HISTÓRIA DA SEXUALIDADE VOL I – A VONTADE DE SABER

MICHEL FOUCAULT

Resenha do Capítulo 4 – O dispositivo da sexualidade







 







Ciências Sociais UFMG
Matheus Malta Rangel


 









Junho de 2014

Neste capitulo, antes de dar continuidade ao tema central do livro, Foucault expõe o seu entendimento de poder, postulando alguns princípios metodológicos para o entendimento ou refutação de sua analise. Se o sexo está constituído em discurso o que realmente está em jogo? Qual o método, domínio e sua cronologia? 

A ideia de que o sexo não constitui apenas uma relação de repressão em seu entorno; que foi desenvolvida pelos teóricos da psicalise, preocupados em descobrir outras forças de relações que não as opressoras; não é nova, e Foucault é ciente disso.

Seu objeto de analise não perpassa em estabelecer relações entre a lei e o desejo (e estas geralmente são feitas com a temática de um poder-repressor, uma instância jurídica que se imprime como constituidora interna ou externa do desejo), mas sim como se articulam o poder e o desejo.

Essa temática de poder opressor não é exclusiva da analise do campo da sexualidade, os seus traços principais perpassa em analises frequentes da história do poder no ocidente.

Foucault discute como a partir dessa ótica, é interpretado o poder sobre a sexualidade: a partir de uma relação estritamente negativa (na qual o poder não tem o domínio sobre a sexualidade, cabendo apenas uma aplicação de negativas), de uma instancia da regra (o poder estabelece um regime binário em tudo que corresponde ao sexo, por ser o que dita a lei), como ciclo de interdição, por uma lógica da censura e a unidade do dispositivo.

Foucault  estabelece uma série de proposições para situar sua concepção de poder:

- o poder não é a instância jurídica de repressão de um corpo, centralizada em uma figura ou instituição verticalizada, mas sim um mecanismo complexo de múltiplas relações de força que se estabelecem e regem uma organização. Essas são dinâmicas, provém de um de todas as partes e se exercem de formas desiguais. 

- As relações de poder não são exteriores a outros tipos de relações, sejam econômicas, de conhecimento ou sexuais elas lhe são imanentes, não como forças interditarias, mas como produtoras de saberes, de técnicas, mecanismos e de inventividades.

- As relações de poder são intencionais e objetivas, o que não quer dizer que são determinadas por instituições maiores, mas sim por uma própria localidade que se interliga com outras e propaga-se criando uma cadeia, ou dispositivos de conjunto.

- Onde há poder há resistência, multiplicada em diversos pontos com alvos próprios, constituídas por suas unicidades, sejam elas necessárias, planejadas, violentas, arrastadas.

Foucault enfatiza que são sobre esses campos de força que devem ser analisados os mecanismos de poder da sexualidade, desprendendo-se da lógica “Soberano-Lei” e apresenta algumas “prescrições de prudência” para uma metodologia da analise: 

1-     Regra da imanência: As relações de poder estabelecem a produção de saberes, não são exteriorização entre técnicas de poder e estratégias de saber. Mesmo com papéis específicos, é necessário analisa-las a partir das diferenças que articulam entre si. É preciso estabelecer um “foco-local” de poder saber.

2-     Regra das variações contínuas: as relações de poder não são estáticas, mas constituídas de constantes transformações e não correspondem a forças duais.

3-     Regra do Duplo Condicionamento: Os “focos-locais” e as “estratégias de transformação” só funcionam quando condicionados e encadeados em uma estratégia global. O que não correspondem à uma descontinuidade em níveis diferentes ou uma homogeneidade, localizada através de transferência de representações de poder à diferentes papéis, o pai não representa o poder opressor contra o filho que é privado de poder ou a família não é um microcosmo da sociedade, por exemplo.

4-     Regra da polivalência tática dos discursos: Os discursos não são uma projeção exterior aos mecanismos de poder. Ele é a sua própria constituição. É a identificação de seus múltiplos elementos que adentram diferentes estratégias. O discurso veicula e produz poder.

Apresentando essa apreensão Foucault enfatiza a necessidade de orientar por uma concepção de poder que substituía os seguintes privilégios: da lei pelo ponto de vista de objetivo, da interdição pelo de eficiência tática e “da soberania pela analise de um campo, móvel e correlacionados de forças, que produzem efeitos globais, mas nunca estáveis de dominação”.

Dada as precauções metodológicas, Foucault, exprime a sexualidade deve ser entendida como um veiculo das relações de poder, e não como uma realidade ou uma força natural cujo poder se preocupa em fazer dominação. Ela não representa um elemento rígido, mas possui um grande número de instrumentos em que o poder se utiliza para manobrar suas estratégias.

Não existe estratégia global única, aplicável em todas as sociedades. Qualquer ideia na tentativa de redução do sexo (função reprodutiva, por exemplo) não explica as manobras, as estratégias das ações das políticas sexuais e os objetivos visados. 

De maneira geral podem se distinguir quatro diferentes estratégias globais que produziram a partir do século XVIII(ou produzem) saber e poder em torno do sexo: a histerização do corpo da mulher, a pedagogização do corpo da criança, a socialização das condutas de procriação e a psiquiatrização do prazer "perverso". 

São essas que constituem com a própria produção de sexualidade e esta não corresponde a uma “realidade subterrânea” cujas causas/efeitos devem ser descobertos para serem controlados, mas sim uma rede superficial de estimulação de corpos, de produção de conhecimentos e incitação discursiva. A sexualidade é um importante dispositivo histórico.

Foucault contrapõe e dispositivo da sexualidade, com o da aliança. Se esse foi impresso e configurado a partir das relações de sexo que prescreveram o regime matrimonial, de parentesco, de transferência de bens, os novos processos econômicos e estruturas políticas do inicio da idade moderna não encontram nele suporte para suas estratégias. 

Sem os colocar de lado um novo dispositivo, o da sexualidade, se articula de maneiras diferente a partir também dos parceiros sexuais. Não mais um sistema que se estrutura a partir de um conjunto de regras, de reproduzir as relações e manter a lei que as regem, de definir um status de aliança entre os parceiros, mas sim um sistema que funciona com técnicas não estáticas de poder, que engendra uma extensão dos seus domínios e do seu controle, que estabelece vínculos a partir de das sensações do corpo, do prazer e das impressões.
O dispositivo da aliança é mantido, não foi suprimido, e ainda se relaciona com a economia como papel fundamental de transmissão de riquezas, de reprodução. O dispositivo da sexualidade se instala a partir do dispositivo de aliança (a confissão como mantenedora de práticas corretas a manter a reprodução sexual), mas relaciona-se com a economia deforma a sustentar uma estratégia global de dominação a partir do controle e da descrição, da penetração de forma mais intensa no corpo a fim de controlar as populações.