Neste ensaio pretendo realizar algumas reflexões no que tangem a idéia de educação e infância para diferentes indivíduos que viveram em momentos históricos diversos. Sendo assim, perpassarei pela filosofia na Idade Helênica no que remete, principalmente, a Pitágoras, Sócrates, Platão e Aristóteles e doravante apresentarei os pensamentos da modernidade, mais precisamente, o de Descartes, Rousseau e Immanuel Kant.

Algumas limitações dessa pretensão se relaciona com a fato da dificuldade de encontrar com a bibliografia analisada , tudo que os pensadores decorrem sobre educação e infância, portanto, para aqueles que tal assunto foi mais explícito será mais verificado.

Grécia Antiga e a herança para o Ocidente

A peculiaridade que se nota nos gregos seria a que houve um rompimento da concepção mítica do Oriente Próximo e, tendo em vista que, imaginaram uma nova forma de considerar a natureza e a sociedade, que é a base da tradição filosófica e científica do Ocidente ( PERRY, pp.58).
Esse processo tem início na altura do século V a.C, quando alguns pensadores rejeitaram as explicações míticas dos fenômenos naturais. No entanto, isso não significa, que o restante da população não tenha deixado de crer nos antigos deuses, para eles o mundo continuava a ser controlado pelas forças divinas.

Nesse contexto histórico e de desenvolvimento social, verificamos que

para Pitágoras e seus seguidores, que viveram nas cidades gregas da Itália meridional, a natureza das coisas não estava numa substância particular mas em relações matemáticas. Descobriram os pitagóricos que os intervalos na escala musical podiam ser expressos de forma matemática. (PERRY, pp 59)

Pitágoras (580 a.C – 572 a. C ; 500 a.C – 490 a.C) enfatizou, outrossim, que a peculiaridade dos homens é que eles sabem que não sabem, e isso diferentemente de não saber, como é o caso dos animais, segundo seu entendimento, acarreta na própria consolidação do pensamento filosófico, tendo em vista que, por saber que não sabe, haverá uma busca pela sabedoria ocasionando, portanto, na origem da filosofia.

Esse pensador pretendeu, também, que a educação ética da escola se tornasse uma reforma política, no entanto, essa pretensão causou inquietações a diversos indivíduos de seu meio social. Para melhor compreender o que se trata essa reforma, cito a frase: " Educai as crianças e não será preciso punir os homens". Assim, notamos que a educação torna-se fundamental para o desenvolvimento de indivíduos conscientes de sua inserção na sociedade e ciente, portanto, de seus deveres e direitos como cidadãos.

Adentrando as idéias de Sócrates (470 a.C – 399 a. C), notamos que existe uma crítica aos sofistas, mais precisamente, quando ele explana que eles "ensinavam o ambicioso a triunfar na política, mas a oratória da persuasão e o raciocínio inteligente não instruíram o homem na arte de viver". (PERRY, pp 62).

Sócrates acreditava que os filósofos anteriores não haviam oferecido ao indivíduo nada que o pudesse substituir construtivamente o antigo sistema de crenças. Suas idéias, portanto, se relacionam na valorização a perfeição do caráter de cada homem com as conquistas de uma excelência moral. Nesse sentido, que podemos realizar maiores reflexões do significado de educação para esse filósofo, tendo em vista que essa excelência moral,

não se originava de um Deus transcendental como acreditavam os hebreus. Ela era atingida quando o indivíduo pautava sua vida por padrões objetivos alcançados por meio de uma reflexão racional, isto é, quando a razão se torna o instrumento formador, orientador e condutor da alma. (PERRY, pp 63)

Portanto, para Sócrates a educação significava a formação do caráter dos indivíduos desenvolvido através do uso ativo e crítico da razão.

A prática do diálogo significava que a razão devia ser usada nas relações entre os indivíduos, afim de eles aprenderem entre si, ajudar-se e aperfeiçoar-se mutuamente. Desse modo, percebemos a forma que Sócrates entendia o processo de aprendizagem interligado com o tratamento racional a si mesmo e ao outro, que seria a marca distintiva do ser humano.

Platão (428/27 a.C – 348/47 a. C) usou dos ensinamentos de Sócrates para realizar um sistema filosófico amplo no qual ficou conhecido como "Teoria das Idéias", sendo nada mais que os padrões considerados imutáveis, eternos, absolutos e universais.

Como paladino da razão, procurou estudar e organizar a vida humana mediante modelos universalmente válidos, com intento de consolidar uma transformação moral do indivíduo através do pensamento racional. Esse filósofo rejeitava o princípio fundamental da democracia ateniense, no qual o cidadão comum era considerado capaz de participar dos negócios públicos. Nesse viez, que torna-se possível atingir uma melhor percepção sobre o papel da educação e da infância para Platão.

