Guarda Compartilhada: um enfoque psico-jurídico

Laura Affonso Costa Levy[1]

Maiana Ribeiro Rodrigues[2]

Resumo

O presente artigo se propõe a tratar do tema da Guarda Compartilhada sob o olhar da Psicologia e do Direito. O objetivo, sem a intenção de exaurir o tema, é analisarmos o instituto da guarda compartilhada através da sua disposição legal, seus efeitos e influências no cotidiano e na vida das crianças e adolescentes, com a perspectiva psicológica que reveste este tema.

Palavras-chave: Guarda Compartilhada – Família – Menores.

Desde a década de oitenta Salvador Minuchin já chamava atenção para o fato de que a família, como instituição, vem sofrendo modificações que ocorrem conforme as mudanças na sociedade. Instala-se neste quadro de modificações a crescente fragilização dos vínculos do casamento, mais especificamente do subsistema casal. Experientes terapeutas de casais e de famílias afirmam ter constatado não existir mais um "período crítico" na evolução do relacionamento de casal, explicam que rompimentos podem ocorrer nos primeiros períodos, após a chegada de um filho ou mesmo em um casal com muitos anos de matrimônio.

O efeito psicológico, contudo, está longe de ser considerado passageiro. Famílias que passam pela separação do casal parental enfrentam uma das mais difíceis tarefas ao procurar se reequilibrar. Terapeutas de família afirmam que seguir em frente, após o rompimento do vínculo da conjugabilidade, é um grande esforço para todos os membros da família. A dissolução do vínculo do casamento representa, do ponto de vista psicológico, o rompimento de um pacto relacional e, dessa forma, deve ser encarada como um processo complexo. Tal processo se inicia já no momento em que o casal está considerando a possibilidade de se separar, o que gera uma gama de sentimentos ambivalentes.

Após a separação, em muitos casos, tem-se mostrado muito presente a dificuldade de alguns pais para seguir exercendo seus papéis parentais – de pai e de mãe - sem misturar os sentimentos que está vivenciando em relação ao ex-cônjuge. Quando isto ocorre, a vida dos filhos geralmente fica tumultuada devido à mudança no sistema familiar de um modo geral e, principalmente, devido à mudança na maneira de interação com os pais. Desta forma, é importante que se procure minimizar tais efeitos na vida dos filhos e agir de modo mais próximo ao saudável.

A ruptura afeta diretamente a vida dos menores, porque modifica a estrutura da família e atinge a organização de um de seus subsistemas, o parental. O desejo de ambos os pais compartilharem a criação e a educação dos filhos e o destes de manterem adequada comunicação com os pais motivou o surgimento dessa nova forma de guarda, a guarda compartilhada.

Com o crescente número de rupturas conjugais surgiram, também, os conflitos em relação à guarda de filhos de pais que não mais conviviam. Cumpriu à doutrina e à jurisprudência estabelecer as soluções que privilegiassem a manutenção dos laços que vinculavam os pais a seus filhos, eliminando a dissimetria dos papéis parentais que o texto constitucional definitivamente expurgou, em conformidade com o artigo 226, §5º.

Assim, na tentativa de alcançar os avanços sociais e efetivar uma medida de proteção aos direitos dos menores, foi publicada a Lei 11.698/08, que entrou em vigor na data de 13 de junho de 2008, conferindo de forma igualitária o exercício dos direitos e deveres concernentes a ambos os pais

É de suma importância já se ressaltar que a Lei 11.698/08 alterou os artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil, fazendo referência explícita à guarda compartilhada, afirmando que ela poderá ser requerida, por consenso entre os pais, bem como decretada pelo Juiz, em atenção a necessidades específicas do filho.

Nota-se que no parágrafo 2° do artigo 1.583, ao se referir especificamente à guarda unilateral, estabelece que ela será atribuída ao genitor que revelar melhores condições para exercê-la.

Esse dispositivo não poderá ser aplicado sob a ótica prioritária da capacidade econômica dos genitores, pelo perigo de se beneficiar o pai ou a mãe em melhor condição financeira, em detrimento do outro.

Ao contrário, segundo os incisos I, II e III, os requisitos para atribuição da guarda unilateral deverão ser: a relação de afeto entre as crianças, o genitor e seu grupo familiar, as aptidões do genitor para o resguardo da saúde, segurança e educação dos filhos.

Com a guarda compartilhada busca-se atenuar o impacto negativo da ruptura conjugal, enquanto mantém os dois pais envolvidos na criação dos filhos, validando-lhes o papel parental permanente, ininterrupto e conjunto. Dessa forma, os filhos seguem estando aí, seguem sendo filhos e os pais seguem sendo pais: portanto, a família segue existindo, alquebradas, mas não destruída.

Advoga Eduardo de Oliveira Leite que "a guarda compartilhada mantém, apesar da ruptura, o exercício em comum da autoridade parental e reserva, a cada um dos pais, o direito de participar das decisões importantes que se referem à criança".[3]

Guarda conjunta, ou compartilhada, não se refere apenas à tutela física ou custódia material, mas todos outros atributos da autoridade parental são exercidos em comum. Assim, o genitor que não detém a guarda material não se limitará a supervisionar a educação dos filhos, mas ambos os pais terão efetiva e equivalente autoridade parental para tomarem decisões importantes ao bem estar de seus filhos.

