HIPERTEXTO:  desmitificando o autor por meio da autonomia do leitor na superfície pluritextual.

 Amanda Gonçalves Bento¹

 

Introdução

 Fundamentos do hipertexto têm sido o foco em muitas conferências no campo de estudos da linguística, em especial da comunicação. Muitos já direcionaram textos com propósitos-argumentativos distintos para enfatizar a leitura e seus modos. O objetivo é reafirmar a produção de sentidos de hipertextos e a consequência em gerar a emancipação do leitor, este que desmitifica teorias construtivas de um autor. Isso emana das mudanças que tem acontecido nos processos de leitura devido a inclusão de tecnologias de comunicação, especificamente do hipertexto on-line. Isso reflete na teoria de que o hipertexto é o mais novo espaço de escrita.

Não é sequencial, nem linear como o texto, porém, afeta não só a maneira como lemos, mas possibilita ao leitor diversas maneiras para que ele consiga ir mais adiante na leitura, quebrando modos de escritas, proporcionando uma enorme capacidade de interpretação e cognição. Com isso, facilita a construção do conhecimento que deixa de ser particular do autor e ambos autor-leitor se tornam parte do mesmo processo construtivo porque o leitor pôde desmistificar os conceitos do escritor.

 

Texto & Hipertexto: uma só composição?

Duas tipologias que compartilham várias características semelhantes, mas por incrível que possa parecer elas se divergem em determinados pontos. O Texto é um conjunto de palavras e frases ligadas entre si que permitem interpretação e como resultado, transmite uma mensagem. É qualquer obra que constitui um livro ou um simples documento escrito. Um texto é considerado uma unidade linguística de extensão superior à formação de frase.

Por exemplo, em artes gráficas, o texto é a matéria escrita, por oposição a toda a parte iconográfica (ilustrações e outros elementos). “É a parte principal do livro, revista ou periódico, constituída por composição maciça, desprovida de títulos, subtítulos, epígrafes, fórmulas, tabelas, etc.” Koch (1997).

Um texto tem tamanho variável e deve ser escrito com coesão e coerência. Pode ser classificado como literário (apresenta uma função estética, com linguagem expressiva, poética e de alguma forma atrai e atinge o lado emocional) e não-literário (informar e explicar ao leitor de forma clara e objetiva, nada mais é que textos informativos sem preocupação estética e nela predomina a função referencial e da linguagem denotativa – objetiva.

Afinal, Quais relações semelhantes ou não podemos então mencionar sobre o Texto e Hipertexto? Segundo Beaugrande,

“Texto é um evento comunicativo em que convergem as ações linguísticas, cognitivas e sociais, e não apenas a sequência de palavras que são faladas ou escritas”. (1997)

Dessa forma, a definição de hipertexto não foge à risca, afinal, podemos considerá-lo também com uma ação linguística e que é produzido em algum uso social da língua. Quando estamos inseridos em ambientes virtuais, têm-se a possibilidade de estarmos sujeitos à inclusão

______________________                                                                                                                                                                1.Acadêmica do Curso Licenciatura Plena em Letras - VI Período da Faculdade de Itaituba – FAI, 2015. 

de outras linguagens ao texto que não seja apenas da natureza verbal. A substância (informação) que um texto transmite ao leitor está presente tanto no texto impresso quanto no texto digital, sendo diferenciados pelo seu suporte. Ambos, possuem muitos pontos em comum, como a questão da não linearidade da leitura e a hipertextualidade.

Porém, O hipertexto apresenta traços que são enquadradas no meio digital, este que é constituído por instrumentos tecnológicos, ou seja, estamos tratando da facilidade na busca de informações, rapidez do acesso a outros textos por meio de Links, Websites, Home Page, Blogs e outros.  A natureza do hipertexto (texto em formato digital) é singular, e portanto, essa característica não está presente no texto. Navegar no mundo virtual a procura de informações, são habilidades que raramente é desenvolvido pelo professor na sala de aula.

Os alunos geralmente, não são instruídos a irem além daquilo que eles vêm ou tem em suas mãos diariamente, assim muito menos a analisar outros textos impressos de um mesmo tema, jornais, revistas ou enciclopédias. Se o texto é linear, sequencial, não volátil, hierárquico, não-fragmentado, semiótico, interativo e centralizado, logo, o hipertexto não será linear, sequencial, muito menos hierárquico, mas apenas volátil, fragmentado, multisemiótico (leitura e domínio de diversos gêneros da mídia), descentralizado e interativo.

