LOPES, Eliane Marta Teixeira; GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. "O que você precisa saber sobre História da Educação". : Rio de Janeiro, DP&A, 2001.


História da Educação:desdobramentos e deslocamentos.


Juliana Cotting Teixeira


A leitura desta obra de Lopes e Galvão possibilita análise e reflexão de diversos elementos fundamentais e norteadores para se pensar a História da Educação nesse tempo. A partir de uma bagagem intelectual essencialmente amparada em estudos pedagógicos e Historiais, as autoras elucidam suas idéias de maneira clara e compreensível permitindo ao leitor um entendimento sobre questões que permeiam a produção desse conhecimento.
As autoras iniciam o livro com trecho apresentativo em que abordam os questionamentos motivadores para a elaboração dos capítulos e desenvolvimento das idéias levantadas. Sobre essas questões apontam-se três nas quais representam, respectivamente, os capítulos encontrados no livro. Essas são: o surgimento da disciplina e campo de estudos e pesquisa; Quais os personagens, cenários e parâmetros que estuda a História da Educação; Como e com o quê se faz História da Educação. Este prefácio permite ao leitor uma síntese do conteúdo a ser lido e se constitui como eixo norteador das temáticas a serem problematizadas ao longo da obra.
O segundo trecho constitui a Introdução em que apresenta um apanhado sobre os espaços educativos e suas relações e aproximações historicamente construídas. Aponta a importância dos estudos em História da Educação para a compreensão dos processos pedagógicos atuais e discussão/problematização desses a partir de referenciais históricos. Nessa perspectiva, desenvolve a idéia de apropriação da História para a compreensão da origem dos espaços, formatos, personagens, transformações e "congelamentos" dos elementos escolares ao longo dos tempos por meio de uma genealogia docente. As autoras realizam um discorrer histórico dos dispositivos educativos e escolares desde o ideal grego "Paidéia" perpassando por todas as "divisões" épicas até a chegada da modernidade. Tal abordagem possibilita diversas aproximações com a estrutura escolar e métodos educativos atuais nos quais significam a importância dos estudos em História da Educação nos currículos de formação de professores.
No primeiro capítulo, as autoras detêm-se na análise sobre a disciplina de História da Educação na perspectiva de um campo de estudos e pesquisa. Ressaltam a sua origem no final do século XIX nos cursos de formação de professores e sua veemente aproximação com a Pedagogia tendo como conseqüência histórica a relação com a Filosofia e Teologia. Além disso, foi possível interpretar uma desvalorização da educação no campo da história seguindo uma tendência a valoração dos saberes práticos e um caráter moralizador e religioso que acompanha a educação ao longo dos tempos trazendo resquícios à constituição da disciplina de História da Educação e campo de pesquisas.
Nesse sentido as autoras percorrem a trajetória desse campo de saber de maneira evolutiva, na qual caracteriza a metodologia, objeto de estudo e suas relações, perfil dos pesquisadores e seus olhares sobre essa disciplina assim como aponta pesquisas realizadas por eles marcadas essencialmente por elementos pedagógicos. Dentre esses aspectos da pesquisa destacam-se a deficiência em considerar o contexto social em que é realizada e a valorização dos enfoques histórico-políticos causando o fenômeno da "fetichização do documento" e "culto aos heróis e datas". Diante disso, as autoras apresentam ideais fundamentais para a reconstituição desse campo de pesquisas, tais como a criticidade ao discurso de neutralidade do investigador, a emergência de variadas histórias em detrimento de uma única versão hegemônica e interessada como também a postura analítico-compreensiva perante documentos historiográficos ao invés do julgamento equivocado de outros tempos.
As autoras concluem o capítulo com o desenvolvimento das idéias advindas de uma mudança teórico-metodológica nas formas de pesquisa em História da Educação: o alargamento de objetos e fontes de pesquisa. Neste trecho encontra-se a narrativa de uma transformação nesse campo de saber como: a influência marxista nos estudos educacionais na perspectiva das classes sociais, a consideração do contexto organizacional da sociedade em que se insere o objeto, assim como a utilização de estudos culturais. Na direção dos novos objetos, incluem-se a cultura, organização escolar, currículo, agentes e imprensa, além de um olhar específico à história dos "desfavorecidos" como as mulheres e negros. Essas mudanças tornaram a História da Educação um campo de pesquisa complexo e amplo fazendo necessária a utilização de um método de pesquisa rigoroso e uma triagem minuciosa das referências a serem utilizadas, como obras coletivas e simples.
No segundo capítulo, as autoras se direcionam as Histórias da educação engendradas por uma pluralidade de personagens e objetos como o ensino, o livro e a leitura, as crianças e os jovens e por fim as mulheres. Em relação a história do ensino são evidenciados questionamentos acerca do caráter predominantemente institucional desse estudo abordando as Escolas em sua dimensão objetiva e funcional concomitante o surgimento de uma nova tendência intelectual de consideração do cotidiano escolar, métodos e materiais didáticos assim como das relações entre os sujeitos desse espaço. A emergência desse novo olhar sobre o ensino possibilita ao historiador a obtenção do potencial simbólico significantemente propulsor e motivador de diversas transformações ou estagnações curriculares. Já a História do livro e da leitura é essencialmente destacada por estudos dos impressos assim como a circulação e manipulação desses pelos sujeitos escolares, a forma de apropriação dos conteúdos e modificações dessa prática ao longo dos tempos.
