A História da Psicologia Social

Maria da Conceição Gomes da Silva
Especialização em Psicologia Social e Comunitária.
Princípios da Psicologia Social
Profª Ms. Deyseane Lima



Identifico-me com a humanidade como um todo. O que puder fazer em termos de humanidade, estou lá.....se tudo o que se faz em função de um bem comum é religioso, eu sou religiosa". (Lane)

INTRODUÇÃO
O presente trabalho traça uma breve história da psicologia social desde sua bases européias, seu enraizamento nos Estados Unidos, a crise na América Latina e a sua superação na Psicologia Social Laniana ou Psicologia Histórico cultural.

Um breve histórico

Para traçarmos a história da psicologia social é necessário que conheçamos o percurso percorrido por ela ao longo do tempo, seus avanços, retrocessos e construções.
A psicologia social embora tenha bases européias, tem seus fundamentos enraizados nos Estados Unidos da América, por ocasião das migrações de cientistas geltaltistas da Áustria e da Alemanha expulsos pelo nazismo. E da fusão entre fenomenologia e positivismo, teria nascido a psicologia social cognitiva, diz Bernardes(2010), citando Farr(1996) : "os psicólogos sociais da América eram teóricos cognivistas numa época em que estão em moda, isto é, no auge do behaviorismo."
A psicologia social experimental atingiu seu auge, com a publicação do livro "O soldado americano" em 1949, um estudo sociológico referente ao período da guerra que trata da adequação dos soldados, bem como da eficácia dos treinamentos sobre seu comportamento.
Esta psicologia pragmática, como enfatiza Sílvia Lane, visava:

alterar e/ ou criar atitudes interferir nas relações grupais para harmonizá-las e assim garantir a produtividade do grupo - é uma atuação que se caracteriza pela euforia de uma intervenção que minimizaria conflitos, tornando os homens ?felizes? reconstrutores da humanidade que acabava de sair da destruição de uma II Guerra Mundial(1989,p. 10).


É interessante ressaltar, nesta fase, os handsbboks of social Psychology de Murchison(1935), Lindzey(1954) e Lindzey & Aronson(1968-1969;1985). Nestes manuscritos, Lindsey afirma romper com a metafísica da psicologia social européia e criar uma psicologia social científica, com bases positivistas.
Aqui é interessante ressaltar o que Bernardes chama de concepções teóricas que se desdobraram ou que se atravessaram na psicologia social: são as formas elencadas por Farr(1996): psicológica e sociológica. Na primeira, as explicações do coletivo e do social são reduzidos a leis individuais. O indivíduo é o centro da análise, suas relações com o contexto social não influem. Há uma separação entre o homem e o social. O que importa, neste caso, é o comportamento do indivíduo (behaviorismo); na forma sociológica, os estudiosos valorizam a relação entre o individual e o coletivo.
É exatamente esta psicologia social psicológica que se desenvolve na América do Norte, como é ressaltado por Bernardes:

"Seus princípios básicos nas explicações dos fenômenos sociais são: tratá-los como fenômenos naturais através de métodos experimentais, sendo que seus moldes explicativos nos remetem sempre, em última instância, a explicações centradas no indivíduo." ( 2010, p. 27)