História, tecnologia e Textualidade

Hiper + texto (palavras de um documento estão ligadas a outros documentos), surgiu há 50 anos atrás, período em que a ciência da computação era idealizada pelo o que a tecnologia representa nos dias atuais. Anteriormente, não existia conceito de Internet e muito menos disponibilização de informações em mídias virtuais. Entretanto, alguém com ousadia imaginou diversas maneiras de disseminar a cultura e a informação através de meios eletrônicos (quando eles ainda nem existiam) e pôs em prática. Pode ser que você não tenha ouvido falar em Theodor H. Nelson, mas é graças à ele que milhões de pessoas hoje estão diariamente conectadas à internet.

Ele é conhecimento como mente brilhante, pois foi o primeiro a crer que conseguiria desenvolver a Tecnologia de Informação (TI). Filósofo, sociólogo e conhecedor área da TI, criador da expressão Hipertexto (tipo de texto eletrônico). O assunto abordado neste artigo é o Hipertexto e você talvez esteja questionando o que a informática tem em comum com comunicação, ou informática? Porque está sendo mencionado aqui? Acredite! As duas mesmo sendo constituintes de uma ciência própria, ambas estabelecem relações de diálogos muito importante.  Segundo Marianne Cavalcante (2005), Nelson definiu o hipertexto como:

“Escritas associadas não sequenciais, conexões possíveis de se seguir, oportunidades de leitura em diferentes direções A partir de sua invenção, concretizada muitos anos depois, ele mudaria drasticamente nossos hábitos de leitura e consulta à informação”. (Cavalcante, 2005)

 E se hoje você possui diversos tipos de textos em suas mãos, a qualquer hora do dia, de forma prática e rápida, foi do esforço e criatividade desse percursor da Informática. Antes de existir internet quaisquer tipos de consultas dava-se através de livros. O aluno que tinha a necessidade de realizar um trabalho escolar, ele se deslocava até uma biblioteca pública para então poder consultar livros didáticos, em outras palavras, as informações era apenas no papel.

“Foi nessa imaterialidade que o hipertexto encontrou o meio de vida ideal. Se antes ele existia nas notas de rodapé, nos dicionários e nos verbetes de enciclopédia, com o advento da internet ele ganhou dinamismo e força através dos links e hiperlinks, que alteram a direção de nossas leituras ao construir uma rede de informações que nos leva a diferentes caminhos” (Cavalcante 2005). Quando você lê um conteúdo na internet, tem a opção de alterar, a qualquer momento, o direcionamento de sua busca, e isso só é possível por causa do hipertexto (tipologia textual moderno e popular que possui intertextualidade).

 Hipertexto já existia na escrita, Nelson apenas aprimorou a evolução dos modos de leitura e organização da escrita, área que compete à linguística textual. O hipertexto, como conhecemos hoje, comprova a evolução dos modos de escrita/leitura não linear e não hierarquizada, que permite ao leitor alterar rotas e selecionar de maneira quase instantânea aquilo que quer ler. Observe a letra da música “Pela Internet” de Gilberto, em que ele expressa os motivos de estar conectado à internet:

Criar meu web site 
Fazer minha home-Page 
Com quantos gigabytes 
Se faz uma jangada 
Um barco que veleje 

Que veleje nesse informar 
Que aproveite a vazante da infomaré 
Que leve um oriki do meu velho orixá 
Ao porto de um disquete de um micro em Taipé 

Um barco que veleje nesse informar 
Que aproveite a vazante da infomaré 
Que leve meu e-mail até Calcutá 
Depois de um hot-link 
Num site de Helsinque 
Para abastecer 

Eu quero entrar na rede 
Promover um debate 
Juntar via Internet 
Um grupo de tietes de Connecticut 

De Connecticut acessar 
O chefe da milícia de Milão 
Um hacker mafioso acaba de soltar 
Um vírus pra atacar programas no Japão 

Eu quero entrar na rede pra contactar 
Os lares do Nepal, os bares do Gabão 
Que o chefe da polícia carioca avisa pelo celular 
Que lá na praça Onze tem um videopôquer para se jogar.

