História X Estruturalismo: Debate acerca do Antihistoricismo na Teoria Estruturalista "levistroniana"

O presente trabalho pretende analisar o debate acerca do antihistoricismo na teoria estruturalista de Levi Strauss. Para tanto, relatar as principais características que marcaram seu pensamento se mostra indispensável.

O estruturalismo "levistroniano" teve a sua origem na obra lingüística de Saussure[1], que defendia uma das versões da doutrina estruturalista, segundo a qual todos os sistemas de signos são lingüísticos por natureza. Segundo esta versão, a língua é concebida como um sistema de sinais que se definem uns em relação aos outros e não isoladamente: o sentido de um elemento fonético (fonema) é determinado pela sua posição no conjunto do sistema, tal como as peças de um jogo de xadrez se definem pelas suas situações respectivas umas em relação às outras, ou seja, em último caso, pelas regras do jogo e não por qualquer fator externo.

Segundo Strauss as ciências humanas estão longe de ser consideradas como ciências. O autor explica esta inautenticidade por comparação com as ciências físicas e naturais. Para ele, as ciências físicas são consideradas como tal uma vez que fixam "um pequeno número de variáveis significativas no seio de fenômenos muito complexos[2]" e, desta forma, retratam um objeto específico. Ora, quando falamos de ciências humanas, o número de variáveis que há pouco mencionamos passa agora a ser "incomparavelmente mais elevado[3]" e o fato de o sujeito ter necessidade de se considerar ao mesmo tempo como objeto, torna a cientificidade ainda mais subjacente. Na tentativa de "compreender aquilo que se passa no espírito dos homens[4]" Strauss não esgota esta relação pela sua constatação trabalhando no sentido de elevar as ciências humanas ao nível das ciências naturais as quais trabalham segundo o sentido do pensamento científico. A abordagem geral que faz do pensamento científico é "algo de essencial, fundamental e que devemos utilizar[5]" e por isso pretende elevar as ciências humanas ao seu verdadeiro nome.

Um dos textos fundamentais para a compreensão desta fase que integra e específica a sua antropologia, intitula-se "Análise Estrutural em Lingüística e em Antropologia[6]" que podemos encontrar na sua antologia de textos, Antropologia Estrutural (1958). É pela sua análise que encontramos a exposição do problema da cientificidade das ciências humanas, bem como a transposição do modelo científico e objetivo da lingüística para essas ciências indevidamente intituladas de "ciências": as ciências sociais ou humanas.

Segundo Lévi-Strauss, entre o conjunto de todas as ciências sociais a lingüística ocupa um lugar excepcional:«ela não é uma ciência social como as outras, mas a que, de há muito tempo, realizou os maiores progressos: a única, sem dúvida, que pode reivindicar o nome de ciência e que chegou, ao mesmo tempo, a formular um método positivo e a conhecer a natureza dos fatos submetidos à sua análise». Este é um dos pontos fundamentais da obra de Claude Lévi-Strauss sem o qual seria impossível a sua compreensão. A lingüística ocupa um lugar de destaque no seio de todas as ciências humanas e mostra-nos o verdadeiro caminho que conduz ao conhecimento positivo dos fatos sociais.

Nesse contexto, vale destacar a importância da fonologia para a formação da teoria estruturalista "levistroniana". Foi importante porque alterou o estudo dos fenômenos lingüísticos conscientes para o estudo da sua infra-estrutura inconsciente, visando a descoberta de leis gerais, quer encontradas por indução, quer deduzidas logicamente, o que lhes dá um caráter absoluto.

Assim, Strauss adaptou os métodos científicos da lingüística à sua nova etnologia, expressando que os fenômenos da vida humana não são inteligíveis exceto se considerados nas suas inter-relações. Estas constituem uma estrutura, e por detrás das variações locais nos fenômenos de superfície agem leis constantes que regem a estrutura abstrata.

O estruturalismo arrasta consigo toda uma idéia segundo a qual a compreensão de um determinado elemento de um grupo só será verdadeiramente compreendida se, anteriormente o considerarmos como um simples elemento que se relaciona com todos os outros. Assim, a troca e a comunicação são uns dos elementos mais importantes na sua concepção de estruturalismo. A troca (circulação de bens, de pessoas, de serviços) constitui uma invariante de qualquer vida social. O método estruturalista combina a primazia com o sistema sobre os elementos e evidencia a permanência das relações, para além da diversidade dos significados.

