Habeas corpus, controle social e direitos humanos: uma prática histórica da cidadania*

Débora Cristina Bouças Bahia Silva ** 

SUMÁRIO: Introdução; 1. Síntese histórica dos direitos humanos; 1.1 Da Magna Carta inglesa; 1.2 As reflexões trazidas pela Lei de Habeas Corpus e pela Revolução Francesa; 1.3 A contemporaneidade na declaração dos direitos humanos; 2. A petição de direitos: Habeas corpus; Conclusão; Referências.

RESUMO

O presente artigo é um atual panorama da trajetória de atuação dos direitos humanos, assim como, de seu mais famoso instituto de ordem, o habeas corpus. Nesse aspecto, se busca permitir a visualização do caminho traçado pela evolução de tais direitos, independentes da necessidade de normatização, mas também contando com a luta social para a manutenção do exercício da liberdade e da participação.

 

PALAVRAS – CHAVES: Direitos Humanos – Cidadania – Habeas corpus - Liberdade

INTRODUÇÃO

A temática a ser exposta no presente trabalho trata de uma discussão de pertinência do mundo internacional, cujo objetivo aponta para a atuação dos direitos humanos e sua completude. Nesse ditame, verificamos que a todos os homens em qualquer esfera atingida, a proteção e garantia de sua liberdade desperta suficiente preocupação no seu trato.

Considerando a enorme proteção ministrada por esse tema é viável apresentarmos o diálogo com os direitos humanos como meio resolutivo de conflitos que em tempos não foi recepcionados com justiça e igualdade pela norma ou pelo tratamento dado por autoridades.

Assim, perante a busca pela defesa da proteção das garantias dos homens, se encontra nos direitos humanos, o papel de constituinte central dos pontos de reflexão da filosofia política e da prática do direito internacional, sendo nutrido pela grande relevância apresentada pela globalização e por seus processos e agentes contribuintes.

Não obstante, por se caracterizar por diversas temáticas, os direitos humanos atendem a uma ótica que conflui a uma perspectiva uma e orientadora dos princípios que superam a vontade do Estado. O que se expressa é que muitas vezes o flagelo da ordem jurídico-estatal defende categorias protetivas do direito positivo sem atentar para as reflexões trazidas pelos novos núcleos de discussão sobre o campo da política dos direitos humanos.

Assim, esse trabalho desenrolar-se-á em duas partes: a primeira concerne à apresentação do histórico dos direitos humanos com foco de localizar as movimentações que geraram as discussões sobre a legitimidade dos direitos humanos, tal como, apresentar as proteções reclamadas e os meios utilizados para que se tornasse efetiva tal reclamação, por segundo, e em vista de que se destacará o instituto do habeas corpus, visa-se construir um capítulo especial com fins de dar conhecimento a sua atuação e seus efeitos na síntese histórica dos direitos humanos.

1. SÍNTESE HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS:

                

1.1  Da Magna Carta inglesa de 1215

 

Expressão que Ferreira Filho defende como sinônima de direitos fundamentais, os direitos humanos refletem o encadeamento de lutas travadas pelas comunidades de homens, em busca de demandar esforços para repensar o regime democrático de práticas políticas.

  A essência do homem demonstra-se evolutiva, e, portanto, a compreensão da dignidade da pessoa e, conseqüentemente de seus direitos, tem sido parte de intensos conflitos e dor de comunidades inteiras que coletivamente lutaram pela exigência de regras mais dignas para todos.

Representativo dessa proeminência de reflexões e dos embates que superaram a compreensão histórica dos direitos humanos demonstra-se a busca pela unificação dos direitos da humanidade. Nas mais diversas declarações que confirmam esse desenvolvimento como direito reclamado se identifica como elementos fundamentais dos direitos humanos: a soberania da participação popular, a igualdade de oportunidades e a melhoria das condições de gozo desses direitos.

Nesse rastro, os vários registros das normas cunhadas pelos direitos humanos apontam para a conjuntura de proteção à liberdade. Inicialmente, apresentada na Baixa Idade Média, em função da decorrência do desenvolvimento econômico e dos avanços marítimos e tecnológicos advindos, a proteção da liberdade pessoal passa a ser objeto precípuo da petição de liberdades que se iniciava.

