História da Umbanda – Uma Breve Reflexão.

                      * Adriano Moraes – Sociólogo, Pesquisador das Religiões de Matriz Africana, Especialista em Educação e Juventude. http://lattes.cnpq.br/1506910163721246

O negro, que entrou no Brasil, já habitava e muito o imaginário europeu, como um ser inferior, demoníaco, infernal e sem alma, segundo a igreja.O fato de ser considerado como um ser sem alma, impossibilitava a sua salvação. Assim, não era necessário justificar sua escravidão,se tornando um bem para a humanidade, que estava sendo expurgada de um elemento “infecto” e “animalizado”, que poderia contaminar os homens com sua cultura satânica (entre estas a religião).

A discriminação iniciada na geografia, estendeu-se para a cor e mais tarde para a cultura. A culminância entre cor, cultura e despatriados fez do negro no Brasil, não um ser invisível como o índio, mas sim, um ser indesejado socialmente.Com tudo o que se afirmou acima, fica fácil percebermos o processo histórico que culminou na demonização das religiões de matriz africana, dentre estas, nosso objeto de estudo – a umbanda. As tendas umbandistas ligadas as tradições africanas, até os dias atuais são consideradas demoníacas.

Importante ressaltarmos a raiz negra da umbanda, visto que no decorrer de nosso estudo, perceberemos o equivoco histórico que atribuiu o surgimento da umbanda a uma dissidência do espiritismo kardecista, ou seja, como se esta tivesse como único idealizador o individuo branco. Fato este que gerou fortes debates e as mais distinta interpretações, vejamos algumas delas :

“Leal de Souza deixa registrado que a Umbanda nasceu á margem de uma mesa kardecista, com o Caboclo das Sete Encruzilhadas, sendo uma religião brasileira. “

“Maria Helena Cancone afirma, que a Umbanda é uma religião brasileira e a cultura africana foi apenas mais uma das matrizes, que contribuíram entre outras. “

Como podemos observar, as falas de ambos os autores, atuam em um campo que busca desconstruir, ou antes, deixar de reconhecer a Umbanda como religião de matriz  Africana, fato este inteiramente relacionado ao processo de “embranquecimento” pretendido pela sociedade brasileira do final do século XIX e inicio do século XX.

Para maior compreensão do parágrafo anterior, resgataremos as memórias de Juca Rosa (1860), João de Camargo (1913) e Zélio Fernandino de Moraes (1908). Iniciamos com Juca Rosa.

A figura do negro Juca Rosa foi tida em sua época como um dos maiores feiticeiros do Rio de Janeiro do ano de 1860, salientando que o termo feiticeiro equivaleria ao pai de santo dos tempos atuais, mas para o ano referenciado, era algo depreciativo, passível de prisão ao acusado.

Voltando a Juca Rosa, um negro de vestes elegantes, com boa moradia e bem relacionado junto as mulheres brancas, conseguiu congregar a seu redor muitas figuras ilustres da época imperial, graças a sua ocupação profissional – alfaiate – nosso personagem realizava suas atividades espirituais em sua residência, temos noticias que seus atendimentos espirituais tem inicio no ano de 1865. Segundo relatos registrados, ele atendia seus consulentes incorporando o preto-velho Pai Quibombo, que anos mais tarde passou a ser também o nome de santo  de José Sebastião Rosa, o Juca Rosa.

Em seus ritos Juca Rosa, ou,Pai Quibombo, como queiram,utilizava muitos elementos da cultura indígena, católica e africana (esta fortemente evidenciada com a influencia do povo banto, quando da utilização da terminologia NKISI em seus ritos), o que nos leva a compreensão de como são montados os altares dos terreiros de umbanda, fator este que a diferencia do seu irmão de raiz, o Candomblé, ou seja,a existência de um altar contendo imagens de santos católicos, orixás e caboclos é a representação umbandistica da forte miscigenação do povo brasileiro.

Juca rosa foi detido no ano de 1890 por suas práticas de feitiçaria, o que deu inicio a perseguição que os terreiros passariam a sofrer a partir dali e que foi justificada através de três artigos editados no código penal republicano, como crime contra a saúde e  a fé pública, ei-los :

Artigo 156 – pune a prática de medicina por indivíduos desprovidos de titulo acadêmico.

Artigo 157 – condena práticas de magia e seus sortilégios e o uso de talismãs e cartomancias para despertar sentimentos de ódio e amor, inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim para fascinar e subjugar a credulidade pública.

Artigo 158  - Pune o exercício de curandeirismo.

Afim de assegurar a soberania de uma casta branca, era primordial retomar o controle das atividades religiosas tidas como oficiais – entenda-se católicas – e que naquele momento estavam ameaçadas pelas práticas de uma nova crença fundamentada em raízes vindas d´africa, algo inaceitável para um povo que se pretendia europeu. A perseguição aos cultos afros foi instituída,  que levou ao fim de muitos cultos, entre eles, o de Juca Rosa.

Nossa história chega ao Estado de São Paulo, precisamente á cidade de Sorocaba, onde o médium João de Camargo, em 1873 desenvolve trabalhos espirituais dentro de um formato que envolvia elementos da cultura católica, indígena, espírita e africana.

No entanto mesmo carregando todas as influencias referenciadas, João de Camargo apresentava em sua formação forte influencia do catolicismo, haja visto que seus trabalhos espirituais eram realizados dentro de uma pequena capela construída com recursos obtidos através de fiéis que seguiam as orientações deste famoso médium. Deixamos claro em nossa pesquisa que mesmo antes da construção da capela João de Camargo já realizava suas atividades utilizando o terreno onde se ergueria posteriormente a famosa capela do Bom Jesus da Água Vermelha, obra iniciada em 1906.

