Foi assim: entrei no ônibus e, calmamente, encostei a cabeça para descansar durante a longa viagem do 352, mas as senhoras sentadas à minha frente começaram: "Porque tomar banho se você vai estar sujo depois? Porque comer se depois você vai estar com fome? Porque trabalhar se depois o dinheiro acaba? Porque namorar se, no final, você vai estar sozinha? Enfim, porque viver se o futuro é a morte?". E a conversa no 352 continuou animadamente, uma confirmando o hábito de também escutar em casa essa ladainha de seus dois filhos adolescentes. Não teve jeito, a ladainha tomou conta da minha cabeça, sabe, feito pergunta de criança que não se contenta com nenhuma resposta.
Aí, comecei a pensar sobre a ladainha e ter certeza de que nós, brasileiros, somos um povo mesmo muito guerreiro e feliz. Com tantos ônibus quebrados e lotados, com tantas senhas que nunca te levam a um atendimento médico digno de um ser humano, com tantos casos de impunidade, com tantos "tantos", e o brasileiro continua acreditando na vida, mesmo sabendo que o ônibus virá amanhã atrasado e lotado, mesmo sabendo que amanhã, talvez, você seja obrigado a sentar perto de duas senhoras e escutar outra boa ladainha!