglaterra no século anterior. Assim, não querendo ver a reincidência de cenas de crianças trabalhando nas fábricas, sujeitos a todas as formas de abusos, foi delimitado que as crianças deveriam, antes de tudo, atingir maturidade intelectual e física. (LOUREIRO apud COELHO, 2009, p. 24).

 

                        Após apenas três anos, há a promulgação de uma nova Constituição, a de 1937, com mais avanços nos direitos das crianças e dos adolescentes. O Departamento Nacional da Criança foi criado nesse período, juntamente com os Ministérios da Saúde e Educação, órgãos incumbidos pela “coordenação de todas as atividades nacionais que diziam respeito à proteção à maternidade, à infância e à adolescência” (COELHO, 1998, p. 103).

                        Neste momento da história no Brasil, houve um crescente índice de problemas sociais, entre eles um forte e significante crescimento da criminalidade entre as crianças e adolescentes. Mais uma vez o estado é chamado a intervir, dispondo da medida de internação como principal medida. Com a demanda, surgiam diversas instituições para receber esses menores infratores. A Fundação Darci Vargas apoiava hospitais e prestava assistência a infância desde o seu início, a Legião Brasileira da Assistência (LBA) amparava a população carente, entre outras.

                        Além destes, foi inaugurado o SAM – Serviço de Assistência ao Menor. Ligado ao Ministério da Justiça, servia para encarcerar a criança e o adolescente que cometesse ato infracional.

                        O Estado mais uma vez volta a prestar assistência punitiva e coercitiva as crianças que estavam sob sua tutela. Não respeitava a individualidade, a integridade física ou psicológica de seus tutelados. Os que lá viviam eram considerados “incapaz, sub-normal de inteligência e de afetividade, sua agressividade, superestimada” (RIZZINI, 2004, p. 33).

                        Na década de 1960, o Brasil iniciou um período de grandes transformações políticas. A sociedade organizava-se em movimentos sociais reivindicando melhores condições de vida. Sendo assim, o tema criança e adolescente passou a figurar dentre os de maior visibilidade.

                        Em 1964 ocorreu o golpe militar, controlando todos os setores da vida pública e privada, passando a gerenciar todas as políticas públicas sociais de acordo com seus interesses.

                        No tempo em que os militares estavam no poder, ocorreu a substituição do SAM pela FUNABEM (Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor). Na prática, esta substituição não diferenciou das práticas do SAM, não rompendo com o assistencialismo e a repressão as crianças e adolescentes.

                        Em 1979, instaurou-se o novo Código de Menores, o qual não evoluiu em relação ao primeiro. Com predominância das ordens ditatoriais, o chamado novo Código de Menores norteava-se na coercitividade e punição, enquadrando as crianças e adolescentes sob os comandos da ditadura.

                        Com o advento do Código de Menores de 1979, surgiu o termo “menor em situação irregular”, definindo a situação irregular dessa forma:

 

[…] a privação de condições especiais à subsistência, saúde e instrução, por omissão, ação ou irresponsabilidade dos pais ou responsáveis; por ser vítima de maus tratos; por perigo moral, em razão de exploração ou encontrar-se em atividades contrárias aos bons costumes, por privação de representação legal, por desvio de conduta ou autoria de infração penal. (PILOTTI, 1995, p. 81).

 

                        As medidas expressas no Código eram aplicadas pelo Juiz, que decidia qual seria a medida que o menor se submeteria. As demandas não se coadunavam com as necessidades dos menores, atendendo-os como criminosos.

                        Chega os anos 80, o momento é de abertura democrática, as ideias são de liberdade de expressão, de avanços nos direitos da criança e adolescente. A partir daí, tem início o surgimento de novos ideais e pelo fim do Código de Menores, apontando uma nova doutrina que tutele os direitos da criança e do adolescente.

                        Promulga-se a Constituição da República de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, por inovar nos direitos individuais, sociais, de forma nunca vista anteriormente. Tornou-se um marco na história dos direitos da criança e adolescente.