“Não, porém, a liberdade geral em beneficio de todos, sem distinções de condição social, o que só viria a ser declarado ao final do séc. XVIII, mas sim liberdades específicas, em favor, principalmente, dos estamentos superiores da sociedade – o clero e a nobreza –, com algumas concessões em benefício do “Terceiro Estado”, o povo. ”[1]

Verificam-se assim, no campo da ascensão social, novos contornos econômicos oriundos da contribuição auferida da consciência política européia que se instaurava, o almejo pelo rompimento com a tradicional limitação do poder político a fim de apresentar categorias mais democráticas e republicanas para o ideal europeu. Nesse encadeamento histórico de contestação é determinada a feitura da Magna Carta.

Editada em 1215, com o objetivo de assegurar a paz e consolidar em lei o direito costumeiro, a magna carta, se instaura como forma de promessa unilateral onde o rei por convenção com os barões feudais reconhece-lhes vários privilégios. Não se observa aqui um momento de delegação de poderes, mas sim, da observância de que a soberania do monarca estava limitada pelas concessões de privilégios e benefícios às ordens mais altas do estamento.

“O sentido inovador do documento consistiu, justamente, no fato de a declaração régia reconhecer que os direitos próprios dos dois estamentos livres – a nobreza e o clero – existiam independentemente do consentimento do monarca, e não podiam, por conseguinte, ser modificados por ele. Aí está a pedra angular para a construção da democracia moderna: o poder dos governantes passa a ser limitado, não apenas por normas superiores, fundadas no costume ou na religião, mas também por direitos subjetivos dos governados.” [2]

Assim, se destaca a existência de cláusulas que cooperam com a afirmação do diálogo para o reconhecimento do avanço dos direitos humanos. De fronte, encontramos disposições que são o cerne da proteção das liberdades do homem, como a substituição do poder arbitrário do senhor nas relações de trabalho por determinação em lei, ou seja, o atual instituto constitucional ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa que não seja em virtude da Lei, encontra suas raízes na forma da lei da Magna Carta.

Ainda, prossegue-se, com reconhecimento do interesse público nas tomadas de decisão do monarca. A partir da Carta Magna das Liberdades, como ficou conhecida, o rei tinha o poder-dever de instituir a justiça em suas determinações, assim que solicitados por seus súditos.

Convém ainda observar, que a civilização feudal apresentava todo o seu direito ligado a terra, não havendo a desvinculação do monarca ao país, propriamente relacionado. Assim, se destaca o que convencionou-se apontar como o coração da Magna Carta, a cláusula 39. Nessa cláusula apresenta-se a essência do princípio do devido processo legal ou o due process of Law.

Dispõe dessa maneira o tipo 39 exposto pela Magna Carta:

39 – Nenhum homem livre será detido ou aprisionado, ou privado de seus direitos ou bens, ou declarado fora da lei, ou exilado, ou despojado, de algum modo, de sua condição; nem procederemos com força contra ele, ou mandaremos outros fazê-lo, a não ser mediante o legítimo julgamento de seus iguais e de acordo com a lei da terra.

1.2 As reflexões trazidas pela Lei de Habeas Corpus e pela Revolução Francesa

 

Em seguida, na contextura de reconhecimento dos direitos em estudo, na Inglaterra de Stuart encontramos a Lei de Habeas-corpus, datada de 1679, mas já em atividade antes mesmo da constituição da Magna Carta. A Lei de 1679 era uma espécie de mandado judicial contra prisões arbitrárias, haja vista, que os personagens do contexto histórico buscavam limitar o poder real, quanto a sua liberdade de prender opositores políticos sem a execução regular de um processo criminal.

Desta maneira, a Lei em observação fora um instrumento político utilizado nos casos de prisões efetivamente arbitrárias, mas que com o decorrer do tempo, passou a ser um instituto protetivo da garantia da liberdade básica de ir e vir. Conhecida como “uma lei para melhor garantir a liberdade do súdito e para prevenção das prisões no ultramar”, a Lei de Habeas-corpus implantou garantias processuais que geraram direitos. Instituída para a proteção da liberdade de locomoção transformou-se na base central das liberdades que vieram a ser protegidas.