Referenciais teóricos como o de George Mead, que coloca o "estudo da linguagem e do pensamento humano dentro de um contexto evolucionista"(BERNARDES, 2010.P. 29) e seu modelo de mente: " seu modelo de mente era síntese de fenômenos tanto em nível coletivo quanto em nível individual"(Id.ib.), foram ignorados na constituição da psicologia social norte americana.
Outra perspectiva deixada de lado foi a histórico- crítica, centrada nas idéias marxistas de ideologia, alienação e consciência de classe, com objetivos de transformação.
A psicologia comportamental desenvolvida na América do Norte foi levada para a Europa e lá, como nos diz Guarechi (2007,p.25) foi elaborado um verdadeiro "Plano Marshal Acadêmico" para que a psicologia social nos moldes norte americanos tivesse êxito. Graças à cientistas como Moscovici, que questionou a capacidade desta psicologia de atender as necessidades do social, estas tentativas não vigoraram.
O papel de colonizado dos países latino-americanos, levou a importação do modelo de psicologia social predominante na América do Norte, visto que segundo Farr,1996, apud Bernardes, 2010, os renomados professores de psicologia social na América Latina fizeram seus cursos de graduação nos Estados Unidos, exemplo disso foi Aroldo Rodrigues, o grande representante da psicologia social cognitivista no Brasil. Nos anos de 1960 surge a Associação Latino-Americana de psicologia social(Alapso), criada nos preceitos da psicologia social norte ?americana.
Em rechaço à Alapso e procurando uma psicologia com postura crítica e adequada a realidade dos países latino americanos é que surgem os movimentos que resultariam na psicologia social sócio-histórica. Esta reação à psicologia tradicional e seus conceitos que não se aplicava à realidade latino-americana, levou à chamada "crise da psicologia social", é que tomou corpo nos Congressos da Sociedade Interamericana de Psicologia em 1976, em Miami nos Estados Unidos, e em Lima no Peru, em 1979. Segundo Bernardes:
Como pontos principais da crise da psicologia social, estavam a dependência teórico metodológica, principalmente dos Estados Unidos, a descontextualização dos temas abordados, a simplificação e a superficialidade das análises destes temas, a individualização do social na psicologia social, assim como a não preocupação política com as relações sociais no país e na América Latina. A palavra de ordem era a transformação social ( 2010,p.30)

Esta crise deu origem as associações como a Associação Venezuelana de Psicologia Social ( Avepso ) e a Associação Brasileira de Psicologia Social(Abrapso).
É oportuno ressaltar que a crise da psicologia social já vinha acontecendo na Europa desde a década de 60, principalmente na França, segundo Lane(1989,p.11)

Na França, a tradição psicanalítica é retomada com toda veemência após o movimento de 68 ., e sob sua ótica é feita uma crítica à psicologia social- norte americana como uma ciência ideológica, reprodutora dos interesses da classe dominante, e produto de condições históricas específicas, o que invalida a transposição tal e qual deste conhecimento em outros países, em outras condições histórico-sociais. Esse movimento também tem suas repercussões na Inglaterra, onde Israel e Täjfell analisam a crítica sob o ponto de vista epistemológico com os diferentes pressupostos que embasam o conhecimento científico ? é a crítica ao positivismo, que em nome da objetividade perde o ser humano.





Voltando ao caso específico da America Latina, os estudiosos da psicologia social, trilharam novos caminhos buscando uma psicologia social que atendesse à realidade latino-americana. Martim Baró, com seu texto, o Papel do Psicólogo, convida os psicólogos à luta pela libertação dos povos, representando uma nova visão de psicologia social para a América Latina.
No Brasil, na procura destes caminhos, surge uma figura extremamente importante para a constituição de uma psicologia social que respondesse às necessidades brasileiras: Sílvia Lane, uma professora de filosofia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo(PUC ) que mudou os rumos da psicologia social. Em seu trabalho na Universidade, Sílvia primou pela militância transformadora (SAWAIA, 2006):
O contato com alunos sempre foi a grande paixão de Lane. Suas aulas eram um exercício lúdico de descoberta de relações insuspeitas, de recriação de idéias, sempre com muito respeito e profundo conhecimento da teoria analisada.
Sua atuação como docente foi especial em 68, período da ditadura militar no Brasil. Ela participou ativamente para transformar os campos de estágio, a pesquisa e a teórica em espaços de reflexão crítica e de potencialização da ação transformadora, sem perder o rigor científico. Estabelecendo, assim, uma relação dialética entre militância e pesquisa científica sem temer a vigilância do Ministério da Educação e Cultura, atento a qualquer ação de resistência, dentro do clima de opressão que culminou, naquele ano, com o ato institucional nº 5, visando sufocar todas as possibilidades de mudança.


