História do Ensino Médio no Brasil – Parte II

 

            A redemocratização política no país com o fim do estado militar, entre outros fatores, passou a exigir da educação e do ensino médio, a resignificação de suas funções. Para Laval (2004), estas mudanças na educação devem ser entendidas no quadro mais geral das transformações do capitalismo desde os anos de 1980:

mundialização das trocas, funcionalização das economias, desengajamento do Estado, privatização das empresas públicas e transformações dos serviços públicos em quase-empresas, expansão dos processos de mercantilização ao lazer e à cultura, mobilização geral dos assalariados em uma “guerra econômica” geral, questionamento das proteções aos assalariados, sujeição a disciplina pelo medo do desemprego. (…) uma mutação do capitalismo. (LAVAL, 2004, p. 14/15 apud RODRIGUES, 2011, p. 193.)

 

            Rodrigues afirma que neste cenário é promulgado a LDB nº 9394/96, que entre as alterações está o rompimento com a trajetória entre cursos acadêmicos e profissionais do ensino secundário criada em 1953, caracterizando a educação profissional em nível de ensino autônomo, pós-médio e como caminho ao ensino superior, bem como a definição do ensino médio como etapa final da Educação Básica, voltada a formação geral, a preparação básica ao trabalho e ao exercício da cidadania. O secundário é associado ao conceito de flexibilidade e as escolas passam a ter “autonomia” na definição dos currículos e na organização do ensino.

            Com o Decreto nº 2.208/97, a educação profissional fica sem um responsável claro e “é neste vácuo de responsabilidade que se fortalece discurso e implementação de parcerias e, com essas, a privatização dos serviços públicos e a incorporação dos valores do mercado na gestão escolar.” (RODRIGUES, 2011, p. 195). Nesta produção teórica que fundamenta a Reforma do Ensino Médio, transparece a expansão do sistema do capital, que tem a educação como ferramenta para suprir suas necessidades, como mostra Rodrigues citando a introdução dos parâmetros (2002):

Nas décadas de 60 e 70, considerando o nível de desenvolvimento da industrialização da América Latina, a política educacional vigente priorizou, como finalidade para o Ensino Médio, a formação de especialistas capazes de dominar a utilização de maquinarias ou de dirigir processos de produção. Esta tendência levou o Brasil, na década de 1970, a propor a profissionalização compulsória, estratégica que também visava a diminuir a pressão da demanda sobre o Ensino Superior.

Na década de 90, enfrentamos um desafio de outra ordem. O volume de informações, produzido em decorrência das novas tecnologias, é constantemente superado, criando novos parâmetros para a formação dos cidadãos. Não se trata mais de acumular conhecimentos.

A formação do aluno deve ter como alvo principal a aquisição de conhecimentos básicos, a preparação cientifica e a capacidade de utilizar as diferentes tecnologias relativas ás áreas de atuação. (BRASIL, 2002, p. 15 apud RODRIGUES, 2011, p. 198).

 

            Para Rodrigues, fica claro que estes eixos colocam novamente em questão a Teoria do Capital Humano, base da política de educação do Estado Militar, pois investir na educação continua sendo qualificar mão de obra. A diferença está no papel a ser desempenhado pelo estado, pois se no primeiro momento o processo de formação era mantido diretamente pela esfera pública, no momento atual, cabe ao mercado esta tarefa. Sendo assim, a iniciativa privada passa a assumir esta função de qualificar mão de obra, recebendo recursos do estado ou oferecendo cursos individuais para que o trabalhador sinta a necessidade de se preparar profissionalmente para continuar competindo no mercado de trabalho. Portanto, percebe-se com mais clareza os diferentes papeis do Estado e da esfera privada em relação à educação média. Ao Estado:

 

(…) cabe a tarefa de propiciar, para a maioria da população, um ensino que desenvolva as competências básicas para o exercício de uma futura vida profissional, para a prática da cidadania e para relacionar-se com as novas tecnologias. (RODRIGUES, 2011, p. 200).

 

            A esfera privada, para Rodrigues (2011, p. 200), cabe a “formação e qualificação técnico-científica voltada para o aprimoramento profissional, segundo as demandas de um mundo do trabalho em constante transformação”. Assim, estabelece-se a ideia de que o processo de qualificação deve ser constante e de responsabilidade individual, para obter-se melhor vantagem na disputa por uma ocupação.

            A revogação do Decreto nº 2.208/97, substituído pelo Decreto nº 5.154/04, pode ser entendido como uma importante ruptura em relação ao conjunto de políticas estabelecidas pela Reforma do Ensino Médio, pois segundo Rodrigues, traz a possibilidade de oferta conjunta da formação geral e profissional, ou seja, o ensino médio integrado, que apesar de não estar consolidado concretamente em toda rede pública, possui elementos importantes para o debate progressista da educação, ou seja, proporciona

a formação omnilateral do ser humano, desenvolvendo suas várias dimensões e procurando articular a ciência, não de uma forma utilitarista, de simples aplicabilidade, mas como integrante dos processos que configuram as relações e formas de trabalho e, numa perspectiva de totalidade, a vida das pessoas. (RODRIGUES, 2011, p. 204).

 

            Para o autor, tratando da última década, as políticas educacionais para o ensino médio, são indicativos das continuidades e rupturas experimentadas por esta etapa de ensino, que estão longe de se esgotar.

 

 

Eloísa A. Cerino Rosa Lima - Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe, Curso de Geografia – Unesp

Eduarda Carvalho Camargo – Licenciada em História - Unopar

Eleonora Osana Moreira da Rosa – Licenciada em Letras – ULBRA