                        O artigo n° 227 da Constituição da República de 1988, tornou a criança e adolescente sujeitos possuidores de direitos, como prescreve:

 

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

 

1.3 Estatuto da Criança e do Adolescente

No ano de 1990, após várias manifestações  e reivindicações vindas de várias camadas da sociedade brasileira, elaborou-se a lei n° 8069 de junho de 1990, substituindo o Código de Menores de 1979. Sedimentado em novos paradigmas, garantidos pela nova Constituição da República de 1988 que veio a quebrar os objetivos punitivos e repressivos que vigoravam desde tempos, no trato a infância no Brasil. A nova doutrina buscou distanciar a proposta anterior, e reconhecer a criança e adolescente como sujeitos com direitos e obrigações.

                        No mundo, já vigorava a ideia de defesa aos direitos da criança e adolescente. O Brasil veio a juntar-se à corrente de proteção a tais direitos com a instituição do artigo 227 da CR/88 e na elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990. Isso se deu atendendo as diretrizes da Convenção Internacional dos Direitos das crianças da ONU em 1989. Apesar de tardio avanço, o Brasil foi o primeiro país da América Latina a desenvolver a prática de proteção a criança e adolescente.

 

Neste sentido, enquanto contribuição para impulsionar o surgimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, salienta-se que em 1989 as Nações Unidas aprovaram a Convenção Internacional dos Direitos da criança, regulamentando a chamada “proteção integral”, que institui a cidadania das crianças e dos adolescentes, assim como o sistema de garantias de direitos. Isso posto, destaca-se que o Estatuto da criança e do Adolescente foi institucionalizado através do “[...] movimento dialético entre a conjuntura nacional e a internacional que caminhava na direção ao neoliberalismo […] (RAMPINELLI apud SILVA, 2005, p. 37).

 

                        O Estatuto da Criança e do Adolescente possibilitou a prioridade no trato a infância e a adolescência, ao afiançar a primazia no atendimento à saúde, lazer, cultura, moradia, educação, entre outras. Tais conceitos foram previstos na Constituição da República de 1988 e incrementadas pelas diretrizes do Estatuto. Vê-se também que de deve priorizar a elaboração de políticas públicas e programas sociais.

                         Avanço importante foi que a partir da Lei n° 8069/90, a medida de internação para criança e adolescente que cometia algum ato infracional ficou limitada à última alternativa, quando não couber mais nenhuma possibilidade, diferente do que acontecia anteriormente. A partir de então, o Estatuto , à criança e ao adolescente, proteção integral da família, estado e sociedade.

 

1.4 Conselho Tutelar

                        Com o nascimento do Conselho tutelar surge a noção da participação popular a partir do ano de 1990, amparado na Constituição da República de 1988. O surgimento se deu em um momento de suma importância social, pois presente estava a redemocratização do Brasil, a promulgação da Constituição, onde a sociedade tinha o papel de participar na elaboração e execução das políticas públicas, como prescreve o artigo 204 da Constituição da República de 1988.

 

Artigo 204, inciso II. Participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.

 

                        Instaurado este momento de transição democrática, surgem diversos tipos de conselhos, ligados aos diversos setores de interesse comum, como a educação, saúde conselhos de direitos, como Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes (CONANDA), Conselho Municipal dos Direitos das crianças e Adolescentes (CNDCA), e o Conselho Tutelar.

                        Extraído das noções expressas no Estatuto da Criança e Adolescente, os Conselhos Tutelares são órgãos municipais e autônomos, sua função principal refere-se à defesa constante dos direitos da criança e adolescente, da forma como cita o artigo 131 do ECA.

 

O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei.

                       

A criação do Conselho Tutelar deverá ser por Lei Municipal, dessa forma, ele é um órgão público municipal respeitado o ordenamento jurídico brasileiro, porém não subordinado as autoridades públicas, seja no âmbito municipal, estadual ou federal, nem mesmo a nenhuma esfera de poder, pois o Conselho Tutelar é regido por lei federal própria que garante o exercício  de  suas atribuições de forma plena, dentro da legalidade.

                        Como fala CURY (2006), que ele “independe dos membros que o compõe, deve ter seus trabalhos desenvolvidos em fluxo constante, em acordo com o princípio da proteção integral e não influenciável”, sendo órgão de caráter duradouro e ininterrupto.

