Desde o processo de redemocratização do Brasil, no pós regime da ditadura militar, que governou o Brasil através de um golpe de estado entre os anos de 1964 e 1985, os movimentos que lutam pela democratização e criação de políticas públicas voltadas aos serviços prestados pelo estado como a educação, a saúde, a cidadania, dentre outros, vem se organizando no Brasil. Dentre esses serviços também está a comunicação, onde organizações intituladas como "movimentos pela democratização dos meios de comunicação" começaram a surgir.

O momento era de fim dos governos militares, que durante todas as suas gestões reprimiram qualquer informação que discordasse da política imposta pelo regime ditatorial, perseguindo segmentos representativos da sociedade civil organizada que eram impedidos de veicular suas opiniões e resumiam suas publicações à clandestinidade à época.

A época da ditadura militar serviu como a era da distribuição das concessões no Brasil. O Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), aprovado ainda no ano de 1962, dois anos antes do início dos governos militares, facilitou bastante a ocupação dos espaços de radiodifusão. A época, o país era governado pelo presidente João Goulart, que segundo revista publicada pelo Intervozes (2007, p.05), seu governo encontrou diversas resistências em manter vetos a artigos que facilitavam a farra do sistema de comunicação da época.

Neste momento também surgia a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), entidade representativa dos donos das emissoras e que foi a responsável pela pressão para derrubar os 57 vetos do presidente Goulart, incluindo o que impedia a renovação automática das concessões para o exercício da prestação de serviços no sistema de comunicação brasileiro. A formação da entidade está ligada a reunião de radiodifusores que tinham forte ligação com o congresso nacional, fato não muito diferente do atual momento vivido pela comunicação no Brasil.

Intervozes (Idem, idem) revela ainda que no governo militar do general João Baptista Figueiredo, entre os anos de 1979 e 1985, foram concedidos 634 canais de radiodifusão, 295 rádios AM, 40 emissoras de TV e 299 rádios FM.

1.1 Criação da FNPDC

Segundo Pereira (1987) e Souza (1996), ainda no processo de transição dos governos, do regime militar para o democrático, esses movimentos começaram a se articular no início da década de 1980 reunindo a Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec), Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Santa Catarina, Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão, Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Comunicação dentre outras entidades, que mais tarde integrariam a Frente Nacional por Políticas Democráticas de Comunicação (FNPDC).

O surgimento da FNPDC se deu a partir de inquietações de um grupo de estudantes e professores da Universidade Federal de Santa Catarina, quando em setembro de 1980 lançaram um documento questionando a monopolização dos meios de comunicação no Brasil, que foi apresentado e aceito pelos participantes da 9ª edição do Encontro Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (Enecom), realizado no mesmo ano na cidade de Curitiba. No ano de 1983, esse mesmo documento foi apresentado o IV Encontro Latino-Americano de Faculdades de Comunicação, que aconteceu na cidade de Florianópolis e que ao término do evento convocou uma reunião ampla para a criação da frente, que oficializou sua origem no dia 4 de julho de 1984 (MEKSENAS, 2002, p. 185-186).

Com a criação da FNPDC, esta parcela da sociedade começou a ganhar mais espaços de debates na via institucional, sendo ouvido por governos e ganhando a notoriedade da população brasileira. A partir de então, essa frente começou a realizar debates e manifestações no sentido de abrir a "caixa preta" do misterioso universo da comunicação social no Brasil, questionando temas como concessão pública de radiodifusão, conteúdo das programações dos meios, produção midiática comunitária e regional, monopólio e oligopólio dos meios e regulamentação dos veículos de comunicação social, temas de interesse dos governos e usado como "moeda de troca" entre empresários financiadores e políticos financiados.

Na criação da Contituinte em 1988, a frente teve seu auge de mobilização e através da Carta de Brasília[1] apresentou uma série de reivindicações, dentre elas a criação de um sistema público de comunicação. O movimento amargou também grandes derrotas como a não aprovação de um Conselho Nacional de Comunicação Social em caráter deliberativo e o debate pouco avançado sobre a as questões que tangem a distribuição e renovação das concessões públicas de rádio e televisão no Brasil.

O empresariado via as propostas da FNPDC como prejudiciais ao sistema democrático brasileiro, "a criação do Conselho Nacional de Comunicação Social é um novo órgão de censura e o estabelecimento do sistema público para concessão de canais de comunicação estatiza os meios de comunicação" (Idem, 2003, p. 186).

Mesmo enfrentando diversas dificuldades de organização, esse movimento teve grande importância para o começo da aglutinação de segmentos da sociedade que discordavam do sistema de comunicação vigente na época.Essas rejeições por parte do empresariado serviu para ampliar ainda mais o debate a cerca da comunicação no Brasil, onde, impulsionada pela Fenaj, a frente consegui expandir suas bases para grande parte do território nacional, chegando a ter atuação em dezoito estados.

