Assim opinaram os médicos: o aborto é necessário. Trata-se de uma garotinha de apenas nove anos, e dentro dela há dois embriões programados para crescer. A desproporção é evidente. Permitir o curso natural da gestação porá em alto risco a vida da gestante.

Não demorou muito, apresentou-se o Bispo de Olinda, contestando o parecer médico, e prometendo excomungar a quem realizasse o aborto.

Pronto. Com a palavra da Ciência e o parecer do Pastor, simbolizando respectivamente a Terra e o Céu, fechou-se o círculo dos discursos funcionais.

A partir desse ponto, nada mais de substancial havia a dizer. Na verdade, de substancial só restava o silêncio, o silêncio aflito da perplexidade, único refúgio da família, que precisava decidir.

Nisso, nada obstante, os holofotes iluminam a cara dos Ministros da Saúde e do Meio-Ambiente.

Que teriam eles a dizer? Doisrepresentantes do governo, duas autoridades do primeiro escalão! Que teriam a acrescentar? A que outras instâncias recorreriam além da Terra e do Céu?

Não deu outra. Suas Excelências recorreram à instância política, que paira acima do bem e do mal.

Ao se declararem indignados com a fala do Bispo, Suas Excelências legitimaram com a chancela oficial o alvitre do aborto e erradicaram as dúvidas que acaso ainda turvassem a consciência do eleitorado. Em outras palavras aderiram bravamente a uma causa que já estava ganha.

Isto, no mínimo, demonstra que Hamleth tinha razão: há entre o Céu e a Terra muito mais do que pensa a nossa vã filosofia.