SANTOS, Letícia Aparecida Pereira (Orientanda)[1]
NETO, Elpídio Rodrigues da Rocha (Orientador) [2]
Instituição: Faculdades Integradas do Norte de Minas - FUNORTE/SOEBRAS
Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. 2010
 

RESUMO 

O presente artigo visa estabelecer a efetiva contribuição do conteúdo discursivo para o aprendizado do público leitor das histórias em quadrinhos. A evolução dessas histórias, fruto da associação do conteúdo discursivo e do uso de recursos visuais na estrutura das revistas – em especial a “Turma da Mônica”, que, após transformações e adequação, lançou no mercado a “Turma da Mônica Jovem” – vem conquistando um público cada vez mais amplo, com abordagens atuais e de extrema relevância, conduzindo cada leitor ao contexto da história. Nesta pesquisa, de cunho bibliográfico, nos embasaremos nos seguintes autores: Will Eisner, Elyssa Soares Marinho, Adriano de Avance Moreno, dentre outros. 

Palavras-chave: Contribuição, Turma da Mônica, Conteúdo Discursivo, Imagens, Adequações. 

1. INTRODUÇÃO 

O presente artigo tem como tema Histórias em quadrinhos: “Turma da Mônica Jovem” e a contribuição de seu conteúdo discursivo no comportamento e aprendizado dos leitores. Através dele, pretende-se compreender como a arte seqüencial, trabalhada nas histórias em quadrinhos, explicitou as transformações dos personagens ao longo de décadas, contribuindo para mostrar o comportamento de seus leitores e expor temas e assuntos atuais (e relevantes em vários momentos) para o seu público ao utilizar o discurso direto na junção de textos e desenhos. Nesta perspectiva, a abordagem do conteúdo discursivo e a imagem como comunicadores se juntam e formam a arte sequencial, associando textos e imagens, como forma de comunicação usada nas histórias em quadrinhos.

A evolução das revistas da “Turma da Mônica”, até o lançamento da “Turma da Mônica Jovem”, trouxe à baila conflitos e interesses vividos pelo seu público em cada época, sem perder o encanto lúdico, mas questionando pais, críticos e leitores sobre aspectos como: preconceito, padrões de beleza, consumismo, sexualidade, estilo, amizade, dentre outros, que serão abordados de forma a se fazer compreender até que ponto as transformações das histórias contribuíram para o desenvolvimento e acompanhamento de seus leitores. A revista acompanhou a realidade vivida por seu público, polemizando questões e diversificando os entendimentos dos leitores.

Neste contexto, a evolução da revista, em mais de quarenta anos de história, retratará as suas transformações, desde a criação, pelo cartunista Maurício de Sousa no ano de 1970, até o lançamento da “Turma da Mônica Jovem” no ano de 2008. As transformações no comportamento dos personagens são de extrema relevância para a percepção dos aspectos que caracterizam e dinamizam o desenvolvimento da história com o passar do tempo. As transições vividas pelos personagens: Mônica, Magali, Cebolinha e Cascão retratam o cotidiano de seu público.

As abordagens da revista, com a sua repercussão nos diferentes aspectos, evidenciarão um fator de grande importância, as adequações com o objetivo de venda, que quando considerado junto às críticas e opiniões estabelecidas a cada etapa da revista, determinam o conteúdo discursivo da revista. Baseando-se nesses fatores, pretende-se concluir com a efetiva contribuição do conteúdo discursivo da revista no desenvolvimento de seu público de leitores e qual a real intenção do produto, em promover constantes repaginações adequando as histórias. 

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 

As histórias em quadrinhos surgiram na Suíça em 1827 como obras desenhadas; somente no fim do século XIX a imprensa norte-americana foi conquistada pelo “Yellow Kid” (menino amarelo) considerado oficialmente o primeiro personagem de histórias em quadrinhos que trouxe o formato usado até os dias de hoje, integrando personagens desenhados e textos, em cenas seqüenciais. (REBOUÇAS, 2009).