Todavia, essa nova modalidade de guarda deve ser compreendida como aquela forma de custódia em que o menor tem uma residência[4] fixa (na casa do pai, na casa mãe ou de terceiros) – única e não alternada, muitas vezes próxima ao seu colégio, aos vizinhos, ao clube, à pracinha, onde desenvolve suas atividades habituais e onde, é lógico, tem seus amigos.

Assim, o filho pode contar com a estabilidade de um domicílio, um ponto de referência e um centro de apoio para suas atividades no mundo exterior, enfim, de uma continuidade espacial (além da afetiva) e social, onde finque suas raízes físicas e sociais, com o qual ele sinta uma relação de interesse e onde desenvolva uma aprendizagem doméstica, diária, da vida.

As condições de continuidade, de conservação e de estabilidade sãoo que o menor mais precisa no momento da separação de seus pais, não de mudanças e rupturas desnecessárias. A família, mesmo estando em crise, deve buscar uma funcionalidade no desempenho de seus papéis, visando uma qualidade de vida para todos os seus membros, em especial as crianças, respeitando-se assim sua condição especial de desenvolvimento e a vulnerabilidade a que tal condição predispõe.

Os teóricos da Psicologia, de uma maneira geral afirmam a importância das figuras parentais no desenvolvimento do ser humano. A interação da criança com seu grupo familiar – composto por pai, mãe e irmãos, mas também por outras pessoas significativas que com ela interagem-, é fator decisivo e que influencia de modo profundo a formação do psiquismo da criança e o que aos poucos vai se constituir em sua personalidade.

A residência única, onde o menor se encontra juridicamente domiciliado, define o espaço dos genitores ao exercício de suas obrigações. Assim, permite que os ex-parceiros deliberem conjuntamente sobre o programa geral de educação dos filhos, compreendendo não só a instrução, como meio de desenvolvimento da inteligência ou aquisição de conhecimentos básicos para a vida de relação, como também a que tem um sentido mais amplo, ao desenvolvimento de todas as faculdades físicas e psíquicas do menor.Afirmação esta que se refere ao fato dos pais terem o dever de acompanhar seus filhos não só nas atividades educacionais e na vida escolar, mas também no desenvolvimento emocional, proporcionando momentos particulares com eles, bem como oferecer atenção, carinho, comprometimento, etc.

Na guarda compartilhada, não só as grandes opções sobre o programa geral de educação e orientação (escolha do estabelecimento de ensino, prosseguimento ou interrupção dos estudos, escolha de carreiras profissionais, decisão pelo estudo de uma língua estrangeira, educação religiosa, artística, esportiva, lazer, organização de férias e viagens), mas também os atos ordinários, cotidianos e usuais (compra de uniformes e material escolar) – como se praticam no seio de uma família unida – pertencem a ambos os genitores.

Entretanto, quanto à questão do dever de alimentos, a guarda compartilhada, por si só, não enseja na desnecessidade do arbitramento. Muito pelo contrário, como meio de manter (ou criar) os estreitos laços afetivos entre os pais e filhos, estimula o genitor ao cumprimento do dever de alimentos, vez que está presente na tomada de decisões e percebe real necessidade do filho.

Esse novo modelo de guarda, atribui aos pais, de forma igualitária, a guarda jurídica, ou seja, a que define ambos os genitores como titulares do mesmo dever de guardar seus filhos, permitindo a cada um deles conservar seus direitos e obrigações em relação a eles.

Assim, garantir uma adequada comunicação entre pais e filhos é cumprir com o propósito constitucional de proteger a família, surgida ou não do casamento, conforme o art. 226 da CF.

Podemos concluir, portanto, que o instituto da guarda compartilhada está em consonância com o princípio da garantia dos direitos da criança e do adolescente e com a doutrina da proteção integral, especialmente no que se refere à buscado melhor interesse da criança.

Referências:

CARVALHO, M.C.N.& Miranda, V.R. (orgs.) Psicologia Jurídica: temas de aplicação. Curitiba: Juruá,2007.

DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. p. 1.365

LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. São Paulo: RT, 1997.

MINUCHIN, Salvador. Famílias: funcionamento e tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1982.

NICK, Sérgio Eduardo. Guarda compartilhada: um novo enfoque no cuidado aos filhos de pais separados ou divorciados. In: BARRETO, Vicente (Coord.). A nova família: problemas e perspectivas.Rio de Janeiro: Renovar, 1997.

ZIMERMAN, David. E. Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica. Porto Alegre: Artes médicas,1999.


[1] Advogada, Parecerista e Consultora Jurídica; Especialista em Direito de Família e Sucessões; Membro da Comissão de Grupo de Estudos de Direito de Família da OAB/RS; Membro da Comissão do Jovem Advogado da OAB/RS.[email protected]

[2] Psicóloga, Psicoterapeuta; Especialista em Psicologia Jurídica e em Avaliação Psicológica.

[3] LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias... cit., p. 261.

[4] Do latim residens. Exprime o lugar em que a pessoa pára para descanso, tendo-o como morada ou habitação. Se definitiva ou permanente, adquiri o caráter de domicílio, para estabelecer a situação de direito, que por ele se determina. DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. p. 1.365.