Vejamos uma breve descrição da igreja idealizada por João :

“ O altar mor continha imagens católicas, como Senhor do Bonfim, Menino Jesus de Praga e Nossa da Ponte...também imagens de Oxalá, Iemanjá, Ogum, Iansã, Ossaim, Omulu. Além das imagens de índios e caboclos. Entre as imagens também se encontrava a de um santo nominado – mafingi vimbudo – que utilizava capa preta e vermelha e ficava guardada em um quarto inacessível aos olhos leigos.”  

Observando aqui, que as imagens dos orixás e dos caboclos ficavam no interior do espaço sacro, longe da visão dos frequentadores da igreja, sendo acessíveis apenas aos que eram orientados a seguir determinados tratamentos espirituais.

Anualmente João se dirigia a cidade de Santos para realizar trabalhos em homenagem a Iemanjá.

“ Também eram frequentes os trabalhos na calunga pequena – cemitério – demonstrando a influencia yorubá, no culto aos egunguns, onde enrodilhava uma toalha branca na cabeça, formando uma espécie de turbante, semelhante aos negros muçulmanos.”

Nos mesmos moldes do acontecido a Juca Rosa, também João foi vitima de perseguição policial, sendo denunciado inúmeras vezes por atos de feitiçaria e curandeirismo, o que levou o médium a mascarar suas atividades, de modo que no ano de 1921 registrou sua instituição como Associação Espírita e Beneficiente Capela do Senhor do Bonfim.

Diante da insistência social em tomar os atos ligados a cultura africana como algo bárbaro, a única saída encontrada por João de Camargo foi adequar sua realidade ao processo de embranquecimento vigente no período relatado, fato este que tomava o kardecismo como atividade espiritual civilizada, ou seja, alto espiritismo.

“ O caráter cientifico do Espiritismo seduzia membros da elite brasileira, desde o fim do século XIX,em um momento fortemente marcado pela influencia cientificista. Parte da elite brasileira erve, portanto,de introdutora das práticas espíritas no Brasil,fornecendo ainda um considerável peso legitimante a nova religião em sociedade como a brasileira da primeira metade do século XX.”

Finalmente chegamos a Zélio Fernandino de Moraes, tido em muitos estudos como fundador oficial da umbanda, e representante da ideologia descrita no parágrafo acima. Em outras palavras, um homem branco, de família ilibada, estudado e portador de certo grau cultural. Filho de kardecistas, com forte influencia cristã. Que traz em sua historia de formação mediúnica o acompanhamento e os cuidados de Pai Antonio, preto-velho, que incorporava em Dona Cândida – uma rezadeira negra. Sobre Dona Cândida,não há registros oficiais.

Zélio teve contato com a umbanda por conta de uma doença que levou seus pais a buscarem o auxilio de uma rezadeira, donde concluímos que as práticas umbandistas já se realizavam muito antes da instituição de sua fundação pelo caboclo das Sete Encruzilhadas, manisfestado em Zélio quando da inauguação da Tenda Nossa Senhora da Piedade em 1908.

Aqui nos vemos diante de um divisor de águas que viria a instituir o que muitos chamam de umbanda branca, em contraposição a uma umbanda africanista, situação que tornaria a umbanda uma religião sem identidade firmada.

Tanto é assim que nos tempos atuais os terreiros de umbanda, em sua maioria, são comandados por pais e mães de santo brancos, herança do processo de embranquecimento instaurado no século passado.

Até mesmo o termo “Terreiro” em muitos casos foi substituído por nomenclaturas tais como “Templo”, o que sugere uma aproximação com o catolicismo vigente, mantendo um distanciamento da raiz africana representada pelo termo terreiro.

Importante enfatizarmos que os trabalhos espirituais realizados na Tenda Nossa senhora da Piedade,dispensavam o uso de atabaques, bebidas, caracterizando o distanciamento de influencias tidas de baixo-espiritismo ( entenda-se aqui umbanda afro).

A história da umbanda merece uma pesquisa mais detalhada, visto que no decorrer de sua constituição histórica, incontáveis indivíduos colaboraram para sua instituição. A memória destes colaboradores ajudaria no fornecimento de elementos que comporiam um quadro mais preciso dos verdadeiros fundamentos que envolvem esta que é tida como uma religião tipicamente brasileira.

Reconstruir o passo-a-passo do povo negro que colaborou arduamente para constituição desta religião, seria uma forma de colocar definitivamente um ponto final no debate que afirma ser a nossa umbanda, oriunda do kardecismo e mesmo do catolicismo. Seria uma forma de assumirmos sem receios e com muito orgulho nossa origem africana e não menos indígena.

Referencias Bibliográficas :

- BAGGIO, Maria Elise G. in “ O Mito de Origem, Uma revisão do Ethos Umbandista no Discurso Histórico. São Paulo, FTU,2008.

- FRIOLI, Adolfo. In “ João de Camargo de Sorocaba”. São Paulo,Ed.senac, 1999.

- GIUMBELLI, Emerson. In “Caminhos da Alma, zélio de Moraes e as Origens da Umbanda”. São Paulo, Selo Negro Edições, 1998.

- MUNANGA, Kabelenge. In “ História do Negro no Brasil”. Brasília, Fundação Palmares, 2004.

- Reis, João José.In “ Domingos Pereira José: um sacerdote africano na Bahia oitocentista”. Salvador, 1997

- Sampaio, Gabriela do Reis. In “A história do Feiticeiro Juca Rosa”. Rio de Janeiro, 2000.

- Sousa, Leal de. In “ O Espiritismo, a Magia e as Sete Linhas de Umbanda. Rio de Janeiro, Companhia das Letras,1996.