Esse pensador realizou uma crítica aos amadores que tomavam as rédeas do governo e aos que supervisionavam a educação dos jovens. Para ele, somente os dentetores de um conhecimento legítimo, possuirão competência para tais funções.

Segundo Marvin Perry, Platão dizia que na sociedade existiam três grupos: os com a capacidade de filosofar, que deveriam ser os governantes, os que possuíam uma coragem excepcional, que deveriam ser os soldados e os guiados pelos desejos, aqui se encaixariam os comerciantes, agricultores e artesãos. Nesse sentido, na obra A República, notamos que os filósofos deveriam ser selecionados por meio de um rigorosos sistema de educação aberto a todas as crianças, portanto, as que não demonstrassem inteligentes, estavam relegadas a outras funções, como guerreiro, por exemplo, dependendo de suas aptidões naturais.

Depois, portanto, de muitos anos de educação é que os indivíduos estariam prontos a exercer o poder político. Aqueles filósofos que receberam uma educação adequada não buscariam riqueza ou poder pessoal; estariam preocupados em ser justos e servir a comunidade. (PERRY, pp 67)

Seguindo o debate proposto, deparamos com Aristóteles (384 a.C – 322 a. C), situando-se no "ápice do pensamento grego", ele organiza e sistematiza os pensamentos dos pré-socráticos, de Sócrates e de Platão.

Através da crítica da "Teoria das Idéias" de Platão, Aristóteles tentava trazer a filosofia "de volta a Terra", argumentando que aquelas formas não se situavam num mundo exterior mas existiam nas próprias coisas em si. Ele reforça a importância do conhecimento por meio de um exame racional da experiência sensória, o que propiciou o desenvolvimento das ciências empíricas, tais como a física, a biologia e a zoologia, que se fundamentavam na observação e investigação da natureza.

Considero que, para Aristóteles, o desenvolvimento educacional dos homens se fundamenta na premissa em que as pessoas não são inteiramente racionais, no entanto, elas podem aprender a dominar seus desejos e alcançar o bem estar moral, por muitas vezes, escolhendo racionalmente o caminho da moderação. Sendo assim, notamos, em seu pensamento, uma relação entre a felicidade dos indivíduos interligada com o uso da razão e a busca para uma consolidação de uma "vida questionada" acarretando em um comportamento baseado na inteligência.

Mesmo com esses pequenos recortes abordados, tornou-se possível realizar reflexões de temas relacionados à educação e ao conhecimento que a sociedade grega deixou como herança para o futuro do Ocidente. Esses pensadores viveram em um momento histórico de transição de mentalidade, no qual o caminho para a busca da verdade é redefinido, os velhos deuses são deixados de lado e a razão, apesar de não pensada da mesa forma por todos os filósofos, ganha espaço para explicar a realidade em si, da forma em que ela se apresenta para esses homens.

A modernidade e a filosofia da educação

Analisando os escritos de Paulo Ghiraldelli Jr., verificamos a possibilidade de realizar maiores reflexões em relação a idéia de "filosofia da educação", tendo em vista o período histórico que o autor analisa, no qual seus autores são considerados "os filósofos da modernidade".

Segundo Ghiraldelli,

as filosofias elaboradas por Descartes e Rousseau, bem como as tradições que elas originariam, podem ser consideradas filosofias da educação por duas razões: a) pretenderam fundamentar todo e qualquer saber e, nesse sentido, também o saber pedagógico, a própria pedagogia moderna, b) determinaram o caminho da "busca da verdade" (afinal a "a busca da verdade" é, como sabemos, a tarefa tradicional da filosofia) (...).

Adentrando, dessa forma, para os escritos de René Descarte (1596 – 1650) torna-se possível realizar um paralelo com o mundo antigo no que remete ao "escândalo da condição humana", uma vez que para Platão isso se devia ao simples fato de homem estar no mundo, e para Descartes seria que o homem está fadado a começar por ser criança.

Desse modo, justamente, por sermos crianças é que estávamos sob o governo de apetites e de preceptores, isto é, o corpo e a cultura. Nesse sentido, o filósofo moderno decorrerá que a causa dos nossos erros deriva dos preconceitos de nossa infância. Não obstante, quando René afirma que é na substituição da criança para o homem que existem possibilidades de se formar um sujeito de conhecimento, ele não está desconsiderando a infância, pelo ao contrário, está hipervalorizando-a, mesmo que negativamente, como afirma Ghiraldelli.

O historiador Phillipe Ariés, na obra História social da criança e da família, já nos apontava que a forma como os homens da Europa Ocidental entendiam sobre o que é ser criança, mudou ao longo do tempo e que nem sempre a idéia de infância existiu na estrutura social, como por exemplo, nos tempos medievais as crianças eram vistas como pequenos adultos. Já na concepção de Descartes, a criança não é mais esse adulto em miniatura, nem a infância considerada expressão de inocência, ela já aparece como parte de um patamar para os indivíduos chegarem na vida adulta racional.

