O encarceramento de delinqüentes existe desde os tempos mais remotos, no entanto em sua origem não era constituído como caráter de pena, tendo por sua aplicação razões diversas, por meio dos direitos ditados pela Lei de Talião e o Código de Hamurábi, baseando-se na religião, moral e vingança.

Na antiguidade, inicialmente era comum o infrator ser expulso de seu grupo, com a finalidade de excluí-lo do meio de convivência e evitar que influenciasse as atitudes dos demais membros. Com o surgimento de sociedades mais organizadas criou-se um sistema em que a punição do infrator tinha a finalidade de repreensão, objetivando assegurar que ao individuo seria aplicada a pena de morte, tendo o propósito específico de servir de “depósito” para conter e guardar os réus sob custódia até o momento de seu julgamento, e durante esse tempo eram aplicadas técnicas de tortura, passando ao cárcere a idéia de suplício.

Para Foucault, o suplício se inseriu tão fortemente na prática judicial, porque é revelador da verdade e agente do poder. Ele promove a articulação do escrito com o oral, do secreto com público, do processo de inquérito com a operação de confissão; permite que o crime seja reproduzido e voltado contra o corpo visível do criminoso, faz com que o crime, no mesmo horror, se manifeste e anule[1].

Na Grécia era comum a prisão de devedores que ficavam detidos até o quitamento das sua dívidas, e, a fim de garantir o créditos, estes serviam de escravos para os seus credores, prática que primordialmente possuía caráter privado até o momento em que tornou-se pública com o intuito de amedrontar e forçar o devedor a pagar seus débitos, por si ou por terceiro, constituindo uma forma de penalidade civil [2].

Assim, Zaffaroni e Pierangeli, não hesitam em afirmar que quando um cidadão não paga uma indenização devida como resultado da violação de um contrato é forçado a fazê-lo (dele é expropriado algo de valor), mas os homens dessa massa criminalizada nada possuíam. O que deles se expropriava? A única coisa que podiam oferecer no mercado: sua capacidade de trabalho, sua liberdade[3].

Durante a Baixa Idade Média houve predominância do direito individualista em relação à aplicação das sanções, que por sua vez eram direcionadas aos delitos causados por meio da “perda da paz”, ou imposição de fiança. A primeira, consistia na ausência da proteção social, podendo qualquer pessoa agredir ou matar o condenado sem responder por suas ações, idéia que originou os piores e mais sangrentos tormentos, que eram realizados em praça pública como forma de distração e lazer para o povo, constituindo-se o espetáculo favorito das multidões; no entanto, ao passar do tempo, as autoridades da época verificaram que ante o aumento da violência nas sociedades, fazia-se necessário uma forma de castigo que não evoluísse para o sangue ou anarquia, resultando na imposição de fiança a aqueles que cometiam pequenos delitos.

Em decorrência da evolução da prestação pecuniária em troca da liberdade formou-se a prisão-custódia, anteriormente iniciada na antiguidade, no entanto dividia-se em Prisão de Estado, aplicável aos inimigos do estado e adversários políticos dos governantes[4], e Prisão Eclesiástica que destinava-se àqueles que recusavam-se a adotar as idéias da Igreja, sendo retidos em mosteiros para que pudessem refletir e meditar acerca do mal causado, por meio de fustigação corporal, escuridão, isolamento e jejum[5].

Neste período em que o sistema punitivo destaca-se por ter sido desumano e ineficaz, contrasta-se com a Prisão Eclesiástica, que traz consigo idéias voltadas à busca da reabilitação e correção do recluso, por meio do isolamento celular que protege o indivíduo do contágio moral[6]. Assim, constata-se que o direito canônico foi um antecedente indispensável da prisão moderna, contribuindo consideravelmente para seu surgimento e desenvolvimento, onde o castigo não deve orientar-se à destruição do culpado, e sim para o seu melhoramento.

Como bem afirma Miotto, a Igreja não admitindo entre as suas penas, a de morte, teve, desde tempos remotos, locais de recolhimento para quem desejava aperfeiçoar-se, neles se retirando a fim de fazer penitência, eram esses os penitenciários, de cuja evolução resultariam as prisões para cumprimento de pena, as penitenciárias, denominação essa que foi adotada pela Justiça secular quando adotou a privação de liberdade, com recolhimento a estabelecimento adequado, como pena[7].

