Em tempos de ameaça pelo governo de cancelar reajustes salariais para professores e servidores técnico-administrativos, a nuvem chamada greve vem chegando no horizonte de novo. A perspectiva de mais uma longa paralisação perturba os alunos e deixa os professores em posição de ataque. É nessa hora que vale decidir e debater: fazer greve sim ou não?

Argumento a favor das greves universitárias

Para uma política governamental que não prioriza a dignidade do professor universitário, profissão sagrada de toda sociedade urbano-industrial, a resposta imediata, a reação, o pau disponível ao lado para bater no agressor, mais rápida possível é parar tudo e cruzar os braços sem dia para terminar.

Os professores e outros servidores de universidades – considerando apenas o universo do ensino superior público – costumam ser pisoteados pelos governos em suas políticas e reformas, tendo arrochados diversos direitos como os aumentos salariais reais anuais – considerando que o poder aquisitivo desses trabalhadores raramente é incrementado –, as melhorias nas condições de trabalho relativas à gestão de pessoas e à infra-estrutura, o incremento e reposição de profissionais e outros, e o ambiente de trabalho acadêmico decaído e negligenciado pelo poder público que por este deveria zelar. Isso vai gerar o quê? Trabalho precário, professores e funcionários estressados e com humor prejudicado, cumprimento deficiente das cargas horárias e dos conteúdos curriculares dos alunos, pesquisas feitas a condições abaixo do adequado, acidentes de trabalho e muitos outros problemas. Só mesmo o amor visceral à profissão para manter um mestre na linha nesses casos. Vistas essas condições, é de praxe que os trabalhadores paralisem suas atividades para reivindicar melhorias urgentes.

Assim como acontece em toda empresa ou instituição que não trata bem seus empregados, a greve é o instrumento de defesa mais eficiente que vem à tona. No final, depois de ameaças e demonstrações de insensibilidade por parte dos patrões – que no caso da universidade pública são o governo –, quase sempre consegue-se "entortar a barra dura" e invocar a negociação. Quase sempre há um meio-termo no acordo, como um aumento de 7%, entre os 2% que o governo queria e os 15% que os trabalhadores desejavam. É certamente um avanço no tratamento reservado aos servidores públicos.

Lembremo-nos que a greve e os piquetes foram historicamente duas das mais importantes estratégias de reação dos empregados, de operários a professores, contra a exploração trabalhista e pela conquista de direitos. Se não fossem as greves nas fábricas nos séculos 19 e 20, haveria grande probabilidade de ainda hoje o proletariado ser uma massa condenada à servidão perpétua em benefício do pequeno topo piramidal de patrões e altos-burocratas. O inferno trabalhista da China seria ainda o mundo inteiro.

Há o prejuízo em quem usufrui dos serviços? Sim. Os alunos saem prejudicados? Sim, e por motivos que vão desde o atraso no calendário acadêmico até o adiamento da formatura o qual chega a tolher valiosas chances de emprego dos concluintes. Mas é necessário entender que é por uma boa causa, e reitere-se que é uma das mais importantes formas de mobilização da base hierárquica das instituições. Se não fossem as greves, hoje provavelmente as universidades públicas estariam a caminho da extinção. A realidade vista no horizonte seria uma em que todos, dos miseráveis aos ricaços, seriam obrigados a pagar para ter direito ao ensino superior. Aos que defendem "pagar depois de trabalhar" e não se importariam com o fim do ensino superior público, vale perguntar: quem garante que, na realidade atual, o formando vai encontrar trabalho tão logo? Lembremo-nos de que há hoje um sem-número de diplomados desempregados ou em empregos de nível bem inferior ao preparo profissional obtido na universidade, cujos salários de longe não dariam para cobrir a soma do sustento diário e do pagamento do curso concluído.

E quanto a métodos alternativos que mobilizassem também os alunos?A verdade é que ainda não dá para mudar de uma semana para outra uma realidade de muitos anos de alunos mergulhados na alienação. Deve-se pensar sim, mas algo certo é que, se alguém quer torná-los possíveis, deverá fazer um demorado trabalho com a comunidade estudantil, de modo que muito provavelmente não vai dar tempo para seus resultados serem colhidos antes da provável próxima greve.

Por isso é que a greve, por mais odiada que seja, ainda é um instrumento que os professores universitários não podem largar, ou ainda demorarão bastante para fazê-lo.

Argumento contrário às greves universitárias

A greve é, de fato, o instrumento de mobilização que força de forma mais eficiente a negociação com patronatos intransigentes. Mas traz uma série de inconvenientes e motivações contrárias que vale dividir em algumas partes.