Em sua obra intitulada "Estruturas Elementares do Parentesco" Strauss expressa que as relações de parentesco constituem um sistema que inclui dois subsistemas: o subsistema da denominação e o subsistema das atitudes e que são explicados por estruturas inconscientes. Ou seja, as relações de parentesco são uma das formas possíveis de trocasimbólica, que juntamente com todas as formas de comunicação, podem ser interpretadas a partir das suas infra-estruturas inconscientes. Esse princípio da troca tem como função especificar o princípio fundamental que é o princípio da proibição do incesto. Para chegar a essa conclusão, Strauss estudou as relações de parentesco de variadas civilizações, citando a relação pai/filho, filho/tio, irmão/irmã, caracterizando os diferentes traços culturais, apesar de perceber que em todas existia uma mesma relação fundamental considerada essencial para a formação do sistema.

Verificou que o caráter primitivo dos elementos do parentesco é a existência universal da proibição do incesto, sendo que as trocas matrimoniais nos grupos sociais é pressuposto fundamental, já que possibilita a manutenção da base cultural da sociedade. Dessa forma, os sistemas se reestruturavam, reatualizando as estruturas sempre numa mesma direção, o totem tabu.

Nesse ínterim, Strauss argumenta que toda sociedade faz parte de sistemas simbólicos articulados enquanto uma estrutura de linguagem e que os fenômenos fundamentais da vida humana são determinados por leis de atividade inconsciente, o sistema simbólico propriamente dito. A passagem da existência animal para a humana faz pela instauração da ordem simbólica, produzida pela instauração da lei, que é a proibição do incesto. Assim, o estruturalismo é uma razão natural, que tem como modelo a estrutura de linguagem, razão anterior a todas as razões e cujas razões nem sempre a nossa entende. É toda origem simbólica da sociedade em causa, é a predominância do significante que se impõe com uma lei.

Percebe-se que o elemento fundamental do estruturalismo "levistroniano" é o afastamento do real, do vivido, do empirismo. Desvaloriza a dimensão temporal, sendo que a estrutura não existe na realidade concreta, apesar de ser ela a definidora do sistema de relações e transformações possíveis dessa realidade. Assim, a estrutura designa não a realidade concreta, mas a lei ou o conjunto de leis que delimitam e determinam as modificações possíveis dos elementos do sistema, sendo um sistema de relações.

Strauss recusa a história, afirmando que a história tal como é escrita pelos historiadores positivos, não é sequer uma ciência. Para ele seria, quanto muito, um campo que o antropólogo estrutural deveria utilizar nas suas pesquisas. Por isso, tem uma concepção extremamente negativa da temporalidade. Deste modo, argumenta que a história é uma investigação das causalidades singulares enquanto que a antropologia estrutural procura empreender recorrências significativas que são mais gerais do que essas causalidades. Refletindo sobre os dados da história, a etnologia procura introduzir aí uma ordem exprimível sob a forma de leis. Esta posição é consumada quando refere que a história não é ciência, só a sua antropologia estrutural o poderá ser: enquanto que a história estuda o real (a realidade tal como se processa nos seus acontecimentos políticos, religiosos, filosóficos, etc.) a etnologia estuda as condições de possibilidade desse mesmo real.

A negação a dimensão temporal na análise sistêmica, é demonstrado por Strauss em sua obra "totemismo hoje", no qual faz uma dura crítica ao historicismo estruturalista de Radcliffe Brow. Afirma que não há uma distinção entre o pensamento primitivo e o moderno, pois todos partem de uma mesma base do conhecimento que está no espírito humano – lógica totêmica – e que é binário. Ao refazer o pensamento moderno e lógico se reconstitui também as vias do totemismo. Este não é um reflexo da sociedade primitiva, mas faz parte do espírito humano. É considerado um fato do espírito humano dado de uma única vez (sendo um ser humano, você é exogâmico, vive em grupo, etc.). Assim, o totemismo é atual, não precisando de um encadeamento de fatos, por isso também é a-histórico.