Com a devastação causada pela “peste negra” surgiram inúmeras problematizações que envolviam pobreza, distúrbios religiosos, e mendicância; perde-se a segurança e inicia-se o crescimento desmesuradamente da população em decorrência do êxodo rural formado por aqueles que buscavam melhores condições de vida nas cidades mais desenvolvidas. Tornou-se uma área cada vez menor, para uma população em constante crescimento, acarretando no surgimento de uma delinqüência em massa, formada por hereges, incrédulos, rebeldes, e mendigos, que viam-se proibidos de entrar nas cidades devido a superlotação; desta maneira, forçados a permanecerem nas estradas, contribuíram para o aumento da criminalidade, sendo necessária a busca de novos métodos que tornassem a lei penal mais efetiva para que houvesse um meio de defesa dos perigos sociais.

Em meados do século XVI, iniciou-se um movimento gritante de transcendência que buscava o desenvolvimento das penas privativas de liberdade, bem como construção e adaptação de prisões organizadas, para que proporcionassem correção aos apenados de delitos menores, ou a pequena delinqüência, resultando em uma grande mudança, pois os meios de punição anteriormente utilizados como o açoite e a execução foram substituídos por instituições de correção, que consistiam na reforma dos autores de delito por meio do trabalho forçado, disciplina, castigo corporal e instrução religiosa, tendo estas instituições o objetivo não só de corrigir, mas igualmente o de prevenir o aumento da delinqüência, desestimulando a prática de futuros ilícitos; ao tempo em que surge em todas as camadas sociais atitudes de protesto contra os suplícios, surgindo assim as primeiras correntes humanistas que visavam o desenvolvimento, sendo determinada a construção de casas de correção ou trabalho, estabelecendo-se uma relação entre a utilização de mão de obra dos reclusos e a prisão.

As casas de trabalho surgiram originalmente com o propósito de tirar das ruas os mendigos e vagabundos, ensinado-lhes um ofício, para que, quando em liberdade pudessem  exercer uma profissão digna e ganhar o próprio sustento, reduzindo os níveis de mendicância e criminalidade, sendo cada vez mais vantajosos para o Estado, que não teria mais a inconveniência de custear os ociosos[8].

Ocorre que, diante de guerras e conflitos sociais, determinados países tiveram uma brusca redução de suas riquezas, empobrecendo os sistemas mercantil e proletariado, causando escassez de força de trabalho externa, vez que os trabalhadores recém treinados retornaram para seus lugares de origem, e aqueles remanescentes passaram a exigir melhorias consideráveis em suas condições de trabalho, sendo assim, têm início o auge das casas de trabalho. Tais instituições foram construídas sob os pilares do trabalho e disciplina rígida, estando ausente o caráter ressocializador, e sim, meramente de confinamento, com o intuito de exercer função reguladora dos salários exigidos pela classe de operários, tornando-se um elemento valioso para a economia, pois se fazia necessária para sanar tamanha ausência de trabalhadores, sendo entregues a empresas privadas ou permanecendo sob o controle das autoridades administrativas.

Na segunda metade do século XVII verificou-se que a pena de morte não era solução, pois havia a finalidade e o propósito de evitar que houvesse o desperdício da mão-de-obra oferecida pelos encarcerados, que garantiam a produção, educação, e reprodução da força de trabalho que o capital necessitava, na medida em que era mais vantajoso para a economia manter o cárcere ao invés de custear inúmeras execuções e julgamentos, estabelecendo-se desta maneira uma relação entre força de trabalho e trabalhos forçados, constatando-se que a prisão surgiu não somente sob um impulso humanista, mas deve-se também a estrutura sócio-econômica da época. Segundo o entendimento de Rushe, o lucro configura a razão pela qual a prisão surge como forma de punição, fazer do sistema penal um sistema produtivo foi o grande ideal de todo o projeto mercantilista[9].

Com o início da Revolução Industrial do século XIX e o surgimento das máquinas à vapor o trabalho manual perdeu o seu valor; o índice de desemprego teve um aumento assustador. Diante da abundância de força de trabalho livre, os trabalhos forçados e as casas de trabalho foram perdendo o propósito de sua existência, estando completamente fora de questão sustentar um sistema remunerativo nele baseado dentro da prisão, transformando o trabalho penitenciário em técnicas de tortura[10].