Música: PELA INTERNET do Cantor e Compositor Gilberto Gil.                             

 Fonte: http://www.letras.com.br/#!gilberto-gil/pela-internet


 

 Decifrando o mundo por absorção de diferentes aportes sígnicos

É necessário a princípio, enfatizar este nome: Paulo Freire, um dos maiores educadores que o Brasil e o mundo já conheceram.  Como educador, criou um método de alfabetização, cujo princípio fundamental é ensinar a ler a partir do universo vocabular do próprio alfabetizando.  Em sua obra Pedagogia do Oprimido ele afirmou que “a leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquela” (freire, 1987).  Com base nestas simples palavras, de fato não se leem palavras isoladas de um mundo referencial para qualquer aprendiz de leitor.

                O hipertexto possibilita a inclusão de leitores nas principais notícias, discussões em todo o mundo, ou melhor, possibilita uma visão muito mais ampla e geral de grandes questões humanas na atualidade. Mas é claro que ele exige algo em troca: do leitor requer não só uma mera “decodificação” das palavras que estão frente aos seus olhos, mas um intenso esforço de atos inferenciais, preenchimentos de lacunas e interstícios deixados pelo autor, até porque o texto, em qualquer superfície, não pode dizer tudo, por motivos óbvios de falta de espaço e obediência às regras do próprio jogo que constitui as linguagens, em outras palavras mais simples, o hipertexto fornece dados influentes na personalidade e faz do homem um cidadão potente no mundo.

Um dos principais discursos que tem surgindo em relação ao hipertexto, é que este não impõe ao leitor uma ordem hierárquica de partes e seções a serem necessariamente seguidas. Há na tela um esboço com caminhos sugestivos, totalmente “violáveis”, pois uns dos princípios fundamentais que norteiam os construtores de hipertextos é optimização ao máximo das escolhas de trilhas no ciberespaço. Quais as consequências desta ação? Uma delas é a multiplicação das opções de perspectivas do usuário que poderá, caso queira, checar em tempo real outras “fontes” para só depois chegar a uma conclusão própria referente a uma dada questão, claro que não tão independentemente quanto deveria, não nos iludamos.

Cabe ao leitor o desejo de compartilhar ou não os links, pois maior parte delas são intencionais, demonstra ao público críticas, um ponto de vista ou ideias individuais que são transparecidos na internet. Mas de qualquer modo, as ligações que há entre outros textos representam uma inovação no modo de produzir textos. Os tais elos não só afetam diariamente a compreensão, como também influenciam o que deve ser destacado pelo leitor ou ignorado completamente.

A novidade que o hipertexto traz é transformar a ausência de um foco dominante de leitura, em princípio básico de sua construção. Ou seja, estou me referindo a textos originais escritos que podem ter propriedades a ponto de se tornarem hipertexto, porém nem todo hipertexto pode ser um texto impresso. Por mais que exista mecanismos de digitalização ou impressão, não quer dizer que sua pesquisa seja um texto com propriedades tradicionais, pois o ato de imprimir não preserva e muito menos garante a acessibilidade, a presença do texto impresso em todos os lugares ao mesmo tempo.

A pluritextualidade é que torna o hipertexto nesta grande novidade, afirma Cavalcante ao mencionar que ela viabiliza a:

“Absorção de diferentes aportes sígnicos numa mesma superfície de leitura, tais como palavras, ícones animados efeitos sonoros, diagramas de leitura, tais como palavras, ícones animados, efeitos sonoros, diagramas e tabelas tridimensionais. A fusão dos diversos recursos de várias linguagens em uma só tela de computador acessíveis e utilizáveis simultaneamente em um mesmo ato de leitura provoca um construtivo, embora volumoso, impacto perceptual-cognitivo no processamento da leitura”. (2005)

  

Em um espaço interssemiótico¹ como o hipertexto, o ato de ler / compreender se viabiliza

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1. A tradução é um processo natural do ser humano, talvez até de todos os seres. A própria percepção do mundo ao seu redor se dá através de uma tradução onde aquilo que é percebido é traduzido em signos ao chegar à mente. Depois, esses signos irão estruturar outros processos essenciais, como a comunicação e o pensamento. Intersemiótico é tudo que diz respeito a mais de um meio, mais de uma semiose. Uma tradução intersemiótica, portanto, é uma tradução de uma coisa em um meio para outro. A própria tradução, acredito, é um processo de recriação.

com muito mais totalidade e amplitude, haja vista que, ele se encontra bem organizado e devidamente inter-relacionado.