Nas palavras de Eduardo Prado coelho "o estruturalismo, embora sendo um nível de realidade, não é acessível a um conhecimento imediato e direto dessa realidade, é um antiempirismo; não é sincrônico e nem anacrônico, mas sim pancrônico, sendo um antihistoricismo"[7].

Uma resposta ao antihistoricismo "levistroniano" foi dado por Paul Ricoeur em seu livro intitulado "O conflito das interpretações. Ensaios da Hermenêutica". Em sua análise, valorizará a interpretação dos sentidos baseada na hermenêutica, tendo como objetivo marcante o resgate a pluralidade dos sentidos, pois somente assim poderia explicar os traços humanos. É o contrário do estruturalismo de Strauss, que prega o afastamento do vivido, centralizando a análise dos sentidos através do vivido. Dessa forma, Ricoeur ataca o desenvolvimento do estruturalismo como sendo um código universal, que permita ler qualquer rastro humano independente do tempo e do sujeito. Afirma que o Ser é uma possibilidade infinita de sentidos, apesar de manifestar de forma limitada mostrando-se através do tempo. Por isso, para captar os movimentos dos sentidos, deve captá-los no tempo histórico.

Percebe-se claramente as diferenças de pensamento do estruturalismo "levistroniano" e a teoria hermenêutica de Ricoeur, já que este pensa os sentidos, os traços humanos, sem desprezar o tempo histórico.

Ricoeur expressa que o estruturalismo somente mostrará sua eficiência quando abandonar a metafísica. Aquele seria válido relacionado com o vivido. Afastando o vivido, exclui todas as formas dos sentidos, empobrecendo-os.

Para Strauss, a tese desenvolvida por Ricoeur esvazia as humanidades, pois demonstra o afastamento gradual daquelas em relação à formação como ciência. Por isso, no estruturalismo a mudança é um meio de desdobramento da própria estrutura. Ricoeur confronta esta opinião expressando que o importante é o compreendimento humano, não importando a busca pela ciência, sendo que as humanidades sempre devem buscar a compreensão do homem.

Historiadores como Fernand Braudel, a história é apresentada como uma ciência indissociável ao tempo. Através de sua argumentação vai elevar o papel da história no contexto das ciências sociais. Para ele, não é possível deixar para trás o espírito da história. O diálogo de Braudel tinha como aspecto fundamental o desenvolvimento de uma história total. Não vai discordar do estruturalismo enquanto método, mas vai excluir de sua análise a defesa do estruturalismo que tinha como essencial o espírito humano.

Ele recusa fazer uma história baseada no tempo curto, no indivíduo, apesar de não negá-lo[8]. Por isso critica a tradicional história política que valoriza o personagem. Para Braudel, o sujeito age de acordo com as suas incumbências – sujeito/sujeitado.

Braudel propõe que se desvie o olhar do historiador. Sob a oscilação rápida dos acontecimentos de dimensão humana, que o historiador compara às pequenas ondas na superfície do mar, Braudel procura navegar em água profunda, a fim de encontrar a história mais lenta dos grupos humanos. Com ele, a história muda de objeto, porque muda de temporalidade. O tempo rápido do acontecimento, o sopro curto e dramático da batalha, ele substitui pelo tempo longo dos ritmos da vida material. No entender de Peter Burke, os pontos gerais comuns desse deslocamento seriam: "a orientação para uma história-problema em substituição à tradicional narrativa de acontecimentos, bem como a interdisciplinaridade e a busca da história de todas as atividades humanas"[9].

Contrapondo-se à história tradicional, por demais entregue ao evento, Braudel mergulha na estrutura, na longa duração, onde estão os seres humanos comuns, anônimos, em seu cotidiano. O evento, a mudança, para ser percebido, deve emergir da permanência, do tempo longo, das prisões da longa duração, para usar a expressão de Braudel. Construir uma dialética da duração, em que a estrutura, a conjuntura e o evento, ou seja, os tempos longo, médio e curto sejam apreciados e distinguidos, é o projeto de Braudel.