Neste diapasão, com o aumento da população carcerária os modelos punitivos passam a se diversificar dando passagem a uma penalidade de detenção, tornando o cárcere a principal forma de punição no mundo, aplicável de forma gradativa, de acordo com a gravidade do crime cometido e a posição social do autor, possuindo uma administração ineficaz e defeituosa, sob a qual os prisioneiros eram submetidos ao açoite, fome, e trabalho duro. Sob o crescente número de condenações elevou-se a preocupação dos pensadores em projetar um método de tratamento que posteriormente acarretasse na não reincidência dos apenados, e conseqüentemente na redução da quantidade detentos.

A Revolução Francesa e a edição da Declaração de Direitos Humanos trazem consigo o fim do antigo sistema penal e a criação de direitos e garantias inerentes ao infrator, que passa a ser visto como pessoa humana, sendo-lhe assegurado a proporcionalidade da pena e assistência estatal.

No século XX há o surgimento de idéias ressocializadoras transformando a pena de prisão em um objeto de reeducação e ressocialização do preso, que, em tese, deveria ser imposta observando-se sete princípios básicos da boa condição penitenciária[11], de que ainda hoje se esperam efeitos reais. São eles:

1)     A detenção penal deve ter por função essencial a transformação  do comportamento do indivíduo;

2)     Os detentos devem ser isolados ou pelo menos repartidos de acordo com a gravidade penal de seu ato, mas principalmente segundo sua idade, suas disposições, as técnicas de correção que se pretende utilizar para com eles, as fases de sua transformação;

3)     As penas, cujo desenrolar deve poder ser modificado segundo a individualidade dos detentos, os resultados obtidos, os progressos ou as recaídas;

4)     O trabalho deve ser uma das peças essenciais da transformação e da  socialização progressiva dos detentos;

5)     A educação do detento é, por parte do poder público, ao mesmo tempo uma precaução indispensável no interesse da sociedade e uma obrigação pra com o detento;

6)     O regime da prisão deve ser, pelo menos em parte, controlado e assumido por um pessoal especializado que possua as capacidades morais e técnicas de zelar pela boa formação dos indivíduos;

7)     O encarceramento deve ser acompanhado de medidas de controle e de assistência até a readaptação definitiva do antigo detento.   

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 BITENCOURT, César Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 3ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2004.

MELOSSI, Dario, PAVARINI, Massimo. Cárcere e Fábrica – As origens do sistema penitenciário (séculos XVI-XIX).Rio de Janeiro: Editora Renavan: Instituto Carioca de Criminologia, 2006.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 28ª edição; Petrópolis: Vozes, 2004.

MIOTTO, Armida Bergamini. Temas penitenciários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992.

RUSCHE, George, KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos: Instituto Carioca de Criminologia, 1999.

RUSCHE, George, KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Revan: Instituto carioca de criminologia, 2004.

SILVA, Marisya Souza e. Crimes Hediondos e progressão do regime prisional. 1ª edição, Curitiba: Juruá, 2008

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 4. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.



[1]  FOUCAULT, 2004, p.47.

[2]  Cezar Roberto Bitencourt, 2004, p. 06.

[3]  Zaffaroni e Pierangeli, 2002, p. 263.

[4]  De acordo com Bitencourt, 2004, p. 09;    Na prisão de estado eram recolhidos os inimigos do poder real, ou senhorial, que tivessem cometido delitos de traição, bem como os adversários políticos dos governantes, subdividindo-se em prisão custódia, onde o condenado aguarda a aplicação da pena designada, ou, detenção, a qual os réus esperam o perdão do rei.

[5] Bitencourt, 2004, p. 12.

[6] Segundo Bitencourt, 2004, p. 12, as regras de detenção na prisão monacal baseavam-se no pensamento de que a oração, arrependimento, e a contrição eram mais eficazes do que a mera fora de coação; desta forma, não bastava a reclusão, devendo complementar-se com idéias voltadas à procura da reabilitação e purificação do recluso.

 

[7]  Miotto, 1992, p.25.

[8]  Georg Rushe e Otto Kirchleimer, 1999, p. 73.

[9]  Rushe, 2004, p.103.

[10]  Dario Melossi e Massimo Pavarini, 2006, pp. 69- 81 e 83

[11]  Michel Foucault, 1999, pp. 237-238, estabelece respectivamente os sete princípios da boa condição penitenciária como sendo: princípio da correção, princípio da classificação, princípio da modulação das penas, princípio do trabalho como obrigação e direito, princípio da educação penitenciária, princípio do controle técnico da detenção, e, princípio das instituições anexas.