Mas, então, chegamos aos pensamentos de Rousseau que colocará mais alguns ingredientes para realizar nosso perigoso intento de compreender algumas idéias sobre educação e infância, desde dos tempos de Pitágoras.

Diferentemente de Descartes, que a verdade estava dada ao sujeito de conhecimento, em Rousseau (1712 – 1778), ela se põe a uma subjetividade mais individualizada, ligada a intimidade. Sendo assim, analisamos o seguinte trecho de Ghiraldelli para entendermos essa afirmação:

Em Rousseau a verdade é, no limite, avalizada pelo coração, e se no coração não há perversidade original – como ele de fato afirma com a frase "o homem nasce bom mas a sociedade o corrompe"- , então a subjetividade íntima melhor se apresenta na infância; eis então que, ao contrário de Descartes, para quem a infância é uma ameaça a filosofia, com Rousseau, diríamos, ela é condição essencial para o desenvolvimento da filosofia como tarefa de busca da verdade.

A valorização da infância, para a concepção de Rousseau, ocorre porque nela o filósofo encontra uma maior proximidade com a natureza humana. Em relação as questões educacionais, " a filosofia da educação romântica, prognosticada em Rousseau, quer ver o homem como pessoa harmoniosamente desenvolvida, capaz do autêntico sentimento de verdade".(GHIRALDELLI, pp 18)

O que observamos, nesses dois primeiros pensadores, corresponderia a uma educação relacionada com a filosofia do sujeito, ou seja, a questão era como fazer da criança um homem. Essa forma de raciocínio, será criticada quando o ponto de chegada desse projeto pedagógico, isto é, o sujeito, sofrer questionamentos contundentes. Paulo Ghiraldelli nos evidencia que essa desconstrução está baseada nos escritos de Darwin, Marx, Nietzsche, Freud e Wittgenstein.

Considerado o último pensador dos "filósofos da modernidade", Immanuel Kant (1724 – 1804) decorrerá importantes escritos, no que tangem as questões que envolvem a educação e o aprendizado. Seguindo a linha que é através da educação que se forma o sujeito, o filósofo escreve bastante sobre liberdade, pensamento próprio e esclarecimento.

Segundo seus escritos, o homem precisa ser educado, por isso, deve-se ter um cuidado com sua infância. Por meio da disciplina, ocorre a conversão da animalidade em humanidade, tendo em vista que o homem por não ter instinto, deve formar por si o projeto de sua conduta, por isso , existe sua necessidade de cuidados e formação.

Entende-se por educação, então, a arte a ser aperfeiçoada por várias gerações e que será capaz de tirar os homens de sua selvageria. Desse modo, os indivíduos serão treinados, disciplinados e instruídos. Kant sustenta que não seria suficiente, apenas treinar as crianças tornando-se importante, também, fazê-las aprenderem a pensar, portanto, a educação e a instrução necessitariam apoiar-se em princípios.

Um dos problemas da arte de educar, para esse autor, corresponderia o como conciliar a submissão dos educandos ao constrangimento das leis, uma vez que a liberdade estaria submetida ao constrangimento de um terceiro. O que compreendi como uma possível solução para essa questão, pelos escritos do autor, seria provar aos educandos que o constrangimento imposto possui uma finalidade, ou seja, ensinar e usar bem da liberdade que está sendo educada para o educando ser livre um dia, para, doravante, dispensar os cuidados de outro.

Considerações finais

De forma breve, tentei expor algumas idéias que considerei relevantes para atingir uma maior compreensão em relação ao que já foi pensado sobre educação e infância, por alguns dos grandes pensadores. Eles nos deixaram um incrível legado para o pensamento científico que se desenvolverá, efetivamente, a partir do século XIX.

Enfatizo, por fim, que ao analisarmos as idéias desse debate, deve-se considerar o tempo e o espaço que elas foram formuladas, afim de entendermos a lógica abordada dos pensamentos dos filósofos.

Referências

 

PERRY, Marvin. Civilização Ocidental. Uma história Concisa. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

GHIRALDELLI. Jr, Paulo.(org). O que é filosofia da educação? Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

Textos Seletos

- edição bilíngüe [trad. Raimundo Vier e Floriano de Sousa Fernandes; introdução de Emmanuel Carneiro Leão] 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1985.

KANT, Immanuel. Sobre a pedagogia. Tradução de Francisco Cock Fontanella. Piracicaba; Editora Unimep, 1996.

ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2. ed. Traduzido por Dora

Flaksman. Rio de Janeiro : Guanabara, 1981.

PLATÃO

, A República; Martin Claret; São Paulo: 2001.