A partir de 1920, os quadrinhos ganharam o mundo, expandindo-se de maneira autoral e industrial, sendo batizados por nomes diversos em cada lugar do mundo, como: quadrinhos e gibsi no Brasil; tebeos na Espanha; mangá no Japão, bande dessinée na França, fumetti na Itália, historietas na Argentina, muñequitos em Cuba, manhwas na Coreia do Sul, manhuas na China, e nos Estados Unidos comics, mas o encantamento das gerações e o destaque dos artistas são similares.

As histórias em quadrinhos transmitem, através da linguagem específica, uma experiência visual que comunica criador e leitor, associando imagens e palavras, incluindo a decodificação de símbolos, a organização e a integração de informações, abordando temas da atualidade, despertando um público cada vez mais amplo. (EISNER, 1989).   

Para Will Eisner, o leitor deve exercer suas habilidades visuais e verbais em um ato de esforço intelectual na leitura das histórias em quadrinhos. Vejamos: 

A configuração geral da revista de quadrinhos apresenta uma sobreposição de palavra e imagem, e, assim, é preciso que o leitor exerça as suas habilidades interpretativas visuais e verbais. As regências da arte (por exemplo, perspectiva, simetria, pincelada) e as regências da literatura (por exemplo, gramática, enredo, sintaxe) superpõem-se mutuamente. A leitura da revista de quadrinhos é um ato de percepção estética e de esforço intelectual. (EISNER, 1989, p.8). 

O resultado alcançado por esta agregação está ligado aos processos psicológicos que estabelecem entre palavras e imagens uma similaridade, adequando ilustrações e prosa, disciplina da qual decorre a arte sequencial, que conduz o leitor para a história (EISNER, 1989). A confluência de texto/imagem facilita o entendimento do conteúdo e estimula a comunicação do leitor com a revista em quadrinhos. 

2.1. CONTEÚDO DISCURSIVO 

          Segundo Francis Vanoye (2003), a arte do bem falar em sua origem baseava no conjunto de técnicas destinadas a regrar a organização do discurso, de acordo com os objetivos a serem atingidos. Para se falar em organização do discurso verbal, faz-se necessária a distinção entre vários tempos, primeiro com os argumentos, que é a tarefa de saber o que vai dizer; segundo com informação, demonstração, emoção, onde se procura dispor o que vai dizer numa ordem que depende do objetivo traçado. É preciso zelar pela elaboração do começo ao fim do discurso.

          A elaboração do discurso tem como terceiro tempo o modo de apresentação dos argumentos, momento em que se recorrem às figuras. Por fim, o quarto tempo que se constitui em dizer o discurso, valendo- se dos recursos vocais e gestuais. Considerando os tempos descritos, podemos afirmar que existe uma relação entre a arte do bem falar e as técnicas de expressão. Sendo de grande importância ponderar que as técnicas de expressão não visam ao “falar bonito”, mas sim a uma forma de aperfeiçoar a reflexão, compreensão e análise da linguagem. (VANOYE, 2003).

          De acordo com Dominique Maingueneau (1997), com o passar dos tempos, por várias épocas, o conteúdo discursivo sofre alterações, uma vez que as citações não são feitas da mesma maneira. Vejamos: 

Além dos enunciados citados há, pois, suas condições de possibilidade. Em um nível trivial, isto é evidente: segundo as épocas, os tipos de discurso, as citações não são feitas da mesma maneira; os textos citáveis, as ocasiões em que é preciso citar, o grau de exatidão exigido, etc. variam consideravelmente. (MAINGUENEAU, 1997, p.86). 

O conteúdo discursivo é a primeira parte de uma junção que compõe as histórias em quadrinhos, através da associação de textos e imagens que transmitem ao leitor a mensagem desejada. (MARINHO, 2009). 

2.2. A IMAGEM COMO COMUNICADORA 

          As histórias em quadrinhos associam dois importantes mecanismos de comunicação, textos e imagens. Esta junção foi possível a partir dos esforços dos artistas em expressar enunciados que fossem além da escrita de palavras. (EISNER, 1989).