Esta postura de Lane levou-a a ser criticada por Aroldo Rodrigues de apenas fazer política e não ciência, pois para o grande representante da psicologia experimental, a psicologia social seria uma ciência "básica e neutra"(Rodrigues1986,apud Sawaia,2002); Bock 2007). Como resposta Lane enfatizava a necessidade da psicologia rever sua prática, "pois teoria e prática tem que vir juntas"(Id.Ib.)
Partindo desta idéia de uma psicologia social transformadora, e em busca da superação da "crise" Sílvia Lane foi buscar no marxismo as bases epistemológicas para um novo referencial para a psicologia social e com a compreensão do homem como ser que interage no meio, transforma-o e revela o ser dialético descrito por Heráclito de Éfeso(540-480 a.C,) nos tempos da Grécia Antiga quando dizia que um homem não toma banho no mesmo rio por duas vezes, pois da segunda vez nem ele nem o rio serão a mesma pessoa(KONDER,1987,p.8).
Nesta perspectiva, surge a psicologia sócio-histórica, baseada nas pesquisas e elaborações de conceitos de Sílvia Lane, um trabalho feito em conjunto no qual, conforme Bock (2007)ressalta: " nos permite perceber a coerente articulação entre suas proposições teóricas e práticas por meio da compreensão de duas importantes questões: a dialética subjetividade-objetividade; e a formação e mudança de valores."
A militância de Lane, suas viagens e contatos com estudiosos comprometidos com uma psicologia social transformadora, que atendesse os anseios populares levou à fundação da Abrapso( já citada anteriormente) e proporcionou a discussão de forma mais ampla e como, Bock(2007) citando Sawaia (2002)nos conta sobre a fundação da referida associação:

Segundo Sílvia, uma das principais realizações do encontro foi a de conscientizar os participantes psicólogos de que suas perplexidades, percebidas até então como sentimentos individuais, eram compartilhados por cientista de diversas áreas.

A partir desta conscientização surge uma psicologia voltada para a realidade brasileira, não uma psicologia que como Lane(1989,p.12), ressalta, busque a objetividade nos moldes positivistas, mas compreenda o homem como ser histórico, produtor de mudanças. E o papel do psicólogo social deixa de ser de um mantenedor da ordem e passa a ser de um agente de transformação.

Considerações finais

Apesar do meu pouco saber na área específica da psicologia, (defasagem esta que pretendo amenizar com leituras e aprofundamentos teóricos) pude perceber que a psicologia nos seus primórdios, não divergiu dos objetivos específicos de alguns estudos do " social" contemporâneos a ela: a manutenção do poder de uma classe dominante e que sua crise é um fenômeno histórico que abalou diversos saberes, pois era o capitalismo mostrando sua contradição com toda sua força.
Quebrar estas amarras, superar uma visão tradicional em qualquer área, parece-me de qualquer modo muito difícil, pois somos parte de um esquema-sistema bem elaborado.
Porém acredito no poder de superação do indivíduo e que isto pode ser mudado a partir de um processo de conscientização que pode ser lento, porém persistente e evoco uma passagem do livro de Leandro Konder quando ressalta que o homem sozinho não pode fazer história, sua forças não são suficientes, por isto a importância do construir no grupo e nós temos o dever de ajudar nesta mudança!


REFERÊNCIAS
BARÓ, Martim. (1996). O papel do Psicólogo. Estudos de Psicologia, 2(1), 7-27.
BERNARDES. J. S.-Psicologia Social Contemporânea,- Livro- texto. Org. STREY- M.N., e outros. Vozes. 2010.
BOCK, A.M.B.; Ferreira M. R. , Gonçalves, M.da G. M. &Furtado, O.(2007).Sílvia Lane e o projeto do "Compromisso Social da Psicologia" -Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010271822007000500018&script=sci_arttext-acesso em 23/05/2010
KONDER, Leandro.O que é dialética. Coleção Primeiros Passos.1987.Brasiliense
LANE,S.M.T. & CODO, W(org).Psicologia Social- O homem em movimento
RODRIGUES, Aroldo,- Psicologia Social-18 ed.reform.-Vozes,2000.
SAWAIA. B. Sílvia Lane - a psicóloga da ação política- mnemosine. Disponível em:http://www.mnemosine.cjb.net/mnemo/index.php/mnemo/article/view/205/314-acesso: 21 de maio de 2011.