Desmitificando o autor por meio da autonomia do leitor na superfície pluritextual

Exercer a leitura no hipertexto, resulta na potencialização do indivíduo através dos assuntos expostos nos hiperlinks. A desmistificação do autor começa aqui, o leitor centraliza a sua atenção nos textos que possuem elo de informações diversificados e visitadas pelo navegador. Logo, os elos hipertextuais diluem qualquer “contato” supostamente firmado entre autor e leitor (como parece ocorrer com livros convencionais que parte de um início até o final).

O leitor busca compreender cada link consultado, delas ele retira informações de forma variada. Com o tempo, ele desenvolve habilidades como: independência e autonomia na aprendizagem, abertura emocional e intelectual, curiosidade e faro investigativo, senso de contestação etc., ao passo que o professor também tem que mudar seu perfil e sua prática pedagógica e tornar-se: pesquisador, articulador do saber, gestor de aprendizagens, consultor que sugere e motivador da “aprendizagem pela descoberta”.

Assim, o aluno deixa de ser um mero receptor de informações a passa a reformular e ampliar dados que o motiva a concluir um entendimento lógico. Nos textos comuns, o leitor se torna aderente às ideias persuasivas do escritor, mas a partir do momento que ele se torna um hiperleitor ativo em hipernavegadores, ele tem acesso à ideias pertencentes a milhares de usuários, ocorrendo, portanto, o processo evolutivo de informações, a miscigenação de dados gerados do processo de produção e compreensão de texto, formando o que chamamos de discursos pluritextuais.

Considerações finais

 

Não estou propondo que o leitor deixe de lado a prática de leitura em livros comuns, mas enfatizar mudanças que o hipertexto influencia no sistema cognitivo humano, pois entender os processos de produção / compreensão da significação do / no hipertexto é, sem dúvida, um imperativo que mais cedo ou mais tarde precisaremos acatar. Cada vez mais as crianças, estudantes e profissionais terão acesso à tecnologia no seu dia-a-dia, e o hipertexto pode proporcionar a maturidade entre esses leitores e o autor, através da facilidade do acesso em aparelhos tecnológicos.

E por fim, têm-se a potencialização do texto, um novo processo de escrita/leitura que determina novas práticas nos leitores. A cada minuto que passa, eleva o número de pessoas conectadas à Internet, sites cadastrados e aumento de horas navegadas. Esse caminho não tem volta. Cabe, portanto, a cada um conhecer melhor as práticas de leitura nesse novo contexto.

REFERÊNCIAS:

BEAUGRANDE, Robert de. New foundations for a science of text and discourse: cognition, communication and freedom of access to knowledge and society. Norwood, New Jersey: Ablex Publishing Corporation, 1997.

CAVALCANTE, Marianne Carvalho Bezerra. Mapeamento e produção de sentido: os links no hipertexto. In: MARCUSCHI, Luiz Antônio; XAVIER, Antônio Carlos (Orgs.). Hipertexto e gêneros digitais. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. p. 163-169.

FACHINETTO, Eliane Arbusti. O hipertexto e as práticas de leitura. REVISTA LETRA MAGNA. Revista Eletrônica de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Lingüística e Literatura - Ano 02- n.03 - 2º Semestre de 2005.

KOCH, I. V. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 1997, 124 p.

LETRA da música: Pela Internet de Gilberto Gil. Disponível em: < http://www.letras.com.br/ #!gilberto-gil/pela-internet>. Acessado em 15 de set. 2015.

MARCUSHI, Luiz Antônio. XAVIER, Antonio Carlos. Hipertextos e gêneros digitais: novas formas de construção de sentido. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2010.

MARCUSHI, Luiz Antônio. O hipertexto como um novo espaço de escrita em sala de aula. Universidade Federal de Pernambuco. Linguagem & Ensino, Vol. 4, No. 1, 2001 (79-111).