          Para Elyssa Soares Marinho (2009), a compreensão de uma imagem requer uma ciência, em que o artista deve ter conhecimento da experiência de vida do leitor. A partir daí, as imagens devem proporcionar uma interação na mente de ambos, criador e leitor, para que assim possa transmitir a mensagem. O objetivo da comunicação através da imagem depende da capacidade de seu reconhecimento e impacto emocional. É o que reforçar Eisner: 

O sucesso ou fracasso desse método de comunicação depende da facilidade com que o leitor reconhece o significado e o impacto emocional da imagem. Portanto, a competência da representação e a universalidade da forma escolhida são cruciais. O estilo e a adequação da técnica são acessórios da imagem e do que ela está tentando dizer. (1989, p.14). 

          A arte sequencial, nas histórias em quadrinhos, emprega uma série de imagens e símbolos reconhecíveis. Quando usados para expressar ideias, tornam-se linguagem. Os processos psicológicos que envolvem a compreensão de uma imagem e uma palavra são análogos. Verifica-se, assim, que a estrutura da prosa e da ilustração são similares. (EISNER, 1989).

Conforme Maria Cecília Amaral, a leitura de quadrinhos exige do seu leitor “a aplicação de vários conhecimentos e a construção de outros novos para preencher o espaço entre uma cena e outra” (2008, p. 24). Verifica-se que o leitor necessita de aspectos de sua experiência social e do seu imaginário para dar continuidade à narrativa. 

2.3. QUEM É MAURÍCIO DE SOUSA 

          Maurício de Sousa nasceu em Santa Isabel, no interior de São Paulo, no dia 27 de outubro de 1935; passou sua infância e adolescência em Mogi das Cruzes. É filho de Antônio Maurício de Sousa, poeta e barbeiro, e Petronilha Araújo de Sousa, poetisa. Ainda em Mogi das Cruzes, começou a desenhar cartazes e ilustrações para rádios e jornais. Aos 17 anos se mudou para São Paulo, para procurar emprego de desenhista, mas só conseguiu trabalhar como repórter policial para a Folha de São Paulo, função que exerceu durante cinco anos. (BIOGRAFIAS, 2009).

Em 1959, Maurício de Sousa começou a desenhar histórias em quadrinhos. As tirinhas em quadrinhos com as histórias do Capitão Picolé, do cãozinho Bidu e seu dono, Franjinha, foram os primeiros personagens do cartunista. No início dos anos 1960, cria os primeiros personagens da “Turma da Mônica”: Cebolinha, Magali e Cascão – inspirado pela filha e por recordações da infância. Em 1963, cria a Mônica que, como todos os personagens, ainda eram publicados em tirinhas no jornal; houve aí o início de uma gigantesca trajetória de sucesso. (BIOGRAFIAS, 2009).

A partir de 1970, é lançada a revista da “Turma da Mônica”. Até 1986, os gibis de Maurício foram publicados pela Editora Abril; em janeiro de 1987, as publicações passaram à editora Globo, e assim permaneceu por vinte anos. Somente em 2007, as revista foram passadas para a multinacional Panini. Maurício de Sousa é hoje o principal criador brasileiro de histórias em quadrinhos. Suas histórias alcançaram fama internacional, tendo sido adaptadas para o cinema, televisão e vídeogames, além de ter licenciado para o comércio uma série de produtos com a marca dos personagens. (BIOGRAFIAS, 2009). 

2.4. A “TURMA DA MÔNICA” 

As revistas da “Turma da Mônica” foram editadas em 1970, apesar de os personagens já existirem em tiras de jornal desde 1960. A partir daí a revista, ao longo de quarenta anos, passou por diversas transformações para adequação. (REBOUÇAS, 2009). 