A História das crianças e dos jovens é destacada por meio de Philippe Áries o qual representa a infância em sua obra História social da criança e da família como uma representação historicamente construída e alvo de estratégicas transformações familiares por meio do investimento educacional nas crianças.Um novo movimento intelectual surge marcado pelo alargamento de objetos no estudo da infância como estudos da família e diferentes arranjos dessa ao longo dos tempos, da gravidez, alimentação, mortalidade, juntamente diversas dimensões sociais, políticas e econômicas que apresentem relevantes considerações para se compreender a infância e a juventude historicamente.Uma marcante dificuldade apresentada na elaboração desses estudos é a hegemonia das fontes indiretas tratando dessa temática, as concepções e representações das próprias crianças sobre um determinado assunto são quase inexistentes provocando a utilização e exposição de dados e informações infantis atravessados por outros sujeitos e suas próprias versões.Uma das maiores contribuições trazidas pelas autoras nesse trecho se destaca por meio da exposição ao leitor sobre as diferentes identidades e concepções de infância historicamente definidas e modificadas, marcadas por ritos e hábitos próprios de contextos históricos que ao longo dos tempos se alteram e se mantêm, constituindo diferentes modos de ser criança e olhar a infância. O mesmo é apresentado ao elucidar a juventude como culturalmente estabelecida em detrimento de um único viés biológico que a determina.
Para finalizar o capítulo é apresentada a História das mulheres operada por questões de gênero, sexualidade e identidade fortemente cultivadas e estigmatizadas pelo saber histórico. Nesse momento, são emersas diversas análises e discussões acerca de movimentos feministas, sexismo (adoção de um único sexo para explicação de fenômenos humanos) como também as representações de gênero socialmente estabelecidas e classificatórias da importância dos sexos - feminino e masculino - ao longo dos tempos. Tal fato concretiza as significâncias dadas a histórica diferenciação feminina que estabelece, por exemplo, a profissão docente como "destino naturalmente feminino" ao relacionar a possibilidade de gerar filhos como fator demarcador e exclusivo dos processos educativos. Por mais que atualmente existam inúmeras narrativas e discursos que desmistificam esse fenômeno, continuam cultivadas as identidades sexuais atribuídas à docência e a carreiras liberais, afirmando uma construção histórica a qual ainda se encontra veemente inscrita e impregnada nos sujeitos contemporâneos.
No último capítulo, as autoras retomam e explicitam o uso das fontes para a elaboração da História da Educação assim como algumas formas de unir fragmentos históricos de modo a compreender o fenômeno estudado. O ideal essencial elucidado nesse trecho se destaca ao desmistificar o caráter absolutamente verdadeiro fornecido pelo saber histórico a partir da concepção de uma versão construída por meio de fragmentos (fontes) e limitada a esses no processo de reconstituição do passado. Os vestígios deixados que recontam a história e constituem as fontes e essas não possibilitam a perfeita reconstituição dos fatos.Estas são apresentadas pelas autoras, em uma perspectiva genealógica como surgir, fazer surgir, e são tradicionalmente exemplificadas pelo uso de documentos escritos, tal limitação favorecia a artificialidade e dificuldade de produção histórica dando espaço a uma "revolução documental" marcada pelo alargamento de fontes e ampliação de análises sobre essas. Surgem fontes como livros de ocorrência, boletins, uniformes, quadros, currículos como também a Historia Oral, caracterizada pelo uso de pessoas-fonte por meio de entrevistas a fim de obter informações e relatos relevantes para o estudo do objeto. As autoras também demonstram minuciosamente como utilizar essas novas fontes apontando a necessidade de rigor na pesquisa além de associação, consideração e paciente manipulação dessas. Este capítulo apresenta diversas informações pertinentes ao exercício da pesquisa historiográfica e sociológica trazendo desde dicas para uma melhor e eficiente coleta de dados até metodologia de aplicação de entrevistas e historia oral. As autoras finalizam a obra por meio de uma análise minuciosa dos elementos de um poema a fim de demonstrar a contribuição que o alargamento de fontes como, nesse caso, a literatura disponibiliza a melhor compreensão de fenômenos históricos.
Considero que os aspectos abordados pelas autoras nessa obra são de extrema significância para a constituição intelectual de profissionais educacionais como também essencial para a formação de professores em cursos de licenciatura. Além de possibilitar uma breve viagem ao explicitar ideais e elementos pedagógicos históricos também anuncia questionamentos, problemáticas e necessidades acerca desse saber que a tanto tempo excluía histórias, versões e dimensões que permearam e permeiam a educação e são aqui esclarecidos em toda sua importância. Ao elucidar a História da Educação a partir de parâmetros pouco comentados como produção historiográfica, surgimento da disciplina e negligências históricas dessa, as autoras permitem ao leitor pensar a atuação docente de maneira crítico-reflexiva como um campo historicamente construído e socialmente representado.