Nesse ditame, a lei em estudo determina que:

I - A reclamação ou requerimento escrito de algum indivíduo ou a favor de algum indivíduo detido ou acusado da prática de um crime (exceto tratando-se de traição ou felonia, assim declarada no mandato respectivo, ou de cumplicidade ou de suspeita de cumplicidade, no passado, em qualquer traição ou felonia, também declarada no mandato, e salvo o caso de formação de culpa ou incriminação em processo legal), o lorde-chanceler ou, em tempo de férias, algum juiz dos tribunais superiores, depois de terem visto cópia do mandato ou o certificado de que a cópia foi recusada, concederão providência de habeas corpus (exceto se o próprio indivíduo tiver negligenciado, por dois períodos, em pedir a sua libertação) em benefício do preso, a qual será imediatamente executória perante o mesmo lorde-chanceler ou o juiz; e, se, afiançável, o indivíduo será solto, durante a execução da providência (upon the return), comprometendo-se a comparecer e a responder à acusação no tribunal competente. LEI DE HABEAS-CORPUS, 1679

Considerando a evolução do sistema de proteção de liberdades e os instrumentos manuseados para a tal conjectura de direitos, em 1689, aInglaterra promulga antes da Revolução Francesa, o Bill of Rights. Documento que põe fim a monarquia absoluta e, conseqüentemente, as prerrogativas do monarca quanto ao ato de legislar, transferindo para o Parlamento a função de instituir e manter as garantias especiais sendo diligente com a idéia de proporcionalidade e razoabilidade nos atos estatais. 

“o Bill of Rights se tem o verdadeiro documento constitucional que afiança as liberdades publicas, as liberdades de opinião de ação política e consciência” (BONAVIDES, 1995, p.237)

Representado em sua maioria pela nobreza e pelo alto clero, o Parlamento Inglês foi à manifestação do sistema auferido do princípio da distribuição de poderes. Isto significa que a institucionalização de tal distribuição apresentou uma nova forma de organização de Estado resultando na garantia de respeito aos direitos fundamentais.

“a presença em exercício do governo, enquanto a maioria do Parlamento não dispuser o contrário retirando-lhe o apoio; a repartição entre o governo e o parlamento da função de estabelecer as decisões políticas fundamentais; e finalmente, a posse recíproca de meios de controle por parte do governo  e do Parlamento, de modo que o primeiro, sendo responsável perante o segundo, possa ser destituído de suas funções mediante um voto de desconfiança da maioria parlamentar” (BONAVIDES, 1995 p,277)

O Bill of Rights representa ainda hoje um marco fundamental na trajetória da garantia de defesa dos direitos humanos instituídos em várias constituições. Manuseado pelo Parlamento, o Bill of Rights, estava imbuído da defesa dos subordinados ao Rei reconhecendo direitos fundamentais como o direito de peticionar e a proibição de penas irracionais.  

1.3 A contemporaneidade na declaração dos direitos humanos

Nessa digressão, o século XVIII aponta o que de mais primordial ligado a dinâmica dos direitos humanos fora construído, a Declaração de direitos da Revolução Francesa. Acompanhada pela renovação de ideais ligados à proteção das liberdades, o movimento que eclodiu na França de 1789 demonstra a reestruturação do panorama sócio-político de toda uma sociedade.

Ungidos pelo desejo de um “mundo novo” (grifo nosso), os revolucionários de 1789 anunciavam o delineamento de uma luta universal. O caráter universalizante da Revolução Francesa acunhada por ideais libertários implicou no embate por direitos mais justos e por uma militância mais eficaz. Por sua vez, Bonavides[3] afirma que “a universalidade se manifestou pela primeira vez, com a descoberta do racionalismo francês da Revolução, por ensejo da célebre Declaração dos Direitos do Homem de 1789.”

Efetivamente, a Declaração francesa se notou por sua maior abrangência na significação dos direitos que foram reconhecidos, o que implicou numa ligação primorosa quanto aos direitos fundamentais à liberdade e à dignidade do homem. Demonstra ainda, José Afonso da Silva[4] que “dessa corrente da filosofia humanitária cujo objetivo era a liberação do homem esmagado pelas regras caducas do absolutismo e do regime feudal” o reflexo sobre o pensamento político europeu. Por essa demonstração encontramos nesse momento histórico o aumento da legitimidade dos direitos dos homens quanto à liberdade de consciência e a supressão da desigualdade entre os grupos sociais.

