No próximo 5/4 completarão 20 anos da morte de Kurt Cobain, definitivamente o último ídolo do rock.Atualmente, e no futuro, onde o consumo de massa é cada vez mais voraz e fugaz, não há mais espaço para ídolos de qualquer espécie, muito menos na música e na cultura pop.Pelo menos não mais do que por uma semana, muito por causa da

internet, que tornou o acesso a informação, inclusive a  musical,praticamente universal e ilimitado, e ninguém mais tem tempo ou paciência para assimilar tamanha quantidade de conteúdo disponível e a pressa para ser a bola da vez faz com que cada vez mais bandas ou artistas sem nenhuma qualidade atulhem a web com suas “obras”. A data marca também o dia aproximado da morte de outra figura marcante do rock, Layne Staley (Alice in Chains, Mad Season, Candlebox), possivelmente menos genial, mas tão ou mais louco do que Cobain, e  que talvez não tenha alcançado a mesma projeção, e por isso é assunto para outro dia.

Cobain era o arquétipo do americano comum, alijado... do sonho americano.Branco, louro, olhos azuis, mas pobre, franzino e nascido numa cidadezinha nos confins do noroeste dos EUA, tinha tudo para ser apenas mais um caipira, não fosse o dom artístico, herdado tanto da avó paterna, Íris, pintora, e dos tios por parte de mãe, músicos.Talvez por isso, desde pequeno manifestou talento para a arte e foi incentivado pela família, principalmente no desenho.A música ocupou papel secundário em sua vida, pelo menos até ganhar a 1ª guitarra de um tio.Na época enfrentando a separação dos pais, o instrumento se tornou seu único companheiro, e o garoto se

refugiava primeiro em seu quarto no trailer do pai, praticando por horas a fio, depois perambulando de casa em casa, chegando até mesmo a dormir na rua, mas sem nunca largar a guitarra.Autodidata, de gosto musical em parte duvidoso na adolescência (Journey, Sammy Hagar, Boston, Knack) seu impacto na música foi inédito e provavelmente não mais se repetirá.Com sua colagem musical de elementos tão díspares como Boston e Melvins, só para citar dois, (daria para escrever outro texto só com suas influências musicais) mas com identidade própria, sonoridade única, devido ao seu talento ímpar e vasto conhecimento musical, e juntamente com seu visual andrajoso, ajudou a sepultar os rebotalhos de hard rock que dominavam as paradas americanas a base de apliques, laquês e alguns solos de guitarra.Bandas como Poison, Motley Crue, Warrant e outras excrescências foram varridas do mapa pelo furacão “Nevermind”.O muro entre alternativo e mainstream, que já havia recebido as primeiras marretadas com o sombrio “B       leach”, - que já trazia uma amostra do vasto caldeirão de influências, entre elas heavy metal, punk e pop, (só para citar duas, “Swap Meet” (Knack) e “Negative Creep” (Melvins),  - definitivamente virou pó com o lançamento de “Nevermind”.Desde “Smells Like Teen Spirit” (Com a guitarra quase plagiando “More Than a Feeling”, do Boston, uma mostra de genialidade, ficando na tênue linha entre influência e plágio) até “On A Plain”, é pedrada atrás de pedrada, com uma pequena pausa na quase acústica “Polly”, que pega leve só no ritmo, ao narrar um estupro, o álbum só sossega na última faixa, “Something In The Way”, sobre o período em que dormia na rua. Um muro pessoal também se rompeu, de aspirante a punk a ídolo pop.Contraditório, ao mesmo tempo que pregava a igualdade entre ídolos e público, quando se deu conta do sucesso que atingiu com “Nevermind”, exigiu três quartos do que a banda ganhava.Mas talvez fosse justo, proporcional a sua genialidade.A despeito de Dave Grohl, um estupendo baterista e Novoselic, que, apesar de também ser um profundo conhecedor de música e ter um senso de qualidade até mais apurado do que Cobain, se resignava a ser coadjuvante pessoal e musical de Cobain.Com o perdão da metáfora futebolística, descrever  Cobain apenas como guitarrista é o mesmo que dizer que Rogério Ceni é apenas um goleiro para o São Paulo.Chamar a banda de Kurt Cobain´s Experience não seria nenhum exagero, dado que tinha total controle criativo sobre tudo o que a banda fazia.Mais contraditório ainda era que, apesar de viver pregando suas raízes punk, vivia pedindo para os assessores de gravadora e comunicação ligarem para a MTV passar os clipes da banda, quando ele próprio não o fazia. Mais uma prova de genialidade.Supondo que alguma banda atual conseguisse fazer meio Nevermind, qual delas não faria Nevermind 2,3,4 e por aí vai.A despeito do curso de insanidade que se seguiu ao estouro do álbum, inflado pelo consumo surreal e ininterrupto de drogas, dizia para quem quisesse ouvir em seus poucos momentos de lucidez, que não queria o sucesso , estava farto do som da banda e que queria seguir outros caminhos musicais.Lançou um anti-Nevermind, o abrasivo In Utero.Como diz o 1º verso da faixa de abertura, Serve the Servants, “Teenage angst has paid well, Now I´m bored and old”, (A angústia adolescente pagou bem, agora estou chateado e velho).Como efeito colateral, trouxe a luz infinitas bandas medíocres que jamais conseguiriam lançar um simples EP se não fosse o estouro de Nevermind.Bandas (e gravadoras procurando o próximo Nirvana) que usaram e abusaram da fórmula da parede de guitarras, mas que, devido a falta de qualidade, sem nem fazer sombra ao Nirvana, terminaram por esgotar-se em si mesmas praticamente sepultando o Rock americano.Ícone maior do grunge, nome ridículo para um estilo que revitalizou o Rock em várias vertentes, como Pearl Jam(Hard Rock), Alice in Chains (Heavy Metal) e Soundgarden (Hard/Heavy), virou ídolo de uma geração de desmiolados de camisa de flanela que não entendia suas letras, inteligentes, ácidas, que usavam metáforas para criticar a sociedade americana, em particular o machismo, chegando ao cúmulo de “Smells Like Teen Spirit”, que criticava o modo de vida universitário, se tornar seu hino.Talvez, só talvez, esteja desfrutando a paz que tanto procurou em vida.O rock, mal agradecido  , prefere queimar aos poucos.