Essa frente, assim como demais mecanismos da sociedade civil, formaram a Assembléia Constituinte, espaço criado para o fortalecimento dos anseios da classe trabalhadora que enviaram propostas de emenda à Constituição Federal, porém nem todas elas tiveram êxito. Assim também aconteceu com os movimentos que formavam a luta pela democratização, que para a criação do Conselho Nacional de Comunicação obteve 32.379 assinaturas a emenda constitucional, enquanto entidades de direita que atuavam no sentido contrário a essa assembléia, como a Associação dos Censores Federais e a Associação dos Delegados da Polícia Federal, obtiveram 67.136 assinaturas à emenda contrária a criação do conselho (Idem, 2003, p. 186).

1.2 Antes da constituinte

Em 1987, um ano anterior à constituição, serviu para a distribuição de concessões para a operação de rádios e/ou televisão comandadas por Antônio Carlos Magalhães (ACM), ministro das comunicações à época, e pelo presidente José Sarney. Sarney lutava para esticar seu mandato para cinco anos e era um dos impulsionadores do presidencialismo no Brasil.

Apoiados na regulamentação precária do sistema de comunicação no país, Sarney e ACM distribuíram 1028 outorgas para a operação de radiodifusão, concentrando 25% dessas permissões no mês de setembro de 1988, mês anterior a promulgação da constituição que ocorreu em 05 de outubro do mesmo ano.

Intervozes (Idem, p.06) afirma ainda que dos 91 constituintes presenteados com as concessões, 84 (92,3%) votaram a favor do presidencialismo e 82 (90,1%) votaram a favor do mandato de 5 anos para presidente.

Com a constituição, foi criado o capítulo V, que versa sobre o controle em relação à Comunicação Social, mas as concessões já ofertadas não tiveram seus debates revisados, permanecendo os mesmos donos até os dias de hoje, com raras exceções onde concessões mudaram de permissionário.

1.3 Surgimento do FNDC

Além de reunir setores que começavam a ampliar o debate sobre democratização da comunicação, a FNPC também foi responsável pelo surgimento do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), que surgiu como movimento e hoje é uma das principais entidades na América Latina sobre o debate de políticas públicas de comunicação[2].

Desde a criação da frente, os movimentos que lutavam pela democratização da mídia ganhariam com o passar dos tempos novos aliados, como a Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (Enecos), a Federação Interestadual dos Trabalhadores em Radiodifusão e Televisão (FITERT), a Associação Nacional dos Artistas e Técnicos em Espetáculos (ANEATE), Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (FITTEL), que fundariam no ano de 1995 o FNDC, mas que já atuava como movimento social desde o ano de 1991.

Muitos dos movimentos que faziam parta da FNPDC e que se desmobilizaram em torno da construção de um único projeto de democratização após as derrotas e desgastes provocadas pela aprovação do capítulo V da constituição da forma como os empresários queriam, encontraram nessa nova organização, agora já enquanto fórum e mais fortalecido, um espaço para voltar a unificar os debates e lutam em torno da democratização da comunicação.

Outros movimentos que não tinham como principal bandeira a comunicação, como a OAB e o Conselho Federal de Psicologia (CFP), também ajudaram na construção do FNDC e onde o CFP ocupa a atual coordenação executiva 2009-2011 do fórum.

A busca pela criação de um espaço para debater essas questões no que se refere à Comunicação vem desde a criação da Frente Nacional Por Políticas Democráticas de Comunicação, mas só a partir do final de 2006 que o FNDC colocou como seu objetivo principal para 2007 a realização de uma conferência nacional para tratar do assunto.

1.4 Sistema de telecomunicação vendido

Outro fato bastante atrelado a luta pela democratização da comunicação foi o movimento de resistência à privatização do setor de telecomunicações, desencadeados pelo governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso (FHC), do Partido Social Democracia Brasileira (PSDB) e seus aliados.

Durante todo o regime dos governos militares, a preocupação em manter a monopolização das telecomunicações no Brasil foi intensa, desde manutenção do Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), criado no governo de João Goulart em 1962 através da lei 4117, até a criação da Empresa Brasil de Telecomunicações (Embratel), em 1965, que junto à lei 162 retirou dos municípios e estados da federação o direito de legislar sobre o sistema de telecomunicações brasileiro, cabendo apenas ao governo federal essa atribuição. O CBT versava sobre o controle das telecomunicações por parte do estado nacional, mas não falava sobre a estatização do sistema de radiodifusão brasileiro, idéia defendida pelas idéias progressistas de João Goulart.

O governo militar tinha o claro interesse de manter sob o seu controle qualquer forma de possibilitar a comunicação entre brasileiros e exterior, fazendo inclusive com que o setor privado nacional participasse desse setor apenas na forma de concessão. O governo da ditadura criou ainda o Conselho Nacional de Telecomunicações (Contel) e o Ministério das Comunicações (Minicom), que reforçavam ainda mais o controle desse sistema por parte do regime militar vigente à época.