É desse período o início da externalização das características dos direitos naturais considerados peculiares as sociedades democráticas e tido como inalienáveis e sagrados. Ainda, se começou a edificação dos ditames centrais da sociedade democrática e da legitimação da autonomia dos direitos fundamentais, passando-se a construir gerações de direitos.

Por outra banda, é também desse contexto histórico o registro da luta política para limitar os atos da soberania, o que se enfrentou com grande dificuldade. A idéia de manutenção da soberania “nas mãos” (grifo nosso) de um único monarca não apetecia aos revolucionários franceses, visto que, demolia toda a construção do movimento revolucionário francês. 

Portanto, é nesse sentido que a Carta política de 1795 encontrou na neutralidade da fórmula “universalidade de cidadãos” o modo de assegurar a limitação de poderes, já que sem a existência dessa distribuição de poderes não estaria estabelecida os limites e as responsabilidades do Estado.

Na verdade, a doutrina dos direitos humanos universalizou-se, transportando para institutos internacionais a preocupação com o devido valorizar e cuidado em assegurar a não violação de tais direitos. Dessa maneira, numa espécie de retomada dos ideais apresentados durante a Revolução Francesa, a Comissão de Direitos Humanos de 1948 decidiu reconhecer e dispor, por meio do registro dos direitos ali discutidos, os valores que acolhem os institutos supremos da igualdade, fraternidade e liberdade.

“Reconhece-se hoje, em toda a parte, que a vigência dos direitos humanos independe de sua declaração em constituições, leis e tratados internacionais, exatamente porque se está diante de exigências de respeito à dignidade humana, exercidas contra todos os poderes estabelecidos, oficiais ou não. (...) Ora, os direitos definidos na declaração de 1948 correspondem, integralmente, ao que o costume e os princípios jurídicos internacionais reconhecem, hoje, como exigências básicas de respeito à dignidade humana.[5]”

A constituição histórica da Declaração dos Direitos Humanos simboliza a redução da condição abstrata dos princípios orientadores dos direitos do homem. Pela ordem, o princípio da igualdade e da liberdade, basilares para a garantia da dignidade humana, agora revela a recomendação mundial em manter-se o ético no processo de reconhecimento universal da dignidade da pessoa, assim bem, como da manutenção justa e igualitária de seus direitos.

Com isso, os instrumentos particulares dos Estados que gerenciam essas recomendações assinam, independentemente com a condição nacional, com o comprometimento à matéria dos direitos humanos.

Em aplicação a proposta da Declaração, dirigimos a atenção ao instrumento que esculpi o papel de procurador das liberdades políticas do homem, seja ele o habeas-corpus.

2. A PETIÇÃO DE DIREITOS: HABEAS CORPUS

Aliado a intensa busca pelo resguardo das garantias fundamentais pertinentes ao homem, o habeas corpus tem, em seu histórico um contexto de constante espancamento que fora manejado por justificativas desajustadas e politicamente indevidas. O que ocorre é que, por razões jurídicas e políticas, arquitetas em momentos diversificados, o “remédio jurídico”, tornou-se manifesto de proporções descabidas proporcionando interferências maquiadas para a instrumentalização das demandas. Nesse sentido, a instrumentalização do habeas corpus está voltada para a garantia da liberdade, o fundamento primordial de sua natureza.

Inicialmente, a sua apresentação fora justificada para a proteção do direito de ir e vir a fim de limitar o poder do arbítrio estatal caracterizando uma instituição incondicionalmente inglesa, de aparência primeira na Magna Carta, como o resguardo da garantia da liberdade individual. Não é demais enfatizar, que esse resguardo se manifestou nas mais diversas Constituições e leis fundamentais do restante da América.

De fato, a determinação realizada pela Magna Carta não instituiu nenhum novo direito, mas apenas confirmou o respeito ao que já estava instituído por lei de seu país. A existência da proteção trazida pela evolução do direito resguardado no habeas corpus contribuiu para o reconhecimento de outras liberdades sejam elas; o direito a liberdade de imprensa, a garantia de não retirada dos direitos e a singular proteção contra atos arbitrários do poder estatal.