                        O Conselho Tutelar é autônomo, pois não está hierarquicamente subordinado a nenhum órgão ou esfera de poder. Importante ressaltar que os Conselhos têm um caráter não jurisdicional, pois essa autonomia não inclui o exercício de funções jurisdicionais, como a aplicação de medidas sócio-educativas, expedição de mandado de busca e apreensão, entre outras.

                        A composição dos Conselhos Tutelares é feita de forma a representar a sociedade, onde os conselheiros são eleitos de acordo com o que é estabelecido em lei, sendo o voto facultativo. Antes da eleição, existem etapas qualificatórias, nas quais são realizadas provas escritas, que garantem a verificação de conhecimentos mínimos aos candidatos, isso é permitido ao município regular, através de lei própria.

                        Não bastando, o Estatuto estabelece requisitos para as pessoas serem candidatas a conselheiros, são eles: I. reconhecida idoneidade moral; II. Idade superior a vinte e um anos e III. Residir no município (artigo 133 do ECA). A Constituição da República de 1988 permite aos municípios suplementar a legislação federal, em determinados casos, incluindo este citado anteriormente.

                        Por conta da possibilidade dos municípios estabeleceram regras de funcionamento dos Conselhos Tutelares, ocorre a despadronização entre os Conselhos de municípios distintos. Com a instituição em cada município por lei própria, cria-se profissionais de um perfis diferenciados na categoria.

                        A escolha dos conselheiros tutelares é estabelecida na legislação municipal, e a forma mais comum é através de processo eleitoral coordenado pelo município.

                        A formação do conselho está intimamente ligada à participação popular, dando a sociedade o direito de escolher quem irá representá-la. É relevante citar que o conselheiro tutelar é equiparado a funcionário público, tendo seus direitos garantidos, além de estar submetido a posições de acordo com lei específica.

                        O CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente, no ano de 2001 estabeleceu parâmetros de funcionamento dos conselhos tutelares, direcionando em seu documentos formas de punição aos conselheiros que abusem dos limites de suas prerrogativas no exercício do cargo, visto a omissão, a esse respeito, no ECA. Dessa forma, o CONANDA estabelece:

 

O Conselho Tutelar, a qualquer tempo, pode ter seu mandato suspenso ou cassado, no caso de comprovado descumprimento de suas atribuições, prática de atos considerados ilícitos, ou comprovada conduta incompatível com a confiança e outorga pela comunidade. [...] os casos de cometimento de faltas[...]. I. Usar da função em benefício próprio; II. Romper sigilo em relação aos casos analisados pelo Conselho Tutelar que integre; III. Manter conduta incompatível com seu cargo[...]; IV. Recusar-se a prestar atendimento[...] V. aplicar medida de proteção contrariando a decisão colegiada do Conselho Tutelar; VI. Deixar de comparecer no plantão[...]; VII. Exercer outra atividade,incompatível com o cargo[...] VIII. Receber em razão do cargo, gratificações[...].

 

                        Estes parâmetros, vem a preencher lacunas existentes no ECA, trazendo medidas as quais os conselheiros desenvolvem suas atribuições dentro da normalidade e legalidade.

                        O Conselho Tutelar surge como uma nova perspectiva na democracia prevista pelo legislador constituinte de 1988.  Nesse contexto, observa Soares 2008 apud Mello 2009, quando diz que:

 

O Conselho Tutelar não é apenas uma experiência, mas uma imposição constitucional decorrente da forma de associação política adotada, que é a Democracia participativa (“Todo poder emana do povo, que exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição”), e não mais a Democracia meramente representativa de Constituições anteriores. (Soares, 2008 apud Mello 2009).

 

                        A função do Conselho Tutelar é fiscalizar se os direitos da criança e adolescente estão sendo cumpridos. Atua também na formulação de políticas públicas pelos municípios. Quando os direitos são ameaçados ou violados pelo Estado, família, responsável, sociedade, será o início da ação do Conselho Tutelar, sendo provocado na maioria das vezes por denúncias. Na presença de ameaça, o conselho tutelar agirá de forma preventiva, se essa já se efetivou, vai atuar de forma a corrigir.

 

 

 

REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

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