Quando lançada, a revista tinha o público infantil como alvo, motivo pelo qual os personagens eram crianças, com sete anos, representados por histórias reais e comuns do nosso cotidiano. Os personagens seguiam a realidade do público e viviam com os pais, tinham animais de estimação e passavam grande parte do tempo em disputa: meninos contra meninas. (REBOUÇAS, 2009).

Ao longo dos anos, personagens secundários foram inseridos nas histórias, para abordar temas específicos de cada época como: ciência; filhos de pais divorciados; futebol; amor não correspondido. Com o lançamento da “Turma da Mônica Jovem”, em agosto de 2008, os personagens cresceram e iniciam a nova fase aos quinze anos, adequando novamente histórias e faixa etária, com temas atuais e polêmicos, como: sexualidade, beleza, consumismo, dinheiro, dentre outros, próprios da atualidade. (TURMA, 2009).

Turma da Mônica Jovem
A “Turma da Mônica Jovem”: Mônica, Cebola, Magali e Cascão.
Fonte: http://tendenciasurbanas.files.wordpress.com/2008/09/tmj.jpg
 

2.5. HISTÓRIA E TRANSFORMAÇÕES DOS PERSONAGENS 

 O personagem da Mônica foi criado em 1963, inspirada numa filha homônima de Maurício de Sousa, sendo, durante sete anos, personagem secundário nas tiras do Cebolinha, que saíam nos jornais da época. Em 1970, ganhou uma revista própria e passou a ser personagem principal. Na infância possuía características próprias, como ser baixinha, dentuça, gordinha, usava sempre um vestidinho vermelho e não possuía dedos nos pés. Mônica enfrenta os meninos com uma super força e tem um coelhinho azul (denominado Sansão), o qual usava para bater nos meninos. Autodenominava-se “a dona da rua” e era conhecida por ser uma menina forte e decidida – fator que imprimiu uma marca na personagem, pois, em uma época onde a mulher era criada para servir, a Mônica surgia para representar um tipo de mulher (menina) mais independente. (HISTÓRIA, 2009). 

Quando adolescente, apesar de continuar meiga, alegre e um pouco dentucinha, já não possuía as mesmas características e se mostrava magra e consumista; seu guarda-roupas mudou muito, apesar de não ter mudado sua predileção por roupas vermelhas. Ainda é líder da rua, não só por seu caráter expressivo, mas pela personalidade cativante e verdadeira, mostrando-se uma menina segura e madura. Romântica incorrigível, ainda tem uma “quedinha” por Cebola. (HISTÓRIA, 2009).

A Magali também foi um personagem baseado em uma filha do Maurício de Sousa; encantou o público com seu temperamento tranquilo, com um jeitinho todo meigo, mas com um apetite descontrolado – sua fruta favorita era a melancia. Sempre foi uma menina elegante, feminina e amiga. Nunca brigava com a Mônica. Características que prevaleceram na sua adolescência. Continua gulosa, mas agora ela se cuida, preocupa-se com a alimentação e pratica esportes. Para desespero de seu pai, Magali mantém uma característica predominante: carinhosa e apaixonada por gatos. (HISTÓRIA, 2009)

O Cebolinha foi o primeiro personagem criado pelo Maurício de Sousa, em 1960; era um garotinho de cabelos espetados com apenas cinco fios, era gordinho, passava a maior parte do tempo bolando “planos infalíveis” para tirar da Mônica o título de “dona da rua”. Famoso por trocar o “R” pelo “L” quando falava, essa característica não deixou de existir com o passar dos anos, pois quando adolescente, apesar de fazer tratamento com a fonoaudióloga para dislalia, sempre que conversava com as meninas, em especial com a Mônica, ficava nervoso e novamente voltava a trocar as letras. Seus cabelos mudaram muito e Cebola, como passou a ser chamado, adquiriu uma vasta cabeleira, além de ter ficado bem mais magro. Continuou a ser um garoto esperto e muito inteligente. Ser o dono da rua é coisa do passado, hoje Cebola quer conquistar o mundo com seus planos e projetos para um planeta melhor. (HISTÓRIA, 2009).

[...]