Nesse ponto, assevera Francisco Muniz Arraes “reconhecida como um direito natural, ao lado da vida, a liberdade sofreu um processo de conscientização, durante toda a história da humanidade.”. Nessa banda, o que houve foi a luta incansável do homem em conceituar e dimensionar o trato racional sobre a liberdade, exprimindo nas mais variadas declarações e constituições dos estados o desejo humano em acentuar e afirmar a dimensão da liberdade. Por sua vez, não podemos deixar de verificar nas notícias históricas os fundamentos do instituto protetivo da Liberdade conhecido como Habeas Corpus.

Observação esta retirada dos antigos fundamentos filosóficos se reconhece que as liberdades não são tidas como estado do homem, mas que, como bem próprio deste, poderia ser disposto ao Estado. Tendo-se esse plano de fundo, visualizamos no mundo antigo, por meio da influência do cristianismo, a contextualização do direito com a Idéia de libertação, dando-lhe um sentido racional ao passo que se acentuava a afirmação da liberdade do homem e por sua vez, apresentava os genes do fundamento do habeas corpus.

“Era uma idéia vaga de liberdade, sem raízes na consciência popular. Não deixava de ser um presente do Estado ao homem, ao invés, de um reconhecimento de que a liberdade é ínsita na própria natureza do homem, anterior e superior ao Estado, ä Sociedade e à própria Ordem Jurídica.” [6]

Neste rumo e após o período da dominação romana, os critérios da civilização passam por modificações que afetam as estruturas sociais. A Igreja avança nos debates sociais e passa a atuar mais nas faculdades materiais do que as espirituais impondo seu domínio graças ao aumento de seu poder, de tal forma que limitar o seu poder se torna difícil.

Com destaque agora para as mobilizações oriundas da Inglaterra e o nepotismo apresentado no reinado o João sem Terra, coadjuvadas pela força da Igreja, o povo inglês aspira por modificações libertárias. Motivadas por tais aspirações, encontra-se decretada um documento que traduz a pressão popular e política revestida numa Declaração de Direitos. A primeira constituição efetivamente reconhecida.

Como dito anteriormente, a Magna Carta, não traduz inovações em direitos, mas, apenas, representa a confirmação de leis anteriores amoldadas por pressões das espadas e barões que se encontravam amparados pela mobilização libertária da população. Ao passo que se contextualizava a Magna Carta, os institutos primórdios do Habeas Corpus eram declarados e se aperfeiçoavam pelo contexto social e jurídico.

a Magna Charta, imposta pelos barões ingleses, em 15 de junho de 1215, ao rei João Sem Terra, foi ato solene para assegurar a liberdade individual, bem como para impedir a medida cautelar de prisão sem o prévio controle  jurisdicional (retro n. 923). O modo prático de efetivar-se esse direito à liberdade – como lembra Costa Manso – foi estabelecido pela jurisprudência: expediam-se mandados (writs) de apresentação, para que o homem (corpus) e o caso fossem trazidos ao tribunal, deliberando este sumariamente sobre se a prisão devia ou não ser mantida. Dos diversos writs, o que mais se   vulgarizou foi o writ of habeas corpus ad subjiciendum,  pelo qual a Corte   determinava ao detentor ou carcereiro que, declarando quando e por que fora preso o paciente, viesse apresentá-lo em juízo, para fazer, consentir com  submissão e receber – ad faciendum, subjiciendum et recipiendum – tudo aquilo que a respeito fosse decidido.[7]

Como se vê, não havia nessa medida o cessar de novos reconhecimentos impedindo que novos constrangimentos ou que novas violações não fossem abarcadas pela Declaração. De maneira que, o Rei Carlos II teve que assinar o HABEAS CORPUS ACT como modo de assegurar a eficácia do instituto.

Comparato ainda confirma a importância da simbolização da liberdade individual quando concedida pelo Estado, alertando que:

A liberdade política sem as liberdades individuais não passa de engodo demagógico de Estados autoritários ou totalitários. E as liberdades individuais, sem efetiva participação política do povo no governo, mal escondem a dominação oligárquica dos mais ricos.

Contudo, preenchido por preceitos salutares ao que evidenciam a liberdade, o habeas corpus é observado como peculiar à disposição da ordem constitucional.

