I - FUNÇÕES DE POLÍCIA ADMINISTRATIVA E POLÍCIA JUDICIÁRIA:

Quanto à abrangência do termo  ‘Polícia Administrativa’ -  há que se registrar  que a divisão das atividades policiais em Polícia Administrativa e Polícia Judiciária teve sua vertente no ano de 1794, na França, durante o período regido pelo “Diretório”, com a ascensão de Napoleão Bonaparte. “O sistema policial brasileiro se filia diretamente à Revolução Francesa, adotando a divisão da polícia em administrativa e judiciária, de acordo com a distinção fixada nos arts. 19 e 20 da Lei francesa de 3 do Brumário, do ano IV, de 1894” (Apud Luiz Carlos Rocha, in Organização Policial Brasileira, Saraiva, 1991, SP, p. 7).

No âmbito nacional, a primeira legislação a dicotomizar as funções de polícia em administrativa e judiciária foi o Regulamento n. 120, de 31 de janeiro de 1842 que logo em seu art. 1°., assim dispunha:

“A polícia Administrativa e Judiciária é incumbida, na conformidade das Leis e Regulamentos: 1°. Ao Ministro e Secretario de Estado dos Negócios da Justiça no exercício da suprema inspecção, que lhe pertence como primeiro chefe e centro de toda a administração policial do Império. Par. 2°. Aos Presidentes das Provincias, no exercício da suprema inspecção, que nellas tem pela Lei do seu Regimento, como seus primeiros administradores e encarregados de manter a segurança e tranquilidade publica, e de fazer executar as leis. Par. 3°. Aos Chefes de Policia no municipio da Côrte e nas Provincias. Par. 4°. Aos Delegados de Policia e Subdelegados dos districtos de sua jurisdição. Par. 5°. Aos Juizes Municipaes dos Termos respectivos. Par. 6°. Aos Juizes de Paz nos seus districtos. Par. 7°. Aos Inspectores de Quarteirão nos seus quarteirões. Par. 8°. As Camaras Municipaes nos seus municipios e aos seus Fiacaes”. O art. 2°., estabelecia quais eram a competência da Polícia Administrativa: “Par. 1°. As attribuições comprehendidas nos arts. 12, pars. 1°., 2°., e 3°., do Código do Processo” (tomar conhecimento das pessoas desconhecidas, suspeitas e conceder passaporte; assinar termo de bem viver aos vadios, mendigos,  bêbados e etc.; obrigar a assinar termo de segurança aos legalmente suspeitos de crimes e aplicar penas de multas e de correção); “Par. 2°.  A attribuição de julgar as contravenções ás posturas das camaras municipaes. (Código de Processo Criminal, art. 12, par. 7°.)” (julgar contravenções às Posturas das Câmaras Municipais e julgar determinados crimes); “Par. 4°. As attribuições mencionadas nos pars. 3°., 4°., 5°., 6°., 7°., e 9°., do art. 4°., da Lei de 3 de dezembro de 1841” (controlar as sociedades secretas e ajuntamentos ilícitos; vigiar com o intuito de prevenir delitos e manter a segurança e tranquilidade  pública; exigir e fiscalizar das Câmaras Municipais os ‘objetos de polícia’ - recursos materiais e a normatização de condutas por meio de posturas; inspecionar teatros e espetáculos públicos; inspecionar prisões; e remeter, quando julgarem conveniente, todos os dados, provas e esclarecimentos que houverem obtido sobre um delicto, com o relatório final);  “Par. 4°. As attribuições mencionadas no art. 7°., pars. 1°., 2°., 3°., e 4°., da mesma Lei” (organizar a estatística criminal na Província; fazer o levantamento da população local e informar; nomear e demitir carcereiros; “Par. 5°. As attribuições conteúdas nos pars. 4°., 5°., 6° e 14 do art. 5°., da Lei de 15 de outubro de 1827, e que a Lei de 3  de dezembro de 1831, art. 91 conserva aos Juizes de Paz”  (conciliação entre as partes). O art. 3°., do Regulamento 120/1842, estabelecia a competência da polícia judiciária: “Art. 3°. São da competência da Polícia Judiciária: Par. 1°. A attribuição de proceder a corpo de delicto, comprehendida no par. 4°., do art. 12 do Codigo do Processo Criminal; Par. 2°. A de prender os culpdos, comprehendida no par. 5°. Do mesmo artigo do dito Código; Par. 3°. A de conceder mandados de busca; Par. 4°. A de julgar os crimes, a que não esteja imposta pena maior que multa de 100$000, prisão, degredo, ou desterro até seis mezes com multa correspondente a metade do tempo, ou sem ella, a tres mezes de Casa de Correcção, ou officinas publicas, onde as houver. (Cod. Do Proc. Criminal art. 12, par. 7°.)”.

