História do Ensino Médio no Brasil – Parte I

            Romir Rodrigues (2011), tratando da história do Ensino Médio no Brasil, acredita que a educação brasileira, pode ser entendida como uma jornada de um conjunto de objetivos e finalidades e constituiu-se com dualidade em sua estrutura. Para ele, ela garante

uma formação propedêutica, voltada para os integrantes da elite que conseguiam continuar os estudos em direção ao ensino superior, e uma formação profissionalizante, vinculada à classe trabalhadora, e preparatória para o ingresso mais imediato no mercado de trabalho. (RODRIGUES, 2011, p. 182).

            A partir daí, é possível compreender dois diferentes papeis da educação. Partindo da análise que Rodrigues faz da obra “Educação e a crise do capital real” (2003), de Gaudêncio Frigotto, o primeiro papel de perspectiva liberal da educação compreende que:

A educação e a formação humana terão como sujeito definidor as necessidades, as demandas do processo de acumulação de capital sob diferentes formas históricas de sociedade que assumir. Ou seja, reguladas e subordinadas pela esfera privada, e à sua reprodução. (FRIGOTTO, 1995, p. 30apud RODRIGUES, 2011, p. 182).

           O segundo papel e em contraposição ao primeiro entendimento, entende que a realidade social é uma totalidade de relações econômicas e sociais em constante movimento, no qual a educação

(…) não é reduzida a fator, mas é concebida como uma pratica social, uma atividade humana e histórica que se define no conjunto das relações sociais, no embate dos grupos ou classes sociais, sendo ela mesma forma especifica de relação social. O sujeito dos processos educativos aqui é o homem e suas múltiplas e históricas necessidades (materiais, biológicas, psíquicas, afetivas, estéticas, lúdicas). (FRIGOTTO, 1995, p.31 apud RODRIGUES, 2011, p. 182/183).

            Nesse sentido, historicamente, a educação tem sido um espaço de disputa de hegemonia, onde as diferentes concepções estão presentes. Portanto, o ensino médio tem se caracterizado como ferramenta de função utilitarista regida pelas necessidades do mercado. Para Rodrigues, até o início do século 20, o ensino secundário não apresentava estas características, pois era ferramenta para a formação de parte das elites (adolescentes livres privilegiados e de preferência do sexo masculino) e cumpria o exclusivo papel de prepará-los para o ingresso no ensino superior. Em 1909, foram criadas as escolas de artes e ofícios que caminhavam por um viés assistencialista e servia para a “formação do caráter” de jovens pobres e órfãos.  Incluíam o curso rural e o curso profissional, permitindo acesso apenas a cursos técnicos, nas áreas comercial, agrícola e normal, em nível ginasial e terminal, sem possibilidade para o avanço ao ensino superior.

            Desta forma, educadores e políticos ligados ao setor industrial e urbano, que disputavam com a oligarquia rural, passaram a exigir do estado uma expansão no ensino. Nesse momento, desenvolveu-se um diálogo com diferentes modelos educativos desenvolvidos em diferentes países. Rodrigues afirma que o curso passou por um conjunto de reformas, porém não no sentido de mudanças em suas finalidades.

            A partir da década de 30, segundo Rodrigues, ocorreram profundas transformações no cenário econômico e social do Brasil. As oligarquias rurais enfraquecidas deram espaço à intensificação do processo de industrialização. Este novo cenário marca para o ensino médio, o início de um conjunto de reformas no sentido de democratizar o acesso e estabelecer novas relações entre a educação e as necessidades do capital, impulsionadas pelas pressões sociais que começavam a ser avolumar por parte da intelectualidade brasileira, influenciadas pela “Escola nova”, porem reafirmando a estrutura dualista, enfatizando o “espírito nacionalista” e colocando o conhecimento em segundo plano. Para o autor

O período em tela é o da vigência da reforma Capanema – Decreto n​° 4.244/42, fortemente influenciada pela ideologia nacionalista própria desse momento histórico, na qual a educação tinha a função principal de propiciar à formação moral dos estudantes, relegando para um segundo plano a transmissão de conhecimento. (…) Evidenciava-se uma vinculação da educação ás questões de afirmação da nacionalidade e da segurança nacional. (RODRIGUES, 2011, p.186).

            Rodrigues afirma ainda, que nas décadas de 1950 e 1960, com o crescimento do processo de industrialização e a pressão dos Estados Unidos em favor de uma política de reforço dos princípios liberais, e combate as iniciativas socialistas, o ensino médio passa a ser uma importante ferramenta para potencializar e consolidar o capitalismo industrial no Brasil e promover a inserção do país na estrutura da economia mundial” (2011, p. 187), mesmo assim, este foi um período de democratização do acesso ao ensino médio que teve aumento de 296,6%. Com o golpe militar de 1964 e o estabelecimento de um governo extremamente ditatorial, a educação brasileira sofreu significativas alterações. O ensino secundário passou a ser chamado de “2° grau” e seus objetivos e finalidades eram de relacionar educação e trabalho, ou seja, educação e ocupação, subordinando à educação a produção, assim só teria sentido se habilitasse para o mercado de trabalho.

Esta terminalidade faria com que um grande contingente de alunos pudesse sair do sistema escolar mais cedo e ingressar no mercado de trabalho. Com isso diminuiria a demanda para o ensino superior. (…) Desse ponto de vista, ela assumiria uma função discriminatória, apesar do discurso igualitarista e de generalização da “profissionalização para todos”. (GERMANO, 1994, p. 21 apud RODRIGUES, 2011, p. 189).

            Rodrigues analisando Frigotto, afirma que a teoria chave está na ideia de “capital humano”, ou seja, grau de educação e qualificação em determinados volumes que funcionam como potencialização da capacidade de trabalho e produção. Portanto, “o investimento em capital humano é um dos mais rentáveis, tanto no plano geral do desenvolvimento das nações quanto no plano da mobilidade individual”. (FRIGOTTO, 1995, p. 41 apud RODRIGUES, 2011, p. 190).

           Esta teoria foi utilizada para justificar as desigualdades sociais, pois ligava à educação a qualificação para o trabalho e consequentemente ao aumento da renda individual. Assim as contradições sociais geradas pelo capital passam a desaparecer, e a educação torna-se a responsável pelo crescimento econômico e pela diminuição das desigualdades, pois através dela, se poderia obter melhor qualificação profissional, obtendo assim melhor renda.

 

Eloísa A. Cerino Rosa Lima - Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe, Curso de Geografia – Unesp.

Eduarda Carvalho Camargo – Licenciada em História - Unopar

Eleonora Osana Moreira da Rosa – Licenciada em Letras – ULBRA