Ao fim do regime militar e o início dos debates em torno da aprovação da Constituição, no ano de 1988, alguns parlamentares defensores da política neoliberal começaram a levantar o debate em torno da entrada do capital estrangeiro nas telecomunicações brasileiras. Debate esse levado à Comissão Temática de Comunicações e à Subcomissão de Ciência e Tecnologia, onde essas idéias foram reprovadas por essas instâncias legislativas. Mesmo com a defesa do monopólio estatal ao sistema de telecomunicações e aprovação desse sistema na Constituição, abriu-se a brecha para que no prazo posterior a cinco anos essa e outras áreas estatais, como petróleo e saúde, pudessem ser revistas, fato que não aconteceu nos governos de Fernando Collor (1989-1992) nem no de Itamar Franco (1992-1995).

Com a entrada de Fernando Henrique e seu partido PSDB na presidência, o debate em torno da quebra do monopólio estatal das telecomunicações voltou à tona e a revisão à constituição no ponto que versa sobre esse segmento também, quando em 1995 o governo federal enviou para apreciação do congresso nacional uma emenda constitucional que

eliminava a reserva de mercado das empresas estatais de telecomunicações e estabelecia que a União poderia conceder a exploração dos serviços telefônicos, de telecomunicações e de transmissão de dados. Não havia nenhum tipo de restrição à origem do capital das empresas e nem era previsto a regulamentação dos setores por meio de legislação ordinária (José Eduardo Pereira Filho no livro O Brasil Não é Mais Aquele... mudanças sociais após a redemocratização, 2001, p. 286).

Com essa atitude do governo de Fernando Henrique, o Brasil tornava ainda mais precária seu controle público da comunicação, ou políticas públicas de comunicação, onde além da intervenção do capital privado, o sistema agora passava a não ter uma regulamentação.

FHC, junto ao congresso nacional, aprovou ainda outras medidas nesse setor como a Lei Mínima em 1996, que permitiu a atuação do setor privado no sistema de telecomunicação móvel, a criação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Lei Geral de Telecomunicações (LGT) que atribuiu apenas ao presidente da república a regulamentação da entrada do capital privado no setor, funcionando através de decretos.

Ainda que conseguindo ampla maioria no congresso em seu processo de privatização do sistema de telecomunicações no Brasil, o governo de FHC encontrou resistência por parte de movimentos sociais e parlamentares que defendiam o controle dos sistemas de comunicação por parte do estado e gerido por políticas públicas que garantissem a participação e intervenção popular nessas decisões.

Anterior a quebra do monopólio estatal, movimentos que defendiam a democratização da comunicação, impulsionamos pelos chamamentos da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Sindicato dos Trabalhadores de Pesquisa, Ciência e Tecnologia de Campinas e região (SinTPq) e a Federação Interestadual de Trabalhadores em Telecomunicações (FITTEL), organizaram greves que abarcaram setores como petroleiros, telefônicos, eletricitários, previdenciários e funcionários públicos das universidades.

Mesmo amargando derrotas nesse setor, o movimento seguiu fazendo debates e contribuindo para a construção de um sistema público de comunicação no Brasil, incluindo a participação no FDNC.


Bibliografia


AGOSTINHO, André Vieira de Almeida. Democratização dos meios de comunicação: da origem no pós ditadura à conferência nacional de comunicação social. 2009. Disponível em < http://www.proconferenciams.com/2009/08/democratizacao-dos-meios-de-comunicacao.html >, acessado em 28 de agosto de 2009.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado,1998.

BRASÍLIA. Decreto de 16 de abril de 2009. Convoca a 1a Conferência Nacional de Comunicação - CONFECOM e dá outras providências. 2009.

BAYMA, Israel Fernando de Carvalho. A concentração da propriedade dos meios de comunicação e o coronelismo eletrônico no Brasil. Brasília: Liderança do PT da Câmara dos Deputados, 2001.

MEKSENAS, Paulo. Cidadania, poder e comunicação. São Paulo: Cortez, 2002.

PEREIRA, Moacir. A democratização da comunicação: o direito à informar na Constituinte. São Paulo: Global, 1987.

PEREIRA FILHO, José Eduardo. A privatização das Teles. O Brasil não é mais aquele... Mudanças sociais após a redemocratização.



[1] A Carta de Brasília foi apresentada durante o Encontro Nacional dos Jornalistas em abril de 1986, que teve como tema "A Comunicação na Constituinte".

[2] Informações extraídas do site do FNDC no link http://www.fndc.org.br/internas.php?p=internas&lay
_key=5&cont_key=10,
acessado no dia 21 de agosto de 2009.