O modelo de polícia francesa (trouxe a dicotomia entre  “polícia judiciária” e “polícia administrativa” sob direção da “Prefeitura de Polícia”  surgiu no Estado de Santa Catarina a partir das reformas do Governador Gustavo Richard que no relatório sobre o seu primeiro governo (1891-1893), fez as seguintes considerações: 

“(...) É certo que a lei de fixação de forças n. 347, de 7 de Outubro de 1898, mandada observar pelas posteriores, inclusive a de n. 706 de 31 de Outubro do anno passado, diz no art. 4°. ‘que o Corpo de Segurança’ (atual Polícia Militar) ficará sob as ordens do Governador do Estado, devendo o respectivo serviço correr pela Secretaria do Interior e Justiça, hoje Secretaria Geral’; mas isto não se entende com a competência que a Prefeitura (Prefeitura de Polícia – atual Secretaria de Estado da Segurança Pública) sempre teve para requisitar directamente do Corpo de Segurança os meios necessários para agir dentro da orbita das atribuições que a lei lhe traçou. Ninguém poderá desconhecer que a autoridade policial (atuais Delegados de Polícia), maxime o chefe de segurança pública, tem quase sempre necessidade de lançar mão da força armada, já para obstar a realização de um acontecimento criminoso previsto, já para impedir a continuação de actos resultantes do acontecimento que não foi possível impedir. Ora, em qualquer das hypotheses acima como n’outras em que se torna necessária a ação rapida e energica da autoridade, seria irrisorio exigir providencia efficaz quando ella fica dependente de uma formalidade inteiramente inutil – que é a requisição por intermedio da Secretaria geral (...). Conseguintemente, observados os preceitos legaes que regem os actos da competência do Prefeito, não se lhe póde negar a faculdade  de requisitar directamente do Corpo de Segurança  a força que julgar conveniente para executar as suas ordens”. 

 Feitas essas considerações preliminares, a primeira legislação estadual a tratar expressamente do assunto (funções de polícia administrativa e judiciária)  foi a Lei n. 856, de 19.10.1910 (Governo Vidal  Ramos). Esse governante restaurou os cargos de Delegados de Polícia, complementanto as reformas de seu antecessor na referida legislação, seguindo o modelo de polícia francês, pois em seu art. 3°., estabeleceu que:

 “A Polícia é judiciária ou criminal, e administrativa, e incumbe a todas as autoridades policiaes, conforme prescrições desta Lei”.

Em seu art. 7°., dispôs que o Corpo de Segurança (integrado pelos atuais policiais militares), constituía-se força auxiliar das autoridades policiais”.

Mais tarde foi editado o Decreto n. 1.305, de 15.12.1919 (Governo Hercílio Luz) que aprovou o Regulamento Policial do Estado (regulamentou a Lei n. 1.297, de 16.9.1919 que reorganizou a Polícia Estadual). O art. 3°., do sobredito Decreto, dispôs que:

“O serviço policial comprehende: a) a polícia administrativa ou preventiva, a que em geral pertence a manutença da segurança, ordem e tranquilidade públicas; b) a polícia judiciária ou repressiva, a que cabem os actos necessários ao exercício  da ação especial dos juízes e tribunais”. 

Logo a seguir, o art. 4° estabeleceu que:

“A Força Pública está sob a suprema inspecção do Governador do Estado, immediata direcção do Secretário do Interior e Justiça, e à disposição do Chefe de Polícia. Os destacamentos ficarão à disposição da autoridade de quem,  em relação ao serviço policial, receberão ordens os respectivos commandantes, responsáveis pela administração e disciplina perante o Comandante da Força Pública do Estado”. 