Braudel afirma que a história é a menos estrutural das ciências humanas, não abrindo mão da estrutura – longo tempo – mas com um caráter dinamizador. Vai propor a estrutura como ponte de diálogo entre as ciências humanas. A dialética da duração de Braudel consiste em, na perseguição ao tempo coletivo, ultrapassar o individuo e o evento sem negá-los, já que os integra em uma realidade mais complexa. As estruturas são elementos de longa duração, lentos, aparentemente imóveis, contínuos, permanentes; sustentam as oscilações cíclicas do tempo médio e exercem sobre os eventos uma contenção. Afirma que a importância da dialética da duração está na percepção da pluralidade do tempo social, na "oposição viva, íntima, repetida indefinidamente entre o instante e o tempo lento a escoar-se[10]". A base deste tempo dialético é a estrutura, "uma realidade que o tempo utiliza mal e veicula mui longamente[11]". Assim, visualiza estrutura, conjuntura e evento como camadas cuja espessura vai se modificando com o correr da história. No entanto, o tempo longo, "o reino do habitual, do rotineiro (...) invade o conjunto da vida dos homens, difunde-se nela como a sombra da tarde enche uma paisagem". (1987:19-20).

Analisando a discussão teórica descrita acima, podemos concluir que, independentemente da história ser acusada de não ser ciência, a aproximação com o vivido é muito importante, já que somente através dele é que criamos condições de compreender o homem. Mas devemos tomar muito cuidado, pois podemos cair na cilada do discurso, transformando nossa escrita em "contos de fadas". A saída de Braudel foi a introdução de modelos estruturais – estruturas permeadas por descontinuidades -, marcadas pela temporalidade.

Bibliografia

BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a História. São Paulo: Editora Perspectiva, 1992.

_________________Reflexões sobra a história. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

BURKE, Peter (org.): A Escrita da História. São Paulo: Editora UNESP, 1992.

COELHO, E. P. Introdução a um pensamento cruel: estruturas, estruturalidade, estruturalismos. In:Estruturalismo antologia de textos teóricos. Lisboa: Portugália, 1967 pg. I a LXXV.

LÉVI-SRAUSS, C. Introdução à obra de Marcel Mauss. In:Estruturalismo antologia de textos teóricos. Lisboa: Portugália, 1967 pg. 149-191.

_______________ Estruturalismo e crítica In: Estruturalismo antologia de textos teóricos. Lisboa: Portugália, 1967 pg. 393 – 397.

_______________ Antropologia estrutural I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975.

_______________ Antropologia estrutural II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975.

______________ As estruturas elementares do parentesco. Petrópolis: Ed. Vozes. 2003

______________ O Totemismo Hoje. Lisboa – Portugal: Edições 70.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. São Paulo: Editora Cultrix, 12º Ed., 1988.



[1] Seu livro "Curso de Lingüística Geral" de 1916 é resultado, entre outros elementos, de três cursos de lingüística que ministrou na sua terra natal. Com a publicação de sua obra, introduziu uma revolução copernicana na história da lingüística, já que ao invés de estudar a evolução da língua ao longo dos tempos, considera a língua num determinado momento para aí sim estudar toda sua estrutura.

[2]"L'Express", 15 de Maio de 1971.

[3] Ibid.

[4] Ibid.

[5] Entrevista à Bernardo Carvalho, in FOLHA DE S. PAULO, 22 de Outubro de 1989

[6] Este texto foi publicado com o título original L'Analyse Structurale en linguistique et anthropologie, "Word", Journal of the Linguistic Circle of New York, vol. I, n.º 2, Agosto de 1945, pp. 1-21

[7] COELHO, Eduardo Prado. Introdução a um pensamento cruel: estruturas, estruturalidade e estruturalismo. In: Estruturalismo antologia de textos teóricos. Lisboa: Portugália, 1967 pgs. XXV.

[8] Braudel pretende integrar o sujeito na "grande" história.

[9] BURKE, Peter (org.): A Escrita da História. São Paulo: Editora UNESP, 1992.

[10] BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a História. São Paulo: Editora Perspectiva, 1992 pg. 43.

[11] Ibid., p. 49.