“Os textos constitucionais modernos o inserem entre os direitos dos indivíduos, para que se possa exercitar amplamente a liberdade pessoal, ou a liberdade física, ou a liberdade de locomoção, ou à liberdade de ir e vir e ficar. Não houve modificação no seu espírito, nem na sua forma, nem no seu objeto. Adaptou-se às realidade sociais da época ou às condições do povo que o absorveu. O seu objeto e sua finalidade mantêm-se fieis, na sua inteireza, ao protótipo inglês.”[8]

Nesta fase não é demais enfatizar que não há uma Jurisdição única instalada onde os atos não sofrem interferência dos direitos e liberdades reconhecidos individuais, portanto, é possível visualizar, no histórico desse instituto, a sua disponibilidade a ser adaptado a cada ordenamento jurídico. Assim como a sua essencialidade permanece focada e obedecida por quaisquer liberdades que fora elencada.

 

 

 

 

CONCLUSÃO

 

Embora sua história remonte a idos passados, o Habeas corpus, tem estabelecidos alterações primordiais para o percurso da evolução do processo civilizador, sendo um contemporizador dos instrumentos de mobilização para o resguardo da liberdade.

Para tanto, é cabal sublinhar as palavras de Pontes de Miranda:

 o que se suspende não é, tampouco, o gozo dos direitos absolutos do indivíduo, liberdade de andar, de ir, de vir, e de ficar e de se mover, pois esses inerem à natureza humana. O que se excetua por algum tempo é o direito ao writ, isto é, o privilégio, não da liberdade física, que é inalienável, mas do remédio jurídico célere e eficaz para as restrições que tal liberdade porventura sofra.[9]

Como exposto no trabalho, a liberdade de ir e vir se constitui como elemento substancial do indivíduo, por isso que, a análise do instituto ora em voga, necessita de apresentação do seu quadro histórico-funcional. Assim ao se verificar que o bem pretendido e, em exposição, possui um valor estimável para a história de compreensão dos direitos ocorrem que sua formatação em torno da interpretação aponta para coibir atuações ilegais.

A aplicação do instituto do Habeas Corpus não é per si limitada e irrestrita, devendo-se, portanto, observar às limitações que são dirigidas pelo foco da hermenêutica oriundas do teto regulador.  Como assevera a importância da liberdade de locomoção, o controle do poder estatal é instituído no sentido de restringir ou suspender a atuação do instituto ora estudado.

Devido a isso, verifica-se que a liberdade política e as liberdades reconhecidas ao homem quanto indivíduo, abrangidas pelo habeas corpus, culminam para o respeito e positivação dos direitos humanos da sociedade contemporânea.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARRAES. Francisco Muniz. Alguns aspectos do Habeas corpus. Gráfica Vanguarda, Pernambuco, 1973.

BONAVIDES, Paulo, Teoria Do Estado, Melhores Editores ltda, 5º edição, São Paulo 1995

COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos – 3ª Ed. Rev. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2003

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais, São Paulo:

Saraiva, 1999

MARQUES, José Frederico.  Elementos de direito processual penal.  Rio de Janeiro: Forense, 1965.v.4. p.373.

PONTES DE MIRANDA, F. C. História e Prática do Habeas Corpus. v. 1. Campinas: Bookseller, 1999.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Malheiros, 2007.


* Artigo Científico apresentado ao Prof. Cabral como requisito para obtenção da segunda nota referente á disciplina de Direito Processual Penal II, ministrada ao 7° Período do Curso de Graduação em Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB/MA, ao 2009.02.

** Discente do 7° período noturno do Curso de Graduação em Direito da UNDB/MA

[1] COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos – 3ª Ed. Rev. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2003

[2] Op. Cit.

[3] BONAVIDES, P. Curso de Direito Constitucional. 10 ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 516.

[4] SILVA, J. A . da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p.161.

[5] COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos – 3ª Ed. Rev. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2003

[6] ARRAES. Francisco Muniz. Alguns aspectos do Habeas corpus. Gráfica Vanguarda, Pernambuco, 1973.

[7] MARQUES, José Frederico.  Elementos de direito processual penal.  Rio de Janeiro: Forense,  1965.v.4. p.373.

[8] ARRAES. Francisco Muniz. Alguns aspectos do Habeas corpus. Gráfica Vanguarda, Pernambuco, 1973.

[9] PONTES DE MIRANDA, F. C. História e Prática do Habeas Corpus. v. 1. Campinas: Bookseller, 1999.