À guisa de esclarecimento, não se pode confundir a função de polícia administrativa prevista no sobredito Decreto 1.305/1919 com o complexo de funções de polícia administrativa prevista para a Força Pública (Polícia Militar), em se tratando, principalmente, de manutenção da ordem pública.  Também, a função de polícia administrava exercida pela  Polícia Civil - considerada preventiva -, estava assim prevista na Segunda Parte desse  Regulamento:

“Título I - Da Inspeção das Casas de Penhores (arts. 93 a 111); Título II - Da Inspeção de Vehiculos (arts. 112 a 136); Título III - Da Inspecção dos Theatros e Espetáculos Públicos (arts. 137 a 176); Título IV - Da Prevenção e Meios de Impedir Incêndios,  Sinistros, Desastres e Acidentes de Perigo Comum (arts. 177 a 179); Título V -Da Legitimação (art. 180 e 181); Título VI - Do Passaporte (arts. 182 a 187); Título VII - Das Sociedades Secretas (arts. 188 a 192); Título VIII - Dos Ajuntamentos Illícitos (arts. 193 a 196);  Título IX - Da Polícia Marítima (arts. 197 a 203); Título X - Da Custódia de Mendigos,Viciados, dos Vadios, dos Ébrios, Loucos Perigosos e dos Turbulentos (art. 205); Título XI - do Uso de Armas Offensivas (arts. 206 a 208); Título XII - Dos Termos de Bem Viver, do Tomar Occupação e de Segurança (arts. 209 a 221); Título XIII - Do Preparo dos Processos das Infrações dos Termos de Segurança, Bem Viver e Occupação (arts. 222  e 223); Título XIV - Dos Recursos (arts. 224 a 232). Mais à frente, o mesmo Decreto estabelecia as funções de polícia judiciária, em cuja Terceira Parte constavam: Título I - Capítulo Único - Da Competência e Foro (arts. 233 a 240); Título II - Dos Fins da Polícia Judiciária (arts. 241 a 242); Título III - Capítulo I - do Inquérito Policial (arts. 243  e 244) e Capítulo II - Do Corpo de Delito (art. 246 a 269).

II - CÓDIGOS DE POSTURAS E A FUNÇÃO DE POLÍCIA ADMINISTRATIVA:

 Segundo dicção do art. 42, Da Lei n. 856, de 19.10.1910 constava a autorização para criação da “Guarda Civil, auxiliar ao Corpo de Segurança para policiamento da Capital”.

Vale registrar que os Códigos de Posturas que foram largamente utilizados durante a fase do Império, tiveram relevante utilização no que diz  respeito aos assuntos policiais, inclusive, possuíam obrigatoriamente um capítulo que tratava sobre os assuntos relativos à Segurança Pública.  Tem-se como exemplo a Lei n. 1.238, de 22.10.1888 que aprovou o novo Código de Posturas de Desterro. Em seu bojo haviam disposições que disciplinavam os seguintes assuntos inerentes ao exercício da função de polícia administrativa por parte das autoridades policiais:  Comércio e uso de armas e munições (arts. 118 e ss., e 196 e ss.);  loucos e bêbados (arts. 125 e ss.); trânsito dos carros, carroças e demais veículos (arts. 156 e ss.); jogos e reuniões ilícitas (arts. 192 e ss.). Ainda,  para efeito de ilustração, o art. 196, desse mesmo Código preconizava que:  “É prohibido sem licença das autoridades policiaes, o uso das seguintes armas offensivas: espingardas, clavinoto ou clavina, pistola, rewolver, espada, florete, punhal, facão, faca de ponta, canivete grande ou de mola, bengala ou chapéo de sol com estoque ou punhal, e cacete”.

III - CONCLUSÃO

A função "Polícia Judiciária " sempre esteve presente no âmbito da polícia brasileira. No estado de Santa Catarina já chegou a ser representada por um órgão de dirção como ocorreu nos termos da Lei n. 3.427, de 9 de maio de 1964 (governo Celso Ramos) que dispôs sobre a criação da Diretoria da Polícia Civil (atual DGPC). Posteriormente, já no período de ditadura militar (Governo Ivo Silveira), por meio da Lei n. 4.265, de 7 de janeiro de 1969 a Diretoria de Polícia Civil foi transformada em Divisão de Polícia Judiciária. A Lei n. 4.547, de 31 de dezembro de 1970, criou a Superintendência da Polícia Civil que foi mais tarde extinta e em seu lugar surgiu a Delegacia-Geral (reformas da Lei 8.240/1991).  

Pinto Ferreira, comentando o art. 144,  par. 4o, CF, ensina que a finalidade da polícia judiciária é desenvolver  o momento  inicial da atividade repressiva do Estado. Ela age com a meta de investigar a prática de autoria  e permitir os fundamentos da ação penal pelo seu titular, que é o MP (Ministério Público) (...)"(Comentários à Constituição Brasileira, Saraiva, 1990, 2o vol.).

A Constituição do Estado de Santa Catarina e demais Cartas Estaduais seguiram a norma Federal, mantendo a tradição belga-francês quanto ao modelo de Polícia brasileira.