Primeiro, precisa-se distinguir a greve de uma empresa e a de uma instituição pública. Numa empresa privada, a greve é quase infinitamente mais eficiente, porque traz prejuízos diretos ao patrão, que perde receita e moral, sem falar no leve mas incômodo arranhão na imagem institucional da empresa e de seus administradores. Acuada, a diretoria aceita negociar e cede mais facilmente, sendo difícil que haja casos de demissão dos grevistas como havia no passado porque a empresa ficaria com o nome seriamente "sujo na praça". Já numa instituição como uma universidade pública, ainda mais uma federal, quem é o patrão? O governo. Há perda de receita ou qualquer outro prejuízo direto e notável na integridade patronal nesse caso? Não. Uma universidade pública não é uma empresa para gerar receita ou ter uma imagem institucional-empresarial a ser preservada, nem o governo é uma pessoa ou uma cúpula diretora limitada que preside e administra. O efeito retaliador de uma greve contra esse "superpatrão abstrato" é muito reduzido em comparação a um empresário ou a uma junta administrativa. O único "sufoco" que gera é fazer o governo ver que há alunos sob sua guarida sendo prejudicados e está pegando um pouco mal deixar de atender aos anseios da classe de servidores e/ou professores. Os danos à imagem institucional do governo como um todo são mínimos, ainda mais num país em que o povo é individualista e alienado.

Segundo, o mais óbvio: há gente sofrendo muito com uma greve quando se trata de uma instituição de ensino, e com certeza não é gente do governo. São os alunos. Deixados à passiva de toda a trama, sofrem com a suspensão das aulas, mais precisamente por causa da deformação do calendário acadêmico e do adiamento das férias e da diplomação, sem falar no enfraquecimento do conteúdo dado em aula nas suas cabeças antes da paralisação.

Falando em alunos deixados à passiva, vale entrar em detalhes nesse aspecto como sendo o terceiro argumento contra a greve universitária. Como é percebido todo dia, a maioria dos universitários é conformada, alienada e individualista, não tem preocupações coletivas significativas ou força própria para lançar esforços próprios sem uma liderança e fica sem estímulos para deixar de sê-los. Numa ironia histórica, a mesma massa estudantil que hoje se mostra letárgica é justamente, junto aos alunos de ensino médio, a massa popular mais suscetível a formar uma força de resistência e luta contra adversidades e hostilidades governamentais. Lembremos as revoltas de 1968 no Brasil e na França, os caras-pintadas de 1992, os protestos contra aumentos de passagens nas capitais, as manifestações francesas contra uma reforma trabalhista do direito ao primeiro emprego em 2006 e diversas outras atividades notadas pelo mundo nas últimas décadas, cujos autores foram em sua maioria universitários e secundaristas. Juventude é, quase como uma natureza humana moderna, a idade de maiores potenciais para extravasar desejos de lutar contra o que há de ruim e errado no mundo, mas infelizmente os grevistas das universidades não vêem isso. Até porque consta que as tentativas por parte dos sindicalistas de chamar essa massa, que a mídia e a cultura transformaram infelizmente em individualistas e alienados, não foram persistentes e ainda tiveram viés de politicagem e ideologia, de que a juventude hoje quer distância.

E o quarto e último argumento é que a greve se torna dramaticamente injusta porque os alunos têm muito, mas muito mesmo, o que reivindicar, incluindo diversas necessidades em comum com professores e servidores técnico-administrativos. Mais coerente do que deixar tantas reivindicações no escanteio e desestimular o potencial cidadão dos alunos seria chamá-los para a luta também, mesmo que isso dê trabalho e demande um prazo comprido. E isso requer muito mais persistência e estratégia do que os convites fracos e esparsos a debates emergenciais que os sindicalistas universitários costumam tentar.

Enfim, a greve se torna algo enfaticamente não-recomendável porque oprime e desestimula os estudantes que, ao invés, poderiam ser guiados pelos professores para uma campanha unificada de reivindicações e mobilizações. E ressalta-se: cruzar os braços com prejuízo acadêmico, só em último caso e com aprovação da maioria dos alunos.

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Só você decide que lado vai abraçar, como vai tomar partido nessa situação. Lembre-se de que, qualquer um que seja o lado com que você simpatize, haverá um ônus moral a assumir, caso não queira sofrer passivamente conseqüências.

Em tempo: o partido que tomei é o contrário às greves.